Chapter 4 - Capítulo 4

22:50 – Ruas de Campo Grande

"Finalmente terminei de organizar aqueles documentos... Demorou mais do que eu esperava, e já são quase onze horas." Falou Dmitri consigo alongando os braços em cima da cabeça. A porta do elevador abriu no térreo e ele caminhou pelo longo hall de recepção com seus passos ecoando pelo ambiente vazio e silencioso.

Chegando em casa ele ia escrever a pauta da reunião de segunda e enviar para a equipe para que eles se preparem e separem os arquivos necessários...Ainda teriam muito a fazer! Pensou enquanto falava com Augusto e desejava uma boa noite ao segurança que sempre estava lá quando saia.

Era um sujeito simpático, embora muito calado. Nunca ouvira mais que 4 ou 5 palavras saindo de sua boca. Sempre naquele tom super baixo e calmo, um tanto monótono pode-se dizer, mas como tinha uma expressão leve no rosto, não era ruim. Realmente passava a impressão de ser alguém de confiança.

Ao sair pelas portas automáticas de vidro da empresa, que seriam desligadas e trancadas por Augusto logo em seguida, caminhou por entre as ruas iluminadas do bairro empresarial. Finalmente conseguiu respirar fundo o ar frio da noite e caminhou lentamente pela calçada tentando limpar a mente e não pensar em nada.

Depois de mais de uma hora separando os documentos de relatório na nuvem, estava tão cansado que até os bancos pelos quais passava, pareciam extremamente confortáveis para se deitar. Seu corpo estava pesado e dolorido, a enxaqueca que sentia desde cedo havia piorado fazendo sua visão embaçar. A fome e o sono acumulado causavam tontura e estavam a ponto de derrubá-lo.

Teve longas reuniões quase todos os dias nas últimas semanas. Quando não estava analisando dados, estava orientando seu pessoal e discutindo com outros diretores da empresa. Conversou com investidores, deu explicações à mídia, negociou com os fornecedores e parceiros, até mesmo com representantes do Ministério da Economia e da Saúde.

Nos primeiros dias, teve que liderar tudo pessoalmente. Pela primeira vez em muito tempo Dmitri pensou que fosse morrer com a exaustão. Depois que as equipes responsáveis conseguiram se organizar e tomar à frente, ele se concentrou em tentar reverter a situação. Muita coisa já tinha sido feita, mas não estavam nem perto de descobrir o verdadeiro culpado. Não fazia sentido um simples funcionário fazer tudo isso sozinho, principalmente sem um motivo concreto.

O cansaço começou a prejudicá-lo. Ontem quase envia o relatório das finanças atualizado para um fornecedor, hoje ligou para uma empresa japonesa em vez do gerente administrativo. Perdeu muito tempo organizando os arquivos em pastas categorizadas, estava tudo uma completa bagunça. Nunca entendeu porque é tão difícil para as pessoas manter as coisas organizadas e separadas! Nem por data conseguiu visualizar os documentos porque, aparentemente, eles eram upados em blocos por departamentos.

Apenas a logística e algumas equipes de marketing eram organizadas nesse quesito. 'Já ajuda em alguma coisa' disse Dmitri quando recebeu os links de compartilhamento.

Certo que no início demorou um pouco para se acostumar com as novidades e avanços da tecnologia e seus atalhos. Pensava: 'Não é como se pudesse ver simultaneamente 4 ou 5 arquivos. Ficar abrindo e fechando pasta no computador é muito irritante'. Depois de um tempo, se acostumou e trocou o papel pela tela.

Agora era muito mais prático fazer o compartilhamento em tempo real com a equipe, isso não podia negar. Não tinha recebido a bênção da alta adaptação, mas estava conseguindo se acostumar aos poucos. A habilidade com tecnologia ainda estava sendo trabalhada, mas agora que tudo é baseado na 'Internet das Coisas', é se adaptar ou ser engolido por ela.

"Eu que lute então" Parece que falou muito alto, pois alguns jovens que conversavam na esquina na qual havia acabado de passar começaram a rir. E apesar de falarem baixo, Dmitri conseguiu ouvir um "Ele não está velho demais pra falar assim?"

Ahhh, realmente vergonhoso! Tenho que parar de ficar pensando em voz alta quando não estou sozinho... Mas qual é o problema de falar assim?? - Pensava em agonia - Não é como se eu ao menos tivesse chegado aos seus 30 anos, ainda sou jovem, não há problema nenhum falar assim!

