Após completar sua rotina diária, Letícia voltou aos seus aposentos, onde suas damas de companhia a aguardavam com uma surpresa. Sobre uma mesa, repousava uma bela caixa, adornada com laços elaborados e marcada com o brasão do Reino do Outono: uma folha de outono envolta por um dragão. Curiosa, Letícia preparava-se para abrir o presente quando as damas, animadas, sugeriram que o fizessem juntas.
Dentro da caixa, revelava-se um vestido deslumbrante em um tom de azul cintilante, decorado com cristais que lembravam fragmentos de gelo. O tecido possuía uma textura fina e luxuosa, com um acabamento que refletia a habilidade dos estilistas renomados do Reino do Outono, famoso pela qualidade de seus algodões e pela beleza de suas criações. As damas de companhia suspiraram, admiradas com a peça, reconhecendo a excelência do presente.
Letícia também achou o vestido belíssimo, mas uma leve inquietação a tomou, gerando-lhe um certo desconforto diante daquele presente.
— Algo a perturba, princesa Letícia? – perguntou a dama de companhia.
— O vestido é encantador. Mas... por que o Príncipe do Outono me enviaria um presente como este? – Letícia tocou o tecido delicado, pensativa.
— Ora, ele a corteja, não é? É natural que um pretendente demonstre seu interesse.
Letícia observava o vestido com uma surpresa genuína. Sabia, desde criança, do compromisso com o príncipe Ryuuji, um acordo entre os reinos. No entanto, aquele era o primeiro gesto pessoal que recebia dele. As damas de companhia, extasiadas com a beleza da peça, continuavam a admirá-la, tocando os bordados com delicadeza.
De repente, uma exclamação de surpresa. Ao examinarem a caixa com mais atenção, descobriram uma carta aninhada entre as dobras do tecido. Com um sorriso radiante, uma das damas a entregou a Letícia.
— Princesa, uma carta para Vossa Alteza! — anunciou, animada.
A surpresa inicial deu lugar a uma hesitação repentina. Letícia encarou o envelope com uma mistura de curiosidade e apreensão.
— Não estou com ânimo para ler agora — respondeu, desviando o olhar.
— Se Vossa Alteza permitir, podemos lê-la em seu lugar — ofereceu outra dama, ansiosa por desvendar o mistério.
— Esperem... — disse, sua voz agora carregada de uma curiosidade que não conseguia mais disfarçar. — Eu mesma lerei.
Rompeu o lacre com dedos trêmulos e desdobrou o papel. O silêncio no quarto se intensificou, enquanto os olhares das damas de companhia convergiam para ela, ávidos por decifrar qualquer reação que revelasse o conteúdo da carta.
"As folhas do outono repousam sobre lindos cristais de neve, assim nossos corações se preparam para o florescer de um amor que saberá resistir a todas as estações."
Um silêncio pensativo pairou no ar após a leitura da carta. A frase poética do príncipe Ryuuji ecoava na mente de Letícia, carregada de um significado que ela ainda não conseguia decifrar completamente.
— Princesa, que palavras encantadoras! — exclamou uma das damas de companhia, os olhos brilhando de admiração. — Ele pareceu tão poético na carta.
— Talvez o Rei anuncie o casamento em breve! — comentou outra dama, com entusiasmo.
A última observação atingiu Letícia como um choque de realidade. Casamento. A palavra ressoava em seus ouvidos, carregada de um peso inesperado.
Assim que as damas se retiraram, a princesa se viu sozinha, a sós com seus pensamentos e a crescente apreensão que lhe apertava o peito. Dirigiu-se a um pequeno baú escondido sob a cama e retirou um caderno, de capa de couro desbotada. Abriu-o com cuidado, revelando páginas preenchidas com uma caligrafia delicada, e começou a ler, seus olhos percorrendo as linhas com um ar de profunda preocupação. Aquele caderno pertencera à sua mãe, a rainha Elyza, um legado precioso e agora, talvez, uma fonte de respostas para suas crescentes preocupações.
Elyza fora uma governante sábia e amada, responsável pela era de ouro do Reino do Inverno. Sua habilidade administrativa, fruto de um rigoroso treinamento que coincidira com o do rei Ryuuichi do Outono – pai de Ryuuji –, garantira prosperidade e alianças duradouras. A amizade forjada entre os dois monarcas durante o período de aprendizado havia selado o destino de seus filhos, culminando no compromisso de Letícia com o príncipe Ryuuji. Porém, dois anos antes, a saúde da rainha começara a declinar, até que a luz de sua vida se apagou, deixando o reino mergulhado em luto. Seu marido, o rei Hayden, assumira o trono, mas sua administração se provara desastrosa. Sem a mesma habilidade política e o tato de Elyza, Hayden perdera importantes parceiros econômicos, mergulhando o Reino do Inverno em uma grave crise.
