O rei Hayden convocara Letícia para uma reunião administrativa com o objetivo de discutir os detalhes de seu casamento com o príncipe Ryuuji. Estavam presentes todos os conselheiros reais e o príncipe Laurenn. Os conselheiros, com semblantes graves, pintaram um quadro sombrio da situação financeira do reino, enfatizando a importância estratégica do acordo matrimonial com o Reino do Outono.
Hayden, apoiado nos cotovelos, as mãos entrelaçadas, fitava a mesa com uma expressão preocupada.
— Não podemos dar-nos ao luxo de recusar essa proposta — declarou, sua voz pesada. — Não podemos tê-los como inimigos... Não teríamos forças para enfrentá-los.
Laurenn, apesar da profunda discordância, decidiu apoiar a decisão. Afinal, conhecia o príncipe Ryuuji dos tempos do treinamento real. Se Ryuuji tratasse Letícia com respeito e gentileza, o casamento, embora indesejado, poderia ser tolerável. Além disso, a presença de um cavaleiro de confiança garantiria a segurança de sua irmã no Reino do Outono.
Quando o rei Hayden começou a sugerir nomes de cavaleiros para acompanhar Letícia, ela o interrompeu com firmeza.
— Vossa Majestade, se possível, gostaria de escolher meu próprio cavaleiro.
O apoio imediato de Laurenn reforçou o pedido de Letícia. A princesa sabia que precisava encontrar alguém fora da esfera de influência do rei e dos conselheiros, um guerreiro verdadeiramente leal a ela.
A apreensão apertava o peito de Letícia. Casar-se com um completo desconhecido, em um reino distante, era uma perspectiva assustadora. Mas ela entendia a importância da sua missão. O futuro do Reino do Inverno dependia daquele casamento.
Letícia debatia-se com uma questão protocolar: seria apropriado enviar um presente ao príncipe Ryuuji em retribuição ao vestido? Sem conhecimento dos costumes do Reino do Outono, decidiu consultar os vastos arquivos da biblioteca do castelo. A pesquisa, porém, se mostrou infrutífera, levando-a ao centro comercial em busca de inspiração.
Sua atenção foi capturada por uma barraca de frutas exóticas, raridade no reino do Inverno. Ao se aproximar e apontar para uma fruta particularmente chamativa, percebeu que outra mão se estendia para a mesma fruta. Era Aleph. Com um gesto gentil, ele cedeu a fruta a Letícia. Trocaram cumprimentos, um sorriso divertido iluminando o rosto de ambos.
A dona da barraca, uma senhora loquaz, interrompeu o breve reencontro.
— Estão sabendo da grande novidade? — perguntou, os olhos brilhando de expectativa.
Aleph e Letícia demonstraram pouca receptividade à fofoca, mas a senhora, indiferente, prosseguiu:
— A princesa vai se casar com um príncipe de outro reino! — exclamou. — Dizem que é uma moça extremamente bonita, mas vive reclusa no castelo. Dizem que ninguém pode vê-la, pois se apaixonariam perdidamente! Você, sendo cavaleiro, já a viu? — perguntou, dirigindo-se a Aleph.
Letícia se divertiu com o elogio, contendo um sorriso.
— Não sou um cavaleiro do castelo — respondeu Aleph. — Mas se ninguém a vê, talvez a beleza dela seja apenas um boato.
— Uma pena! — lamentou a senhora. — Eu queria tanto dar um presente a ela, em agradecimento por estar fazendo esse esforço em ajudar o reino.
Letícia, tocada pelas palavras da senhora, segurou suas mãos com carinho.
— Mesmo que não possa entregar o presente pessoalmente — disse, com um sorriso gentil —, tenho certeza de que seus sentimentos chegarão até a princesa.
A senhora sorriu, reconfortada pelas palavras de Letícia. Aleph, porém, observava a cena com uma expressão pensativa. Havia algo na forma como Letícia falava, como se respondesse pela princesa, que lhe intrigava.
