Letícia e sua comitiva avançavam rumo ao Reino do Outono, atravessando as paisagens deslumbrantes do Reino do Inverno. Fiordes majestosos, coroados por neves eternas, recortavam o horizonte, enquanto lagos cristalinos espelhavam a beleza serena da floresta boreal, criando um cenário de tirar o fôlego.
Durante uma breve parada para descanso às margens de um rio, os dois cavaleiros responsáveis pela carruagem conversavam, intrigados.
— Sir Werner, não acha estranho? — perguntou um deles. — Estou seguindo o mapa à risca, mas parece que estamos avançando mais rápido do que deveríamos. Os marcos estão aparecendo antes do previsto.
— Também notei — concordou Werner. — Mas logo chegaremos a um vilarejo. Lá poderemos descansar e reabastecer os suprimentos.
Ao chegarem ao vilarejo, instalaram-se em uma pousada aconchegante. A assistente de Letícia, aproximou-se da princesa discretamente.
— Alteza, você está confinada na carruagem há dias — disse, com um sorriso gentil. — Que tal um passeio pelo vilarejo? Sir Aleph poderia acompanhá-la.
Aleph assentiu, e Letícia, grata pela oportunidade de se distrair, aceitou o convite.
Enquanto os demais funcionários descansavam, Letícia e Aleph passeavam pela cidade. Para Letícia, era uma experiência encantadora, pois era a primeira vez que explorava outros lugares além de seu reino. Maravilhada, percorria as barracas da feira, contemplando os produtos que antes só conhecia em sua mesa, já prontos. Sua curiosidade a impelia a se aproximar dos vendedores, perguntando sobre os itens que lhe chamavam a atenção. Aleph, a observava com admiração, encantado com o entusiasmo e a sede de conhecimento da princesa. Ela, por sua vez, animada, apontava e compartilhava suas descobertas com ele, que se contagiava com seu interesse. Ao longo do passeio, conversavam animadamente sobre as peculiaridades do lugar, numa troca fluida e leve. A conexão entre os dois era palpável, evidente na maneira como se completavam e apreciavam a companhia um do outro.
O retorno ao hotel foi interrompido pela aparição súbita de um grupo de shineideas. A surpresa paralisou Letícia por um instante. Aleph, num ágil movimento, posicionou-se à sua frente, a espada desembainhada e pronta para o combate. Com as mãos trêmulas nas costas dele, Letícia sussurrou, apreensiva:
— Sir Aleph, pretende lutar contra todas elas?
A pergunta carregava o peso da preocupação. A própria espada de Letícia repousava na carruagem, tornando-a uma espectadora impotente. A habilidade para derrotar shineideas era rara, um dom que ela ainda não possuía. As criaturas avançaram, suas espadas reluzindo como presas afiadas.
— Finalmente encontramos você, Princesa Letícia! – a voz de uma delas cortou o silêncio, carregada de uma ameaça gélida.
— O que querem comigo? – indagou Letícia, sua voz firme apesar do medo.
— Sua cabeça! – sibilou a criatura, sem rodeios. – E viemos aqui para tomá-la.
Uma das shineideas avançou sobre Letícia com velocidade surpreendente. Aleph, porém, interceptou o ataque, sua espada como um turbilhão de aço bloqueava cada golpe das criaturas. Letícia observava impressionada; a habilidade de Aleph era notável, uma defesa impecável contra a fúria das shineideas. Mas ele não atacava, apenas defendia. A princesa se perguntou se estaria apenas poupando energia, consciente da impossibilidade de vencê-las.
Num breve instante de trégua, Aleph encontrou uma abertura e ordenou a Letícia que fugisse. A princesa hesitou, o medo pela segurança do cavaleiro apertando-lhe o peito.
— Minha função é protegê-la – insistiu Aleph, a voz firme. – Fuja. Busque ajuda.
Aproveitando a abertura, Letícia correu, deixando para trás o som metálico do combate, a esperança de que Aleph resistisse até seu retorno pulsando em seu coração.
