No outro dia, à tarde, o mordomo recebeu muitas visitas, às quais encaminhou à sua patroa.
E na sala da casa empoeirada e cheia de teias de aranha, podia-se ver sentada em uma poltrona de espaldar alto, a bela e jovem senhora de cabelos de fogo.
A jovem que ali ficasse haveria de cumprir muitas tarefas.
A mobília, apesar de toda a nobreza, guardava quilos de pó, pois era a mobília da família de Guadalupe, que permanecera intacta em meio da poeira das décadas.
Belas jovens, em trajes simples de camponesa, esperavam por uma decisão, para saber quem ficaria. Ao entrar na casa, o mordomo havia indagado se sabia cuidar de todos os afazeres de uma casa, ao que responderam que sim.
Após os olhos de Eule observarem a cada uma das jovens, pararam em Bertha Dummer.
Tratava-se de uma linda moça de dezesseis anos, com corpo perfeito moldado pelo trabalho doméstico e a juventude. Lindos cabelos louros anelados emolduravam o rosto sardento, onde grandes olhos azuis brilhavam.
– Hoje, será você que fica. Certamente, precisarei de outras. Há muito trabalho a fazer. – disse Eule Schlüter, apontando para Bertha com um longo dedo polegar.
– Você retornará à sua casa para pegar seus pertences. Você poderá a cada quinze dias, passar um dia com a família. Não tema a nada, será muito bem tratada aqui.
Uma a uma, as moças se retiraram. Breve anoiteceria e as pessoas dormiam cedo em Vadenberg.
A jovem escolhida estava noiva. Seus pais haviam predestinado seu casamento com um rapaz honesto e muito pobre, que viajara para uma cidade vizinha em busca de condições para casar.
Eule olhou para Bertha e disse:
– Você será a minha criada particular. Hoje você será servida por nós e jantará à mesa como um membro da família.
Frente a Bertha, estava uma mesa farta como ela jamais vira. Havia tão grande variedade de comidas desconhecidas, que Bertha não soube o que fazer.
O mordomo serviu então um prato de legumes e uma porção de carne, tenra e saborosa.
Não houve conversas durante o jantar. Após este, a moça foi levada ao final do corredor, para o quarto que seria o seu.
Bertha entrou e fechou a porta. Atônita, não entendia ainda muitos acontecimentos. Como poderia uma patroa jantar com empregados? E que estranho comportamento, tão pálidos, tão calados...
Perdida em pensamentos, chegou até a janela. E sentiu um arrepio percorrer o seu corpo, quando recebeu uma rajada de ar.
Contra a luz da lua, pode ver uma enorme sombra, como se um pássaro, maior do que qualquer um que tivesse imaginado.
Apressada, voltou para a cama, encolhendo-se debaixo das cobertas. Ela sabia que aquilo voara da casa da montanha. Ouviu outro barulho, mas não conseguiu decifrar. O medo tomou conta dela. Sentiu vontade de ir para a casa de seus pais.
Acordou cedo e ficou atordoada. Depois de alguns minutos a pensar, conseguiu lembrar-se do encontro com a senhorita Eule, a escolha dela como criada, o jantar, o pássaro...
– Quero ir para casa – Pensou, mas ao chegar à porta, percebeu que esta estava trancada.
O terror apoderou-se dela. Em vão, sacudiu a porta de madeira, a qual sequer movia-se mediante as pequenas mãos de Bertha.
Cansada, voltou para a cama. Esperaria ordens para trabalhar e fugiria. Nunca deveria ter vindo ali.
Presa em seu quarto, Bertha não poderia saber que em Vadenberg uma notícia mobilizara a vila. O desaparecimento de um bebê.
Pela manhã, o jovem casal Lerch foi ao berço do pequeno Manfred, o único filho. Ele nascera a sete dias e deveria ser amamentado.
Horrorizados, perceberam o berço vazio. E havia sangue nas cobertas do bebê. Uma corrente de ar frio entrou através das cortinas. A janela estava aberta.
Alguém levara Manfred através da janela. Mas quem? Seria humanamente impossível que alguém subisse até o quarto pelas paredes da casa.
Imediatamente, chamaram o padre, para que se iniciasse uma cruzada à procura do bebê.
Mas a mãe de Manfred sabia que jamais veria seu filho novamente.
Anton Dietze, o padre do vilarejo, curvado sob o peso de seus setenta anos, tentou confortar as almas do pobre casal. Mas a experiência de outras épocas dizia a ele o que havia acontecido.
Demônios alados haviam levado Manfred. Angustiado, saiu a liderar uma cruzada que sabia ser sem êxito.