Os olhos de Letícia percorriam as anotações de sua mãe, uma mistura de conselhos práticos para o futuro e reflexões pessoais. A maioria das instruções pareciam aleatórias, reminiscências de uma vida dedicada ao reino, mas algumas delas saltavam aos olhos da princesa, carregadas de um significado mais profundo e urgente. Uma, em particular, a perturbava: "Desconfie dos Cavaleiros Reais. Encontre um guerreiro sem laços, cuja lealdade seja somente sua." A recomendação enigmática ecoava em sua mente. Por que sua mãe a aconselharia a desconfiar daqueles que deveriam protegê-la? Qual a ameaça oculta que justificava tal precaução? Letícia não entendia, mas a gravidade das palavras de Elyza, escritas com a mão já enfraquecida pela doença, era inegável. Guardaria aquele conselho como um amuleto, uma promessa silenciosa à memória de sua mãe.
No dia seguinte, na sala de jantar, o rei Hayden, Letícia e o príncipe Laurenn se reuniam para o café da manhã. A atmosfera, porém, estava longe de ser serena.
A voz grave do rei quebrou o silêncio, trazendo à tona o assunto que pairava como uma nuvem carregada sobre todos eles: o casamento de Letícia.
— Letícia, as circunstâncias atuais exigem sacrifícios. Este casamento é necessário para a estabilidade do reino. Contrariar um reino tão poderoso traria consequências desastrosas para nosso povo.
Letícia, com uma compostura impecável que escondia a tempestade em seu interior, respondeu:
— Compreendo, Vossa Majestade. Se é para o bem do reino, aceitarei.
A aparente resignação da irmã acendeu uma faísca de indignação em Laurenn. Ele próprio se encontrava em uma situação semelhante, obrigado a se casar com a filha do chefe dos conselheiros reais para fortalecer os laços políticos.
Laurenn, um jovem de 21 anos, com os cabelos castanho-escuros e os vibrantes olhos verdes herdados do pai, sentia a injustiça da situação com mais intensidade do que nunca. A ideia de sua irmã, Letícia, ser submetida ao mesmo destino lhe era intolerável.
— Letícia, você não pode fazer isso! — exclamou, a voz embasada pela angústia. — Você merece se casar por amor, não por obrigação!
A intervenção de Laurenn foi cortada pela voz gélida do rei Hayden.
— Você não pode argumentar!
— Mas... com Letícia deveria ser diferente! — insistiu Laurenn, a frustração evidente em seu tom.
— Não há diferença! Sua irmã aceitou de bom grado. Não torne a situação ainda mais difícil para ela.
Derrotado, Laurenn baixou a cabeça.
— Como o senhor desejar, Vossa Majestade.
Apesar de suas inúmeras habilidades – a diplomacia, a inteligência estratégica, a destreza com a espada –, Laurenn se encolhia diante da figura imponente do Rei Hayden. Toda a sua confiança e eloquência se esvaíam, deixando-o à mercê da vontade férrea do rei Hayden.
Assim que deixaram a sala de jantar, Laurenn segurou o braço de Letícia, impedindo-a de seguir pelo corredor. Seu olhar demonstrava uma preocupação profunda.
— Letícia, diga-me a verdade. Você está realmente conformada com este casamento?
Letícia suspirou, mas com um traço de determinação em seus olhos.
— A segurança do reino é mais importante que a minha vontade. Além disso, este acordo foi feito por nossa mãe. Eu não me oporia a uma decisão dela.
— Mas... O Reino do Outono tem muitos inimigos, não gostaria que você fosse alvo de ameaças, eu me preocupo com a sua segurança.
Um brilho de determinação surgiu no olhar de Letícia.
— Não se preocupe comigo. Eu treinei bastante, posso me defender. E, além disso, pretendo encontrar um cavaleiro de minha inteira confiança para me proteger.
Laurenn franziu a testa, cético.
— Conheço suas habilidades, Letícia. Mas encontrar um cavaleiro leal... é mais difícil do que parece. Quer que eu indique alguém da minha guarda pessoal?
— Agradeço a oferta, irmão. Mas prefiro escolher alguém por conta própria.
Com um sorriso enigmático, Letícia se despediu de Laurenn, alegando ter inúmeras tarefas a cumprir. Laurenn, porém, conhecia bem a irmã. Sabia que aquele era seu dia de folga e, consequentemente, para onde ela se dirigia.
De volta ao seu quarto, Letícia chamou Dagmar, sua assistente mais confiável, e dispensou as demais. Pediu roupas comuns, trajes que não a identificassem como membro da realeza, e Dagmar prontamente atendeu, já habituada àquele ritual. A assistente se encargaria de encobrir a ausência da princesa, como sempre fazia. Letícia, então, atravessou a passagem secreta atrás da estante de livros, abandonando o palácio e adentrando o labirinto de túneis que a levariam para além dos muros do castelo.