Chapter 7 - Capítulo 7

Dmitri olhava para a tela cheia de abas no computador.

Tinha decidido verificar os dados que faltavam dos balanços contábeis da empresa, já que naquele momento dormir não parecia ser uma opção para ele. Aqueles olhos cheios de terror tinham ficado gravados em sua memória.

"Faz tempo que não vejo olhos como aqueles…" Suspirou passando as mãos pelo rosto. Pressionou os olhos, inspirando profundamente. Memórias de um passado que tinha decidido enterrar no fundo de sua mente voltavam em cascata.

Tudo era vermelho, apenas um par de olhos azuis que perdiam o brilho se destacavam no ambiente borrado. Um grito rasgou seus ouvidos, mas não era o garoto. As lágrimas desciam pelos olhos abertos, mas sua boca estava firmemente fechada.

Quem diria que depois de tanto tempo eu quase quebraria a promessa que fiz naquele dia.

Com outro longo suspiro, abaixou a tela do notebook e levantou. Encheu uma caneca de café quente na cozinha e caminhou até o jardim nos fundos da casa. Não era um espaço muito grande, e às vezes os muros que cercavam a casa faziam parecer ainda menor.

Sentou-se num banco de madeira embaixo da tulipeira que começava a dar suas primeiras flores depois de quase 4 anos que a havia plantado ali. O céu estava clareando com seus tons de azul e algumas poucas nuvens pintadas de laranja e rosa enquanto o sol aparecia lentamente subindo através do prédios ao longe iluminando e aquecendo também o coração de Dmitri.

Respirou fundo sentindo o vapor do café se misturar com o doce cheiro das lavandas que se destacavam entre os canteiros de flores, apreciando a vista privilegiada que conseguiu encontrar mesmo na cidade grande.

Será que ela está bem? Francis não falou nada desde que fui no hospital deixar a bolsa dela que encontrei nos arbustos quando fui ver se tinha ficado alguma coisa atrás da floricultura.

Depois que a jovem tinha desmaiado e ele conseguiu controlar-se, pegou ela nos braços e arrodeou por dentro do parque dando a volta até a passagem que havia saído mais cedo. A câmera da guarita pegava a área depois da banca de flores, deixando apenas um pequeno espaço entre a calçada e o prédio lateral.

Já tinha feito aquele percurso antes quando precisava sair rápido de madrugada e naquele momento, como tinha se alimentado, estava com muita energia e os sentidos apurados, embora se controlar com o cheiro de sangue tão próximo de si estava sendo difícil e exigindo grande concentração.

Só espero que não passe nenhum carro. Ele ia correr pela rua e pular pelo portão.

Era apenas 2 metros e meio de altura, não seria um problema, mesmo carregando alguém, mas precisava ter cuidado com a linha de visão das câmeras que estavam para a rua. Normalmente pularia o muro, mas ele era mais alto e poderia bater na cerca elétrica, e não podia correr esse risco carregando uma pessoa ferida.

Correu e passou por cima sem muitos problemas, tendo cuidado em pousar os mais levemente possível. Continuou, passando pelas casas escuras daquele condomínio até chegar à sua própria. Já devia ser mais de meia noite para as luzes dos postes estarem apagadas também.

Entrando e fechando a porta atrás de si, levou a jovem a seu quarto deitando-a na grande cama. Ela estava machucada e com vários arranhões, tinha marcas de dedos no pescoço e a mão ainda sangrava, manchando os lençóis da cama de vermelho.

Francis vai chegar, mas preciso estancar isso logo! Ele foi até o guarda roupa e pegou um lençol, rasgando uma tira longa e amarrou na mão da garota.

Ela estava pálida, as mãos frias, parece que daria o último suspiro a qualquer momento. Dmitri ainda estava confuso e sua mente não estava ajudando a pensar com clareza ainda mais com o cheiro de sangue espalhado por todo lugar.

Meu Deus, eu quase matei ela. Se eu tivesse continuado mais um pouco, ela… ela... Coração acelerado e suando frio, estava começando a perder a cabeça, por sua culpa alguém podia morrer de novo!

O som de batidas urgentes na porta o despertou.

