Sem saber o que fazer, Verônica enviou um recado a Letícia, disfarçado como um convite para um encontro. A princesa estranhou o pedido inusitado, mas Verônica sempre lhe reservava as flores mais belas, e Letícia imaginou que pudesse se tratar de algo urgente. Aceitou o convite. Ao encontrar-se com a florista, percebeu seu nervosismo e sua expressão aflita, mas atribuiu isso a algum problema pessoal. Seguiu Verônica, confiando em sua conhecida gentileza.
Ao adentrarem uma rua escura e deserta, a armadilha se fechou. Um grupo de homens surgiu das sombras, cercando-as.
— Trouxe-a como pediram — disse Verônica, a voz trêmula de medo. — Agora, por favor, devolvam meu filho!
— Faça-a se entregar, e ele será libertado — respondeu um dos bandidos, a adaga brilhando perigosamente perto do rosto da criança.
Verônica, desesperada, implorou a Letícia que se rendesse. As lágrimas escorriam por seu rosto enquanto se ajoelhava aos pés da princesa.
— Por favor, senhorita! Eles vão matar meu filho! Eu não posso perder mais ninguém da minha família!
Letícia, tocada pelo desespero da mãe, ajoelhou-se ao seu lado e pousou a mão em seu ombro, transmitindo-lhe um pouco de conforto. Em seguida, ergueu o olhar, fixando-o nos bandidos com firmeza.
— Eu irei com vocês — declarou, com uma voz calma e decidida. — Porém... devolvam o filho dessa senhora.
Os bandidos hesitaram por um instante, surpresos com a coragem da princesa. Em seguida, empurraram a criança em direção à Verônica e conduziram Letícia para um galpão abandonado. Amarraram-na com cordas grosseiras.
— "As cordas não estão muito apertadas" — pensou Letícia, analisando a situação. — "Mas eles são muitos… Ah! eu devia ter avisado ao Laurenn que iria sair."
A frustração por sua imprudência se misturava à crescente apreensão. O que aqueles homens queriam com ela?
Os bandidos se aglomeraram ao redor de seu líder, a expectativa palpável no ar.
— Capturamos a moça, chefe. E agora? — perguntou um deles, impaciente.
— Mandei um mensageiro ao nobre que encomendou a cabeça dela — respondeu o chefe, com um sorriso cruel.
— Mas da última vez ele estava encapuzado. Como vamos saber se é ele mesmo? — questionou outro bandido.
Letícia, apesar do medo que lhe apertava o peito, escutava atentamente. Descobrira que aqueles homens eram apenas peões em um jogo maior, desconhecendo a identidade do verdadeiro inimigo.
— Chefe, a moça é bem bonita… podemos nos divertir um pouco com ela antes… — sugeriu um dos bandidos, com um olhar lascivo.
Ele se aproximou de Letícia e tocou uma mecha de seu cabelo. Outro bandido começou a circulá-la, os olhos percorrendo seu corpo com avidez. O chefe, recostado em uma cadeira improvisada, deu de ombros, concedendo a permissão com indiferença.
— Contanto que não danifiquem a mercadoria — disse, com um sorriso sádico.
O pânico ameaçou dominar Letícia. Precisava escapar, pedir ajuda. Seus olhos percorreram o galpão em busca de uma rota de fuga. Eram muitos, a fuga parecia impossível. Mas ela precisava reagir de alguma forma. Com um movimento repentino, Letícia se desvencilhou dos bandidos que a cercavam e correu, as mãos ainda amarradas atrás das costas.
A perseguição foi curta. Ela conseguiu desviar de um dos homens, mas outro a interceptou, derrubando-a no chão com violência.
— Idiota! — gritou o chefe, furioso. — Eu disse para não danificar a mercadoria! Quer que a gente perca a recompensa?!
De repente, uma adaga voou, atingindo o ombro do chefe dos bandidos com um baque surdo. Na entrada do galpão, duas figuras surgiram das sombras. Letícia mal pôde conter a surpresa. Era Laurenn acompanhado por Aleph.
Laurenn, com uma fúria controlada, correu em direção ao bandido que segurava Letícia e o atingiu com um chute certeiro, afastando-o dela. Seu olhar gélido fixou-se no homem caído.
— Um verme imundo como você não deveria nem ousar tocar em minha irmã, devia simplesmente desaparecer. — rosnou, a voz carregada de ameaça.
Desembainhando a espada com um movimento veloz, Laurenn avançou sobre o bandido que havia atacado Letícia. A lâmina brilhante parou a centímetros do pescoço do homem, prestes a desferir o golpe fatal. No último instante, Aleph interveio, segurando o braço de Laurenn com firmeza.
— Há maneiras mais eficazes de lidar com eles — disse, com calma. — Um castigo pior do que a morte. Deixe-os comigo. Cuide da princesa.