Assim que a princesa desapareceu, uma mudança sutil, mas perceptível, tomou conta de Aleph. Seu olhar, antes focado na defesa, tornou-se gélido, capaz de congelar qualquer um que o encarasse.
— Quem as enviou? – Sua voz, agora fria como o aço de sua espada, cortou o ar.
— Não temos que responder a você, bonitão – zombou uma das shineideas.
— Veremos – replicou Aleph, um sorriso glacial nos lábios.
Com um movimento rápido e preciso, sua espada cintilou. Uma das shineideas caiu, fulminada.
— Quantas de vocês precisarei eliminar para obter uma resposta? – questionou Aleph, a voz carregada de uma promessa mortal.
As shineideas investiram contra Aleph numa investida frenética. Com movimentos precisos e elegantes, ele se esquivou dos golpes, revidando com uma força letal. Em poucos instantes, as criaturas haviam desaparecido como se evaporassem pelo ar.
— "Foi alguém que veio conosco" – murmurou Aleph, pensativo. – "Preciso descobrir quem."
Nesse momento, Letícia retornava acompanhada por Ritz e Werner. Encontraram Aleph no caminho, e a princesa, aliviada ao vê-lo ileso, perguntou sobre o destino das shineideas.
— Desistiram depois que você escapou – respondeu Aleph, omitindo a verdade sobre o combate.
Letícia achou a explicação estranha. Quem desejaria sua morte? Por que as shineideas estariam envolvidas? Será que Risny está planejando invadir o reino do Inverno? As perguntas rodopiavam em sua mente, criando um emaranhado de dúvidas e suspeitas.
Após o incidente, o grupo buscou repouso na hospedaria. Na manhã seguinte, retomaram a viagem. Ritz e Werner conversavam, comentando sobre a rapidez com que haviam chegado ao próximo vilarejo, algo que lhes parecia inexplicável.
Ao se hospedarem, Letícia acordou sem encontrar sua assistente. Em seu lugar, havia uma carta. Nela, a jovem explicava sua fuga com Werner, um ato impulsionado pelo amor. O retorno ao Reino do Inverno significaria um casamento arranjado com algum conselheiro real, um destino que ela recusava. Seu coração pertencia a Werner, e a vida longe dele era impensável.
— "Fico feliz por ela" – murmurou Letícia, um traço de melancolia na voz. – "Encontrou um grande amor e teve a coragem de fugir para concretizá-lo. Algo que eu não posso fazer..."
Letícia informou Aleph e Ritz sobre a partida dos dois. Aleph, ponderando a situação, concluiu que Ritz era o único que poderia ter informado a localização da princesa às shineideas.
— "Aqueles dois fugiram!" — pensou Ritz, aflito. — "Sir Aleph pode suspeitar de mim. Preciso informar as shineideas sobre nossa localização para que ataquem."
— A partir de agora, seguiremos para a cidade da Terceira Divisão, a oeste do reino – anunciou Aleph a Letícia, em voz alta o suficiente para que Ritz ouvisse.
— "Finalmente, uma direção!" — Ritz comemorou internamente, aliviado por ter a informação que precisava.
A carruagem seguia pela estrada quando, de repente, foi cercada por um grupo numeroso de shineids. Aleph, percebendo a emboscada, fechou a porta da carruagem com um golpe rápido, impedindo Letícia de sair.
— Não saia até eu disser – ordenou, a voz tensa.
— Mas… eu quero ajudar! – protestou Letícia, preocupada.
Ignorando o apelo da princesa, Aleph a trancou dentro da carruagem. Do lado de fora, os shineids os encaravam, emanando uma aura ameaçadora. Ritz permaneceu ao lado de Aleph, aguardando o momento oportuno para agir.
— Entreguem a Princesa Letícia e pouparemos suas vidas – exigiu um dos shineids.
— Se eu me recusar? – retrucou Aleph, desembainhando a espada com um brilho metálico.