De repente, a expressão de Aleph se transformou em alarme. Com um puxão firme, arrastou Letícia para perto de si. Confusa, ela só compreendeu o que acontecera uma fração de segundo depois. Uma pilha de engradados, posicionada precariamente ao lado dela, desabou no chão exatamente onde ela estivera segundos antes. O impacto foi forte o suficiente para causar um ferimento grave, ou até mesmo fatal.
Aleph, os sentidos em alerta máximo, procurou ao redor por algum sinal do responsável pelo "acidente", mas não encontrou nada.
— Você está bem? — perguntou, a voz tensa pela preocupação.
Um tremor percorreu o corpo de Letícia. Até então, os incidentes haviam parecido quase... acidentais. Mas a queda dos engradados fora diferente, deliberada. E se Aleph não tivesse reagido a tempo? E se a senhora da barraca de frutas estivesse no lugar dela? A angústia a invadiu.
Percebendo sua perturbação, Aleph a conduziu gentilmente a um banco próximo, afastado da agitação da feira. Sentaram-se em silêncio por alguns instantes, Letícia ainda processando o que quase acontecera.
— Sou muito grata pela sua ajuda — disse, finalmente, a voz ainda trêmula. — Se não fosse por sua reação rápida... eu...
— Não fiz mais do que minha obrigação como cavaleiro — respondeu Aleph, com um tom tranquilo, buscando acalmá-la.
...
Em um beco escuro e úmido, a atmosfera carregada de tensão, uma figura encapuzada repreendia seu subordinado com fúria contida.
— Incompetente! — sibilou a figura, a voz rouca e ameaçadora. — Nem para derrubar uns engradados você serve! Desse jeito, outro vai acabar levando a recompensa pela cabeça dela.
— Mas, chefe, eu não podia prever que aquele cavaleiro intrometido apareceria! — justificou o subordinado, a voz trêmula de medo.
— Não me importo com suas desculpas! — rosnou a figura encapuzada. — Na próxima vez que falhar, a sua cabeça que será o prêmio. Entendeu?
...
Aleph percebeu que Letícia se acalmara e se preparou para partir. Ela, porém, o deteve com uma pergunta. Ele voltou a sentar-se ao seu lado.
— Posso lhe fazer uma pergunta pessoal, cavaleiro Aleph?
— Fique à vontade, senhorita Ticy. .
— Se você é do Reino do Outono, por que veio para o Reino do Inverno?
— Vim encontrar alguém — respondeu Aleph, esquivando-se de uma resposta direta.
— O príncipe Laurenn? — insistiu Letícia.
Aleph ponderou por um instante. Melhor dizer que é ele, para evitar mais perguntas. Não seria exatamente uma mentira, afinal, reencontrar Laurenn também fazia parte de seus planos.
— Sim. Ele me convidou para realizar o treinamento aqui e aceitei. Sempre me interessei pela história do reino do Inverno — completou.
— Se você gosta de história, posso lhe emprestar alguns livros da minha coleção particular — ofereceu Letícia, com entusiasmo. — E há muitos outros na biblioteca real do castelo. Nosso reino é famoso por preservar seu passado.
— Você parece realmente amar seu reino — observou Aleph, admirando a paixão em seus olhos.
— Eu me empolgo com as coisas que amo — admitiu Letícia, corando levemente. — Mas, se você for trabalhar no castelo, terá acesso à biblioteca real de qualquer maneira.
Aleph sorriu, cativado pela genuína empolgação de Letícia. Ela desviou o olhar, momentaneamente tímida. Ele se despediu e partiu, deixando Letícia absorta em pensamentos.
— "Ele seria um excelente cavaleiro… Reagiu tão rapidamente ao incidente…" — pensou. — "Mas se ele veio a convite de Laurenn, talvez já esteja a seu serviço. Preciso investigar."