INTERLÚDIO - Residência dos Wright, São Francisco (US-CA) (3 de março, 2025 D.C.)
Portando apenas uma pistola e onze balas, Esther Wright se posiciona na frente da entrada da biblioteca, se escondendo atrás de uma planta. Ela não sabe quantos soldados estão dentro daquele cômodo, muito menos se vai sobreviver, mas, crê que com a estratégia correta, qualquer luta pode ser vencida.
— Sei que você consegue, Bruna. — Ela afirma em uma clara tentativa de convencer a si mesma de que Bruna está bem.
Esther calculou que levaria cerca de três minutos para que a fumaça tomasse conta daquela biblioteca caso tudo ocorresse como planejado. Porém, já se passaram cinco minutos e até agora nada. Mesmo assim, ela continua esperando calmamente por uma oportunidade de embosca-los, o breve momento em que eles tentarem abrir a porta para escapar da fumaça.
Apesar do atraso, a porta é aberta por um soldado.
— De onde tá vindo essa fumaça do caralho... — a reclamação do homem é interrompida por um tiro que acerta seu peito.
Ao ver que ele continua de pé, Esther dispara mais duas vezes, fazendo com que o corpo do homem caia no chão e alerte os outros soldados de dentro da biblioteca, que, rapidamente, percebem a movimentação e atiram na direção dela. Porém, a mulher utiliza um vaso de plantas como cobertura e, com sua arma, dá uma sequência feroz de seis tiros, acertando dois homens.
Em apenas alguns segundos, quase todas as balas foram gastas para penetrar a armadura daqueles soldados, restando apenas uma. Enquanto isso, dezenas de projéteis são disparados pelos inimigos, fazendo com que ela seja atingida no ombro esquerdo.
A mulher grita e geme de dor, mas isso não parece suficiente para fazê-la hesitar. Muito pelo contrário, sua determinação parece ter aumentado graças ao seu instinto de sobrevivência. Além disso, Esther sabe que em pouco tempo estará encurralada. Porém, as dificuldades de retomar sua casa estavam claras desde o início e ela estava disposta a dar sua vida por isso. Então, Esther joga sua pistola longe e, ignorando a bala restante, puxa uma faca de cozinha que havia guardado em seu tênis.
— Saiam da minha casa seus filhos da puta! — ela grita.
Determinada, Esther lança a faca na cabeça de um dos soldados e corre na direção dele para pegá-la de volta, sendo atingida na perna direita durante o processo.
— Vão se foder todos vocês!
Mesmo com a dor em sua perna, Esther corre na direção de cada um dos soldados com a faca em mãos, esfaqueando um a um enquanto grita de raiva. Porém, os soldados não parecem ter fim e ela é baleada na barriga.
Tentando ignorar o ardor e a sensação de cansaço, Esther pega um fuzil de um dos homens mortos e começa a atirar loucamente na direção dos soldados que parecem não acabar.
— Eu ainda não morri porra!
Ao mesmo tempo, as paredes do local e o frágil corpo de Esther são lentamente cobertos de sangue…
…
…
Após o cessar dos tiros, o silêncio toma conta daquela biblioteca ao mesmo tempo em que folhas de papel pairam pelo ar. Agora, somente a respiração fraca e ofegante de Esther pode ser ouvida e, no meio de tantos corpos, o último soldado se arrasta buscando uma maneira de escapar.
— Eu ainda não morri! — Ela grita.
Esther caminha em direção ao soldado restante para esfaqueá-lo e vencer essa batalha.
— Você ficou maluca mulher!? Você vai se matar assim! — grita o homem.
— Cala a bo...
— Você nem tem mais forças para falar, para com isso!
— Sai da minha cas...
— Me escuta! — O homem grita enquanto se levanta. — É só você não me matar que vai ficar tudo bem. Eu prometo que te tiro daqui. É isso que você quer, não é?
— Eu só quero a minha casa de volta! — A mulher responde com uma voz cheia de dor e sofrimento, caindo de joelhos.