Laurenn hesitou por um segundo, o conflito evidente em seus olhos. Sabia que, como príncipe herdeiro, era-lhe proibido tirar uma vida diretamente. A tradição permitia que ordenasse execuções, mas não que as realizasse com suas próprias mãos. Respirando fundo, abaixou a espada e se voltou para Letícia.
Seus olhos percorreram o corpo da irmã, buscando por qualquer sinal de ferimento. Com um toque suave, acariciou seu rosto, a preocupação estampada em seus olhos.
— Eles te machucaram? Fizeram algo com você? — perguntou, a voz rouca de angústia.
Letícia negou com a cabeça, os olhos marejados de alívio.
— Estou bem, Laurenn — respondeu, segurando a mão do irmão contra seu rosto. — Graças a você… e a Aleph.
Os bandidos cercaram os três, a ameaça pairando no ar. O chefe, arrancando a adaga do próprio ombro com um grunhido de dor, a lançou aos pés de Laurenn.
— Acham que três podem contra todos nós? — zombou, com um sorriso cruel.
— Só eu serei o suficiente para lutar contra vocês — respondeu Aleph, com uma calma gélida.
Desembainhou a espada e se colocou à frente de Laurenn e Letícia, em posição de defesa. Para surpresa de todos, segurou a lâmina invertida, apontando-a para o chefe dos bandidos. O homem gargalhou, incrédulo.
— Vai lutar com o lado cego da lâmina? Está brincando?
Ignorando a provocação, Aleph respondeu:
— Não pretendo matá-los… ainda — disse, com um olhar penetrante.
O chefe, enfurecido, ordenou o ataque. Os bandidos avançaram sobre Aleph, que se moveu com uma velocidade impressionante. Desviando-se dos golpes com agilidade, imobilizava seus oponentes com precisão e força, sem derramamento de sangue.
Um dos bandidos saltou, tentando um ataque surpresa. Aleph defendeu o golpe e, com um movimento fluido, girou a espada e o atingiu com o cabo na têmpora. O homem caiu inconsciente no chão. Dois outros atacaram simultaneamente. Aleph, com uma força descomunal, bloqueou as duas lâminas e as afastou com um único movimento. Aproveitando o recuo de um dos oponentes, desferiu-lhe um golpe certeiro no joelho, desestabilizando-o. Os demais bandidos continuaram a atacar, mas Aleph, implacável, os neutralizava um a um, deixando-os inconscientes no chão.
O chefe, assistindo à cena com terror crescente, as mãos trêmulas segurando a espada, gaguejou:
— Que… que monstro é você…?
— No momento, apenas um cavaleiro do Reino do Inverno — respondeu Aleph, com um sorriso frio. — E aspirante a cavaleiro oficial da princesa Letícia.
— Princesa?! — exclamou o chefe, os olhos arregalados de medo. — Ninguém nos disse que ela era a princesa! Então… aquele é o… príncipe?!
Entendendo a gravidade da situação, o chefe tentou fugir, mas Aleph o interceptou com facilidade. Nesse momento, os Cavaleiros Reais chegaram ao local.
— Esperem! — implorou o chefe, desesperado. — Vão nos entregar às shineideas?! Por favor, não!
— Agora sente medo? — perguntou Laurenn, com um olhar de desprezo. — Mas não hesitou em atacar uma mulher indefesa, não é verdade?
Os Cavaleiros Reais prenderam os bandidos e os levaram sob custódia. A justiça do reino do Inverno, conhecida por sua severidade, se encarregaria de seu destino. Para crimes como aquele, nem as shineideas concediam clemência.
...
As shineideas, belas como rosas, escondem espinhos perigosos. Antigamente humanas, foram imbuídas de magia negativa, transformando-se em seres com habilidades extraordinárias e uma natureza ambígua. Com um olhar penetrante, podem sondar os segredos mais profundos da mente, hipnotizando suas vítimas e desvendando suas memórias ocultas. Através de um beijo, transformam pessoas comuns em novas shineideas, controlando seus pensamentos e ações como marionetes.
Seu corpo é resistente a ferimentos comuns, e sua vida, prolongada quase à imortalidade. Apenas uma espada imbuída de magia ou uma habilidade especial pode destruí-las, dons raros concedidos a poucos.
No passado, as shineideas eram guardiãs da lei, juízes e executoras implacáveis. Com o tempo, porém, sua função se corrompeu. A justiça cedeu lugar à ambição, e o poder que outrora servia à ordem passou a ser instrumento de seus próprios desejos.
Apesar da corrupção que se espalhou entre elas, algumas leis permanecem invioláveis, existem transgressões tão graves que nem mesmo as shineideas ousam ignorar. A punição para tais crimes é a aniquilação sumária, uma demonstração de poder implacável que lembra a todos os limites de sua influência.