A primeira coisa que senti foi o toque quente da minha mais nova mãe. Nunca havia sentido o calor de uma mãe, essa era a primeira e última vez que eu sentia, pois logo depois dela me ver, deu um sorriso de despedida. Lentamente ela fechava os olhos. Adeus Maxine... Quero dizer, Mãe. Daqui a 20 anos nos veremos novamente.
Eu já havia conhecido ela, foi ela que me elegeu como sua filha. Isso foi porque ela pôde escolher um anjo — vulgo eu — antes de morrer. Eu sou literalmente um anjo, irei explicar melhor este sistema.
Eu não pude conhecer minha primeira mãe, pois eu havia morrido quinze dias depois de nascer — sempre me pergunto como ela era e como seria minha vida como uma humana. Não é só eu que tenho esse tipo de curiosidade, as outras crianças também têm. Não é algo que ficamos remoendo, afinal não sentimos falta do que não tivemos.
As crianças que morrem prematuramente ou nem nasceram vão para o Céu. Lá nós crescemos até completarmos dez anos. Ou seja, nossas mentes e nossos corpos ficam eternamente como uma criança de dez anos. Isso não impede de nos mudar e evoluímos com as nossas experiências vividas. Por que isso? Sinceramente não faço a mínima ideia. Talvez tenha explicado um dia em minha aula, porém nesse dia provavelmente eu cabulei aula
Quando chegamos nesta idade, estamos liberados para começar a trabalhar como Anjos Da Reencarnação — pois é, aqui no Céu é permitido trabalho infantil — então, reencarnamos em alguma dimensão ou algum tempo desconhecido para fazer alguma missão na terra material.
Faz tantos anos que eu sou um anjo e nunca consegui um trabalho, já que a maioria não são adequados para mim. Eles falam que eu sou explosiva demais e impaciente. Ademais, dizem que eu não pareço com um anjo, já que eu não tomo atitudes que um anjo deveria ter. Sempre me comparam com aquela lambisgoia da Sabrina. Ela já fez várias missões com sucesso e ela é tão gentil e angelical, ao contrário de mim. É que eu não tive oportunidade de mostrar para eles, mas eles vão se arrepender!
No dia que eu conheci a Max, era um dia especialmente bonito — tirando o fato que todos os dias do Céu são lindos — sentia que algo diferente iria acontecer… mentira! Pensei que seria mais um dia monótono e entediante. Não queria que fosse assim, então eu me esforcei ao máximo para encontrar algo interessante.
Não sou muito de fazer amigos, isso por culpa da chata da Sabrina. Ela é responsável pela a maior panelinha daqui. Tudo e todos querem ser amigos dela, somente há uma exceção! EU! Sou esperta demais para ser uma simples figurante. Tenho uma personalidade diferente delas. Apesar que, essa minha personalidade me impede de adquirir uma missão. Não irei mudar quem eu sou, só para agradar quem eu não quero agradar.
Confesso que me sinto um pouco solitária, todavia sou orgulhosa demais para unir-me à panelinha da Lambisgoia.
Naquele dia, percebi que fazia-se tempos que não pintava as minhas asas. Tenho preguiça, pois tenho que fazer sozinha devido minha falta de amigos para me ajudar. Bem, tem as Curatis, que são anjos que cuidam do nosso bem estar e nos educam. Elas também brincam com nós, só que no dia que eu conheci a Max, elas estavam super ocupadas, então não puderem me ajudar naquela hora.
Comecei a pintar sozinha, escolhi uma cor base como um rosa pastel. É um pouco difícil devido as minhas asas serem pequenas. Precisava me contorcer toda para conseguir pelo menos pintar a ponta. Percebi que o nosso templo estava bastante agitado, isso ocorre normalmente quando algum humano que faleceu é permitido escolher-nos para completar alguma coisa pendente.
Não me importei, pois sabia que não iria ser escolhida, então nem me dei o trabalho. Ha! Mas quem diria que eu estava errada.
Senti que alguém estava se aproximando de mim. A sombra que fazia era de algum adulto que, singelamente, pensei que era alguma Curatis para dar-me bronca de alguma coisa que eu fiz, mas não. Levantei um pouco minha cabeça para olhar a figura, até que fiquei terrivelmente encantada por sua beleza.
Não sei exatamente como descrevê-la, mas compararia ela com um lótus branco. Ela tinha longos cabelos ondulados que passavam da altura de seu quadril. Poderia descrever que seu cabelo é branco como a neve, porém neve seria ultraja para ela. Emitia-se um calor de seu coração, como um grande carisma. Impressionante, pois, no exato momento que lhe vi, já sabia que tipo de mulher ela era. Senti uma estranha vontade de querer conversar com ela, ser amiga dela e estar ao seu lado.
Que mulher mais estranha, que me traz sensações tão estranhas. Seu sorriso era tão contagiante que senti vontade de devolvê-la com outro sorriso. Mesmo se tentasse eu não conseguiria ser carismática quanto era o seu sorriso.
O sol estava sob sua cabeça, que parecia como uma grande coroa iluminando todo o seu ser. Talvez por causa disso o nosso encontro foi tão memorável. Pelo menos para mim.