— Jim Crooks, Corporação EDEN. — O homem se apresenta segurando-a. — Eu não vou aguentar ver uma dama desse jeito.
— Bruna! Bruna, onde você tá? Eu preciso de você! — a mulher grita e chora.
Em seguida, o soldado retira seu capacete, revelando a face de um homem branco de cabelo liso e ruivo.
— Olha, eu prometo que você vai viver, eu prometo que vou te tirar desse lugar. Você não tem nada a ver com isso, não merece sofrer dessa forma.
Após ouvir essas palavras, que naquele momento de desespero não significaram muita coisa, ela adormece e o homem a coloca em seus braços.
…
…
…
INTERLÚDIO - Residência dos Wright, São Francisco (US-CA) (4 de março, 2025 D.C.)
— Não! Eu não posso dormir! A Bruna precisa de mim! — Ela grita
— Quem é Bruna, mulher? Você foi baleada, nem pense em levantar.
Olhando ao redor, Esther Wright se depara com remédios, equipamentos médicos e paredes brancas. Em seguida, um mau odor atinge suas narinas e, ela enxerga aquele mesmo soldado de antes, sentado em uma cadeira lá no canto, o que a deixa confusa.
— Onde estamos? Que enfermaria é essa!?
— Essa aqui é a enfermaria da mansão. Ainda não consegui te tirar dessa casa de merda.
— Quem disse que eu quero sair daqui!? Eu tenho que ajudar a Bruna!
— É melhor não se mexer, moça. Seus ferimentos vão acabar se abrindo de novo.
— Hã?
— Escuta, deu um trabalhão para cuidar de você, até porque você estava muito agitada. Então fica quietinha aí que eu vou chamar uma equipe pra te resgatar já já.
— Pera aí… Você me viu pelada!? Seu merdinha tarado!
Irritada, Esther lança um travesseiro na direção de Jim Crooks.
— Você tinha que me agradecer…
— O que você fez comigo enquanto eu dormia, seu cretino!?
— Relaxa, eu não toquei em nenhum lugar que não fosse necessário.
— É sério?
— Sim.
— Por que tá tentando me ajudar, então?
— Que pergunta mais besta, não tem por que eu te deixar morrer. — Jim responde em tom de risada.
— É claro que tem! Eu matei vários dos seus amigos!
— Não eram meus amigos, só colegas de trabalho. Além disso, eu sou totalmente contra o ataque de civis.
— Mas, fui eu quem atirou primeiro.
— Eu sei, mas você ainda estava no seu direito. A mansão é sua, não é? Faz sentido querer defendê-la.
— Bem, acho que no meu caso nem faz tanto sentido assim…
— Olha, a Corporação EDEN nos informou que tinha feito uma evacuação de todos os civis da mansão. Se você ainda está aqui o erro é totalmente deles.
— Caramba… Você parece ser um cara legal.
— Não sou legal, só estou tentando ser justo, entende?
— Entendo. De qualquer maneira, obrigada por me salvar.
— Disponha. Vou te tirar dessa mansão antes que as coisas piorem.
— Eu não posso sair! A Bruna precisa de mim!
— Esse papinho de novo… Quem é Bruna?
— Ela é… Uma amiga… Eu acho. — Esther responde com hesitação.
— Uma amiga? São uma da manhã, dona. Se ela não for tão habilidosa quanto você provavelmente já morreu.
.— Eu dormi por duas horas? Não! Ela deve estar bem! Ela sabia como sobreviver! — diz Esther fazendo força para se levantar da cama.
— Fica deitada, cacete! — grita o homem. — Olha, não vale a pena procurar por alguém que você não sabe se tá vivo ou não. Supera isso e prioriza sua vida, mulher!
— Priorizar a minha vida!? E você está priorizando a sua por acaso!? Você sabe muito bem que pode ter problemas com os outros soldados da sua empresa por estar me ajudando!
— As nossas situações são completamente diferentes! Porque eu tenho condições de lutar!