Seu amigo o olhava com olhos apreensivos.

"O que aconteceu??" Ele não tinha falado a situação quando o outro ligou, então tinha trazido sua mala com vários instrumentos de primeiros socorros, pois não sabia o que tinha acontecido.

Dmitri puxou ele para dentro, batendo a porta e o levando para o quarto: "Ela! Francis, eu… eu mordi uma pessoa, ajude ela, por favor!" Pediu suplicante quando parou ao lado da cama ainda segurando o pulso do outro.

Francis estava estupefato! Ficou paralizado por um momento. Quando falou com Dmitri sabia que algo estava errado, mas não sabia que tinha chegado àquele ponto

"FRANCIS!" Dmitri gritou acordando o outro para a situação

"O que aconteceu?" Francis empurrou Dmitri para fora do caminho se aproximando da jovem "Quanto você bebeu?" Tirou vários instrumentos da bolsa médica que havia trazido.

"Eu perdi o controle quando senti o cheiro de sangue, acho que a mão dela estava machucada. Estávamos atrás da floricultura"

"Quanto bebeu Dmitri?" Francis falou alto por cima do outro, enquanto verificava os batimentos e ferimentos da garota, tirando a faixa da mão dela.

"Não sei! 1 litro ou mais?" Gritou de volta. Francis o olhou furioso.

"Você não sabe? Ela pode morrer por perda de sangue!"

"Eu não estava contando na hora sabe?" Francis inspirou fundo para manter a calma e pensar com clareza.

"Se ela desmaiou, deve ter passado dos 30%. Quanto tempo faz que ela perdeu consciência?"

"15 minutos no máximo. Eu parei quando ouvi você ligar" Ouvindo aquilo, Francis parou por um momento antes de entender o significado daquelas palavras.

"E se eu não tivesse ligado?" Dmitri desviou o olhar olhando para o chão "Que droga Dmitri! O que você estava pensando?"

"Eu"

"Não! Não dá tempo. Vou levá-la ao hospital. Ela precisa de uma transfusão de sangue."

"O que? É muito arriscado!"

"Quer que ela morra?" Gritou Francis novamente olhando nos olhos de Dmitri que o encarava. O quarto caiu num silêncio pesado "Foi o que pensei" falou em tom baixo com raiva contida.

"E o que pretende dizer? O que vai fazer quando chegar lá?"

"Me deixe fazer meu trabalho. Você ligue para Oliver, peça para ele me esperar na rua Pedro Quintino paralela ao hospital em 4 minutos. Diga 'Fui deixar meu amigo que passou mal em casa e vi a menina desmaiada na rua do parque. Trouxe ela porque não sabia se ela aguentaria esperar a ambulância' " Francis falava enquanto pegava a jovem e a carregava até o carro, deitando-a no banco de trás, seguido de perto por Dmitri.

"O que?" Francis fechou a porta e o encarou falando rápido com tom sério

"Essa é a história que ele vai contar quando for deixar ela na emergência"

"Ele vai?"

"Vai. E eu vou entrar pelo outro lado e cuidar dela de dentro"

"Mas…"

"Sem tempo pra mas." Francis arrodeou o carro entrando e ligando a ignição, quando ouviu a porta abrir "Onde está indo?" Disse surpreso quando Dmitri ia entrando no carro

"Eu vou também!"

"Se olhou no espelho?" Ele tinha sangue por toda camisa, concentrando-se principalmente na gola. Seria como apontar o culpado com luzes e neon. "Sai. Agora" Ainda que resignado, Dmitri saiu, se afastando do carro "Vou cuidar disso, ela vai ficar bem. Liga pra Oliver. 4 min assim que eu sair pelo portão"

Vendo Dmitri acenar com a cabeça e pegar o celular do bolso para discar, Francis saiu com o carro, indo para o hospital.

Francis pegou seu celular no farol vermelho, discando rapidamente o número.

"Doutor? Preciso de um favor." Os carros não mais passavam pela rodovia à frente quando terminou. A luz verde iluminou seu rosto e enquanto as ruas passavam, sendo engolidas pela escuridão da noite, esperava que de alguma forma toda aquela bagunça fosse resolvida.