Ela se abaixou ficando na mesma altura que eu, perguntou-me o meu nome e lhe respondi. Depois disso, ela alegremente agarrou minhas bochechas e começou a puxá-las. "Como é fofucha! Não consigo soltá-las!" Gemi um pouco, devido à leve dor, mas foi divertido. Ela tinha uma personalidade, como posso lhe explicar? Espontânea eu diria.
Depois disso, minhas bochechas ficaram vermelhas como um pimentão! Não me importei muito e antes de começar a lhe dizer alguma coisa, ela rapidamente mudou o assunto. Olhou para as minhas asas que perguntou o que estava fazendo. E novamente, antes que eu pudesse respondê-la, ela rapidamente mudou o assunto. "Também terei asas?" Uma Curatis que estava-lhe ao seu lado, provavelmente lhe mostrando o nosso templo e explicando-a sobre nós, lhe respondeu. Sim, sim!
Doravante, a Curatis, nos deixou a sós, por pedido da própria Maxine. Não sabia exatamente quem era ou do porquê dela estar lá. Apenas estava encantada com aquela mulher, me preocupar com esse tipo de coisa, como qual é sua origem, não me importava, pois o que me importava mesmo era o nosso momento. Diferente de uns minutos atrás, que parecia uma criança com hiperatividade, ela estava calma como um lago cristalino. Ela me ajudou a pintar minhas asas, até fez algumas flores nela.
Nesse momento, enquanto estamos aproveitando esse belo, que ela mesmo o tornou. Conversamos como verdadeiras amigas, falando de várias coisas aleatórias. Embora seja eu quem mais falou sobre mim, ela não se importou, pois assim ela conheceria mais de mim. O pouco de oportunidade que ela conseguiu falar, me disse que estava aqui pois queria salvar alguém. E para isso ela precisava escolher alguém para ajudá-la. Como seria maravilhoso ser filha da Maxine. Pensei silenciosamente. Mas claro, não sou o tipo ideal e nem merecedora para tal posto. Creio que se eu for escolhida, em algum momento iria decepcioná-la. Por essa razão eu tentei me confortar em ser só amigas.
"Quero que você seja minha filha."
Por que eu chorei com essa frase? Pela razão que essa era a primeira vez que senti que alguém me necessitava. Ser sua filha, eu realmente mereço esse privilégio? Eu realmente serei a filha dela? Essa pessoa me amará, não é? Pensei que seríamos amigas, era o modo de ser mais próxima dela, mas filha? Isso é tão íntimo que me faz questionar se eu mereço. Tenho tantos defeitos e às vezes posso ser desagradavel, então por que?
"Por que eu, e não a Lambis...Sabrina?"
"Humm… ela me pareceu ser uma boa criança, mas ela é perfeita demais." eu não entendi o que ela quis dizer como perfeita demais, para mim isso é um elogio. "Não me entenda mal" continuou "Só que… não acho que uma criança como ela sairia de mim." quando terminou de dizer isso, ela me abraçou e pôs sua cabeça na minha. Era tão caloroso o seu abraço, me senti confortável com isso. Queria que esse momento parecesse no tempo. "Você é tão parecida comigo. É a única que conseguirá completar essa missão, mais ninguém."
"Mas às vezes eu sou mal educada." No fundo do meu coração queria muito essa missão, só que não seria justo de minha parte mentir de quem realmente sou. Não quero que ela se arrependa de minha escolha.
"Eu também."
Vi que só isso não funcionaria, Então...
"Eu xingo as pessoas quando estou brava."
"Eu também" riu ela.
"Eu bato!" Quando disse isso, fixei os meus olhos com medo do seu olhar. Agora não terei mais chance de ser sua filha, mas fiquei feliz em saber que eu era sua primeira opção.
Ainda estava com os olhos fechados e Maxine ainda estava me abraçando. Ela não me largou, isso significava um bom sinal?
"Isso é uma atitude reprovável" Agora a Max nem irá querer ser minha amiga. Já estava começando a chorar, antes mesmo de minha sentença ser anunciada. "Todavia é normal para crianças. Pelo menos ao meu ver."
" Viu só! Sou uma criança ruim!"
Não queria ter gritado com ela. Sua expressão foi surpresa, mas não tinha nenhum sentimento ruim. Era como se ela estivesse confusa com minha declaração, mesmo sendo mais claro que a luz.
"Não existem crianças ruins. Suas atitudes são comuns entre crianças de sua idade. Nada impede de mudá-las." ela olhou em meus olhos que estavam a ponto de caírem lágrimas, mas segurei até onde eu podia. Com suas mãos, ela me fez deitar em seu colo, acariciou minha cabeça e continuou. "Eu não sei se seria uma boa mãe, minhas atitudes também são reprováveis. Não sei se poderia dar o exemplo. Como já disse antes, tinha as mesmas atitudes, até mesmo batia em quem me desagradava."
Que baboseiras você está dizendo Maxine? Você com certeza seria uma ótima mãe. Achei que ela iria se alegrar, então ao invés de dizer só em meus pensamentos, disse pessoalmente.