Normalmente sua aparência realmente era de um jovem entre 25 e 28 anos, mas devido à falta de sono, postura cansada, barba por fazer e estar vestido todo de preto, não se pode culpar ninguém de pensar que ele fosse muito mais velho...não que estivesse incorreto também.

Não que isso tirasse sua beleza. Dmitri era alto e de bom porte físico, pele muito branca, o que aumentava ainda mais suas olheiras embaixo dos olhos que, juntamente com seus cabelos lisos e um tanto longos no momento para seu gosto, eram negros. Seu rosto era naturalmente sério, mas conseguia parecer extremamente gentil quando sorria.

O que não era o caso no momento.

O condomínio em que morava era próximo da empresa, então não demoraria muito para chegar. Infelizmente, quando estava a pouco mais de duas quadras de distância, Dmitri percebeu uma movimentação estranha próximo à esquina em que ficava seu portão de entrada. Um furgão preto e uma pessoa de sobretudo e chapéu encostado na parede mexendo no celular, com uma mão sempre no bolso... Sinceramente, não sei porque esse pessoal da imprensa acha que estão sendo discretos, só falta pendurar uma placa 'pessoas suspeitas' no furgão. Pelo menos ele lembrou de tirar o óculos escuro dessa vez.

Desde o incidente ter se tornado público, todos os dias havia alguém querendo entrevistá-lo ao sair ou chegar em casa, já que na empresa eram expulsos pelos seguranças. Não se compara com a primeira semana, onde foi necessário contatar uma equipe de segurança particular para que Dmitri conseguisse andar pelo mar de pessoas com câmeras e microfones, mas ainda assim eram muito irritantes e inoportunos. Quem fica esperando até tarde da noite para falar com alguém, tendo certeza de que vai ser recusado? Será que eles não têm o mínimo de consciência?

Andou rapidamente, rente a parede e entrou na rua lateral mais próxima, ficando atrás da parede para que não fosse visto. Bem, tendo em vista a situação, só tenho duas opções: ou vou em frente e enfrento o problema ou evito o conflito e o estresse entrando nessa rua seguindo pela avenida paralela ao parque... Suspirando pesadamente decidiu seguir pelo caminho mais longo.

Havia acontecido muita coisa durante o dia e não sabia se conseguiria manter a calma enquanto era interrogado pelo repórter, e não precisava de mais publicidade negativa. Estou com fome... Queria poder pular direto pra casa.

Com um profundo suspiro Dmitri voltou a andar seguindo pela rua vazia e meio escura. Parece que algumas lâmpadas estavam queimadas, mas nada que prejudicasse realmente nos poucos metros até a principal do Parque do Florista, e a partir dali era só seguir, entrar pelo portão adjacente e ir pra casa.

Saiu em frente a uma das entradas para o parque. Fazia muito tempo que não caminhava por ele. Era um ambiente calmo e muito bonito de dia, com todas as árvores frondosas e canteiros com flores de diversas cores e espécies, o canto dos pássaros, pessoas conversando e passeando deixava uma atmosfera animada.

Mas durante a noite, o lugar ganhava um ar de mistério.

Quando o céu estava limpo, como naquela noite, e podia-se ver a lua e algumas estrelas, elas iluminavam dentro do parque onde a luz artificial não alcança, atravessando os ramos das árvores e invadindo a escuridão, mostrando os caminhos de terra batida que levavam ao centro do parque ou a pequenas clareiras.

Naquela bela noite, a brisa um pouco fria trazia o aroma das Bela-da-noite, lindas flores coloridas que só desabrochavam com o chegar da noite e tinham um aroma doce e inebriante, e eram muito belas também. Talvez não tenha sido tão ruim fazer esse desvio, elas cheiram muito bem...

Dmitri caminhava lentamente, apreciando as flores do outro lado da rua, a brisa que batia em seu rosto era leve e relaxante, podia ouvir o pio de uma coruja ao longe. Não tinha cigarras nessa época do ano, e a maioria dos outros animais devia estar dormindo.

Ao se aproximar da esquina, pôde finalmente ver a entrada para o condomínio se aproximando, mas algo em seu coração começou a se mover Um sentimento desconfortável aumentava, sentiu que tinha algo errado. Esse cheiro...ah, isso não é bom.

Havia outro cheiro no ar, e estava ficando cada vez mais forte, era muito mais doce e atrativo, tão inebriante quanto o da Bela-da-noite, mas muito mais característico. O coração de Dmitri começou a acelerar, sua mente estava ficando turva e começava a perder o controle. Isso é ruim, muito ruim. Porque agora? Antes que conseguisse pensar no que fazer, era tarde demais.

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⭐Espero que estejam gostando, até o próximo capítulo ^^ ⭐