— Você foi baleado também e está só aí sentado como se nada tivesse acontecido.
— Foi você quem atirou em mim…
— Ah, é mesmo… Me desculpa por isso.
— Não, tudo bem, você teve ferimentos bem piores e estava perdendo muito sangue. A sua sorte é que sua família é bem preparada pra esse tipo de situação e colocaram algumas anotações com o Rh de cada membro. Isso facilitou bastante a transfusão. Aliás, Esther Wright é um nome bem bonito.
— Obrigada. Mas, tem como você me deixar ver essas anotações?
— Aqui está.
Esther Wright: A+
Jessica Wright: B+
George Wright: A+
David Wright: A+
Yasmine Wright: A-
— O que mais você fez? — Ela pergunta.
— Eu removi alguns fragmentos de bala, limpei o seu ferimento e no fim dei alguns pontos. Nenhum órgão vital foi acertado então pode ficar tranquila.
— Eu nem tenho palavras pra te agradecer…
— Só não desperdice todo esse meu trabalho morrendo. Isso seria uma boa forma de agradecimento.
— Escuta, a Bruna é importante pra mim! Tenho certeza de que se você me ajudar, a gente vai conseguir encontrar ela e geral vai sair de boas.
— Me fala, o que você quer que eu faça então?
— Quero que me leve com você! — Esther responde animada levantando os braços.
— Como assim!?
— Você é forte, consegue me carregar.
— Você é surtada mesmo. — Jim ri. — Tá propondo percorrer a mansão inteira pendurada nas minhas costas só pra procurar sua amiga?
— Sim!
Ao ver a determinação da mulher, o homem ri alto.
— Claro, claro! Acho que essa pode ser uma experiência interessante, apesar de ser quase certo que vai dar errado. Tudo bem, eu vou te levar, mas você fica me devendo uma.
— Sem problemas!
— Espero que tenha entendido. Vamos resgatar sua amiga e, depois, eu vou tirar as duas daqui.
— Mas, eu não posso deixar esses soldados tomarem a minha casa!
— Acredite se quiser, em alguns dias essa casa será tomada por algo bem pior que os soldados da Corporação EDEN. Não queira estar aqui para ver.
Então, Esther fica em silêncio, sem ter o que dizer.
— Mas, antes disso, tenho que te fazer uma pergunta. — diz Jim em um tom de voz sério.
— Pode falar.
— Quantas pessoas você já matou?
— Hã?
— Fala a verdade pra mim. Eu preciso ter certeza de que você não vai tentar pegar meu Laplace enquanto estivermos buscando sua amiga.
Neste momento, Esther se lembra do bracelete de Bruna.
— Laplace, Quociente de Laplace… O que são essas coisas?
— Como você não sabe? Tem vivido em uma caverna faz quanto tempo?
— Na verdade, é um pouco pior que isso…
— O que é então?
— Eu perdi grande parte das minhas memórias em algum momento. Não consigo lembrar de nada do meu passado ou sobre mim.
— Meu Deus…
— O que foi?
— Não foi nada. Só me diz uma coisa: quais as últimas memórias que você tem?
— Faz mais ou menos uns dois dias. Eu acordei no meu quarto meio confusa, foi quase como se eu tivesse acabado de nascer.
— Que merda…
Naquela noite de dois de março, ao mesmo tempo em que a chuva batia nas janelas e a luz da lua iluminava seu rosto, Esther Wright experimentava um recomeço. Além da ausência de suas memórias, as manchas de sangue em suas roupas e cama mais pareciam uma brincadeira de mau-gosto. Naturalmente, ela demorou até perceber que tudo aquilo era real, notando isso somente ao sentir a prazerosa sensação de matar aquele soldado que tentou invadir seu quarto.
— Foi isso que aconteceu…
— Essa sensação que você sentiu… — Jim fala com uma voz entristecida.
— Me explica!
— Eu vou te explicar o que é o Quociente de Laplace…