"Tenho pura certeza que você seria uma boa mãe!"
E tinha razão, ela se alegrou e deu um sorriso tão grande quanto o sol. Me abraçou e começou a me amassar em seu peito.
"Como você é linda!" queria dizer obrigado, mas me faltaram ar para formar alguma palavra. "O que você me diz? Quer ser minha criança?"
"Quero…" fiz muito esforço para essa voz rouca sair de mim.
" Como? Não escutei"
"Quero..." essa foi ainda mais difícil, pois quase não entrava ar em meus pulmões. Ela nem sequer percebeu que estava me sufocando com seu abraço. Por favor, que ela não me peça para repetir.
" Não entendi! Pode repetir?"
Sabia que isso iria continuar por anos se eu não fizesse direito, então direcionei todo o ar de meus pulmões que quase já nem existia e juntei para esse grito.
"QUERO SER SUA FILHA!"
Meus pulmões não tinham ar e minha voz nem mais existia. Porém valeu muito a pena, agora me sentia mais feliz? Não sei explicar como é esse sentimento, mas é muito bom! Estar aos braços da Maxine, é algo de outro mundo.
Quando percebi, lágrimas travessas brotaram. Ela me abraçou mais forte quando percebeu os ruidos do meu choro. Desisti de chorar em silêncio, abri minha boca e comecei a soluçar. Mas não eram lágrimas de tristeza e ela sabia disso, por isso um quente e pequeno sorriso se envolveu em seus lábios. Ela deve estar feliz que eu concordei em ser sua filha.
Todos ficaram surpresos da Max ter escolhido a mim e não a lambisgoia da Sabrina.
E o mais legal, é que quando eu terminar minha missão eu poderei ver ela sempre que eu quiser, pois ela também se transformou em um anjo. Mesmo assim, está em um departamento diferente do meu, ela é um Anjo Guardião, o qual protege a alma dos humanos. Para isso, um Anjo Guardião necessita ser forte — não somente em força física, mas também de espírito.
Eu não sei muito sobre a história dela — afinal, só falei sobre mim —, mas o que eu sei, é que ela foi uma grande guerreira em vida e isso contribuiu muito para se tornar uma Anja Guardiã.
Quando os humanos morrem, eles vão para o Ciclo do Renascimento, no qual perdem suas memórias da vida anterior. Mas por algum motivo ou particularidade, certos humanos podem ser escolhidos para se tornar um Anjo, como eu e a Max. Nessa aula eu também faltei.
Maxine tinha o potencial de se tornar uma Anja Guardiã, entretanto ela não era obrigada a isso. Ela podia escolher trabalhar para o Céus ou ir para o Ciclo do Renascimento. Todavia, se ela escolhesse a primeira opção, ela teria alguns "privilégios". Como resolver coisas que deixaram pendentes.
Ela escolheu salvar seu marido, que é o foco desta minha missão. Eu não sei muita coisa sobre ele, mas o que eu sei é que ele é um Imperador com o coração de gelo e cabe eu derretê-lo! Ele deve estar com muita raiva de mim, pois eu supostamente "matei" a Maxine e é minha culpa. Quantos anos esse cara tem? Depois eu é que sou infantil. Nunca vi um adulto, ou melhor, um imperador tão infantil como ele. Já não gostei do cara, mas terei que me esforçar pela Maxine.
Fomos de mãos dadas até O Poço, a qual basicamente é um portal para a nossas almas reencarnarem.
Se comporta bem!" disse uma Curatis " Estaremos lhe observando."
Max deu um beijo em meu rosto.
"Boa sorte minha criança" disse ela.
"Boa sorte, Ma…" iria chamá-la de Max, só que pensei bem e chamei de algo diferente. "mãe!"
Falei no calor do momento e logo uma vergonha tão grande me atingiu como se fosse uma erupção vulcânica. Ela olhou para mim e achou bonitinho essa minha vergonha. Isso foi mais uma oportunidade de me abraçar.
Estava ansiosa para ir ao mundo humano. Finalmente algo diferente e menos entediante iria me acontecer. A Curatis estava enchendo o meu saco, com avisos chatos, como não faça isso ou aquilo, se comporte e outras coisas chatas.
"É de suma importância, em hipótese alguma nunca deve esquecer que..." sabia do que ela iria falar, de fato era algo muito, mas muito importante, só que já sabia isso, pois ela já falou um monte de vez. E esse era apenas o aviso final. Como eu já sabia, não me importei de pular antes que a frase se completaria.
Então, quando abri meus olhos eu a vi, toda cansada do parto. Gotas de suor corriam de todo o seu corpo, sua expressão era totalmente diferente de quando estava no nosso Templo. Pois ela sabia que a morte lhe esperava.
O tempo é relativo e por isso, eu reencarnei antes que a morte lhe assolasse. Ela ainda não me conheceu, mas logo irá me conhecer.
Agora terei que me adaptar a minha nova vida de princesa abandonada. Por consideração a sua falecida esposa, seu marido me deixou viver, pois se eu morrer, irei falhar em minha missão. Seria uma tragédia falhar em minha primeira missão, não importa o que fosse, não posso morrer!