— Não teremos outra escolha a não ser tirar suas vidas – respondeu o shineid, a voz gélida.
— Essas palavras só deveriam ser ditas por quem está disposto a morrer lutando – provocou Aleph, o olhar fixo nos inimigos.
— Um simples cavaleiro acredita que pode derrotar dez shineids? – zombou outro.
— Não tenho a menor dúvida – afirmou Aleph, a confiança inabalável.
Uma sombra gélida cruzou o rosto de Aleph. Seus olhos se estreitaram, o foco afiado como a lâmina de sua espada, sua postura de luta se modificou para um estilo próprio. Com uma velocidade impressionante, desferiu um golpe certeiro no primeiro shineid, eliminando-o instantaneamente. O segundo teve o mesmo destino, mal tendo tempo de reagir à agilidade e precisão de Aleph.
Enquanto isso, Ritz, vendo Aleph atento ao combate, tentou forçar a porta da carruagem. De repente, uma adaga passou raspando por sua face, causando um corte superficial.
— Mas como…? – murmurou Ritz, incrédulo, tocando o ferimento. – De onde…?
— Nem pense por um minuto que estou distraído – a voz de Aleph soou fria e ameaçadora atrás dele.
Aproveitando a breve distração de Aleph, o terceiro shineid atacou. Mas Aleph, com uma esquiva ágil, contra-atacou, eliminando-o com um único golpe. O medo começou a se espalhar entre os shineids restantes.
— Vocês são shineids! Derrotem-no! – gritou Ritz, desesperado, ainda tentando abrir a porta da carruagem.
Os shineids, reunindo suas forças, atacaram Aleph simultaneamente. Ele, porém, se movia com a graça de um dançarino mortal, esquivando-se, bloqueando e contra-atacando com uma eficiência implacável. Um a um, os shineids eram eliminados, até que nenhum restasse.
Aleph caminhou lentamente em direção a Ritz, que martelava a porta da carruagem, gritando por Letícia. A porta, porém, permanecia inexplicavelmente trancada.
Apontando a espada para a garganta de Ritz, Aleph disse, com voz gélida:
— Ela não vai ouvi-lo. Nem sair daí. Quem está por trás disso? – exigiu Aleph, aproximando-se ainda mais.
Ritz permaneceu em silêncio.
– Não importa – continuou Aleph. – Apenas diga ao seu chefe que ele mexeu com o reino errado.
Aleph libertou Ritz, que fugiu em pânico. Rapidamente, o cavaleiro destrancou a carruagem.
— Precisamos ir – disse a Letícia, com urgência. – Segure-se!
Aleph subiu na carruagem e chicoteou os cavalos, partindo em disparada como se estivesse fugindo de algo – ou de alguém. A habilidade de Aleph em derrotar shineideas era rara e poderosa, algo que ele preferia manter em segredo. A fuga, portanto, era uma forma de disfarçar seu verdadeiro poder.
Aleph parou a carruagem em um local desconhecido. Ao abrir a porta, Letícia olhou ao redor, confusa.
— O que aconteceu com as shineideas? E Sir Ritz? – perguntou, buscando entender a situação.
— Tudo resolvido – respondeu Aleph, buscando tranquilizá-la.
— Ainda bem – suspirou Letícia, aliviada. – Mas não entendo por que as shineideas me atacariam.
— Eu também gostaria de saber – admitiu Aleph, pensativo.
...
Enquanto isso, Ritz, com a ajuda das shineideas, chegava ao castelo no Reino do Inverno. Apresentou-se diante do General Shineid, relatando o ocorrido com aflição.
— Aquele homem não é normal! – exclamou Ritz. – Derrotou dez shineids sozinho! É um monstro!
— Duvido que sobreviva ao próximo ataque – respondeu o General Shineid, com um sorriso cruel. – Uma cidade a menos não fará falta ao reino.
No mapa à sua frente, o Rei Hayden moveu uma peça, seus olhos fixos no território do Inverno, calculando seu próximo movimento.