Acompanhando a cruzada, o velho padre Anton pensava na rapidez dos últimos acontecimentos em Vadenberg .
Sabia que o mal que já começara a acontecer era tão grande, que não caberia em uma vila tão pequena e devastaria os arredores.
Porém era o padre mais antigo da região. Guardava conhecimentos que fora obrigado a esconder durante a Santa Inquisição, ou morreria na fogueira.
Sabia quem estava ali. As edições da Bíblia tentaram apagar sua existência, mas ele secretamente se encantara por mistérios e lembrava se de estudar antigas passagens do Gênesis que diziam:
"Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou." Gênesis 1:27.
"E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a Terra ..." Gênesis 1:28
"Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora que lhe seja idônea." Gênesis 2:18.
"E da costela que tinha tomado do homem, o Senhor Deus fez uma mulher, e levou-a para junto do homem.". Gênesis 2:22.
Se uma mulher fora criada da costela de Adão no segundo capítulo, o que justificaria a benção no primeiro?
Como seria possível abençoar a ambos e recomendar a multiplicação se Eva ainda não tinha sido criada?
Pois no segundo capítulo, Adão pareceu gostar da companheira, ao dizer:
"Esta sim é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada mulher, porque do homem foi tirada." Gênesis 2:23.
Mas a Bíblia foi editada muitas vezes, o Gênesis reescrito pelo Homem e essas passagens foram esquecidas.
Mas não pelo padre Anton. Ele sabia que a primeira mulher estava ali. E conhecia a sua história, esquecida através dos tempos.
Seus pais desejaram que ele fosse padre e assim ele cumpria sua missão, porém muitos questionamentos assolavam a sua memória. Um deles era a história de Lilith.
Segundo essa história, a exemplo do que foi feito com os animais, Deus teria criado um casal: Adão e uma mulher que antecedeu a Eva. Essa primeira mulher foi chamada Lilith.
Porém, criada do mesmo barro com que foi criado Adão, Lilith não se submeteu à dominação masculina.
A sua forma de reivindicar igualdade foi a de recusar a forma de relação sexual com o homem sobre ela.
Por isso, fugiu para o Mar Vermelho. Adão queixou-se ao Criador, que enviou três anjos em busca da noiva rebelde. Os três anjos eram Sanvi, Sansanvi e Samangelaf. Os enviados do Senhor tentaram em vão convencê-la a voltar, ameaçando afoga-la. Lilith, porém, respondeu:
"Deixem-me, não sabeis que não fui criada em vão e que é meu destino dizimar recém-nascidos? Enquanto é um menino tenho poder sobre ele até o oitavo dia, se é menina, até o vigésimo".
E ela jurou aos anjos, em nome do Deus vivo, de que sempre que avistasse as figuras ou apenas os nomes dos mensageiros de Deus, deixaria a criança em paz. Também aceitou o fato de que diariamente iriam perecer cem de seus próprios filhos
Lilith foi transformada em um demônio feminino, a rainha da noite, que se tornou a noiva de Samael, o Senhor das forças do mal.
A rebelião de Lilith contra Adão e o Criador levou à necessidade da criação de Eva, esta formada a partir de uma costela de Adão.
Mas em época bastante remota, talvez no quarto século antes de Cristo, tempo suposto em que o texto escrito tomou uma forma aproximada da Bíblia existente, essa história foi esquecida e o mundo esqueceu Lilith.
Lera relatos que ela casara com Caim gerando os filhos do adultério.
Lilith seria uma figura sedutora, de longos cabelos, que voa à noite, como uma coruja, para atacar os homens que dormem sozinhos. Isso justificaria a morte de Michael Müller
As crianças recém-nascidas seriam as suas principais vítimas. Manfred e Jürgen, com menos de oito dias de vida, haviam desaparecido.
A crença em Lilith, durante muito tempo, servira para justificar as mortes inexplicáveis dos recém-nascidos.
Uma forma de proteger as crianças contra a fúria do belo ser demoníaco seria escrever na porta do quarto os nomes dos três anjos enviados pelo Senhor, ou afixar no berço do recém-nascido, três fitas, cada uma delas com um nome dos três anjos.
Extremamente católicos e cegos na fé cristãs as pessoas não acreditariam no velho padre. Provavelmente pensariam que ele estava a delirar.
E assim, ele sentiu-se inútil, tanto quanto se sentiram os outros ao voltarem para casa sem nenhuma notícia de Jürgen.