Chapter 6 - CAPITULO 06

Letícia debatia-se com uma questão protocolar: seria apropriado enviar um presente ao príncipe Ryuuji em retribuição ao vestido? Sem conhecimento dos costumes do Reino do Outono, decidiu consultar os vastos arquivos da biblioteca do castelo. A pesquisa, porém, se mostrou infrutífera, levando-a ao centro comercial em busca de inspiração. 

 

Sua atenção foi capturada por uma barraca de frutas exóticas, raridade no reino do Inverno. Ao se aproximar e apontar para uma fruta particularmente chamativa, percebeu que outra mão se estendia para a mesma. Era Aleph. Com um gesto gentil, ele cedeu a fruta a Letícia. Trocaram cumprimentos, um sorriso divertido iluminando o rosto de ambos. 

 

A dona da barraca, uma senhora loquaz, interrompeu o breve reencontro. 

 

— Estão sabendo da grande novidade? — perguntou, os olhos brilhando de expectativa. 

 

Aleph e Letícia demonstraram pouca receptividade à fofoca, mas a senhora, indiferente, prosseguiu: 

 

— A princesa vai se casar com um príncipe de outro reino! — exclamou. — Dizem que é uma moça extremamente bonita, mas vive reclusa no castelo. Dizem que ninguém pode vê-la, pois se apaixonariam perdidamente! Você, sendo cavaleiro, já a viu? — perguntou, dirigindo-se a Aleph. 

 

Letícia se divertiu com o elogio, contendo um sorriso. 

 

— Não sou um cavaleiro do castelo — respondeu Aleph. — Mas se ninguém a vê, talvez a beleza dela seja apenas um boato. 

 

— Uma pena! — lamentou a senhora. — Eu queria tanto dar um presente a ela, em agradecimento por estar fazendo esse esforço em ajudar o reino. 

 

Letícia, tocada pelas palavras da senhora, segurou suas mãos com carinho. 

 

— Mesmo que não possa entregar o presente pessoalmente — disse, com um sorriso gentil —, tenho certeza de que seus sentimentos chegarão até a princesa. 

 

A senhora sorriu, reconfortada pelas palavras de Letícia. Aleph, porém, observava a cena com uma expressão pensativa. Havia algo na forma como Letícia falava, como se respondesse pela princesa, que lhe intrigava. 

 

De repente, a expressão de Aleph se transformou em alarme. Com um puxão firme, arrastou Letícia para perto de si. Confusa, ela só compreendeu o que acontecera uma fração de segundo depois. Uma pilha de engradados, posicionada precariamente ao lado dela, desabou no chão exatamente onde ela estivera segundos antes. O impacto foi forte o suficiente para causar um ferimento grave, ou até mesmo fatal. 

 

Aleph, os sentidos em alerta máximo, procurou ao redor por algum sinal do responsável pelo "acidente", mas não encontrou nada. 

 

— Você está bem? — perguntou, a voz tensa pela preocupação. 

 

Um tremor percorreu o corpo de Letícia. Até então, os incidentes haviam parecido quase... acidentais. Mas a queda dos engradados fora diferente, deliberada. E se Aleph não tivesse reagido a tempo? E se a senhora da barraca de frutas estivesse no lugar dela? A angústia a invadiu. 

 

Percebendo sua perturbação, Aleph a conduziu gentilmente a um banco próximo, afastado da agitação da feira. Sentaram-se em silêncio por alguns instantes, Letícia ainda processando o que quase acontecera. 

 

— Sou muito grata pela sua ajuda — disse, finalmente, a voz ainda trêmula. — Se não fosse por sua reação rápida... eu... 

 

— Não fiz mais do que minha obrigação como cavaleiro — respondeu Aleph, com um tom tranquilo, buscando acalmá-la. 

 

... 

 

Em um beco escuro e úmido, a atmosfera carregada de tensão, uma figura encapuzada repreendia seu subordinado com fúria contida. 

 

— Incompetente! — sibilou a figura, a voz rouca e ameaçadora. — Nem para derrubar uns engradados você serve! Desse jeito, outro vai acabar levando a recompensa pela cabeça da princesa. 

 

— Mas, chefe, eu não podia prever que aquele cavaleiro intrometido apareceria! — justificou o subordinado, a voz trêmula de medo. 

 

— Não me importo com suas desculpas! — rosnou a figura encapuzada. — Na próxima vez que falhar, a sua cabeça que será o prêmio. Entendeu? 

 

... 

 

Aleph percebeu que Letícia se acalmara e se preparou para partir. Ela, porém, o deteve com uma pergunta. Ele voltou a sentar-se ao seu lado. 

 

— Posso lhe fazer uma pergunta pessoal, Aleph? 

 

— Fique à vontade, senhorita Ticy. . 

 

— Se você é do Reino do Outono, por que veio para o Reino do Inverno? 

 

— Vim encontrar alguém — respondeu Aleph, esquivando-se de uma resposta direta. 

 

— O príncipe Laurenn? — insistiu Letícia. 

 

Aleph ponderou por um instante. Melhor dizer que é ele, para evitar mais perguntas. Não seria exatamente uma mentira, afinal, reencontrar Laurenn também fazia parte de seus planos. 

 

— Sim, Ele me convidou para realizar o treinamento aqui e aceitei. Sempre me interessei pela história do Inverno — completou. 

 

— Se você gosta de história, posso lhe emprestar alguns livros da minha coleção particular — ofereceu Letícia, com entusiasmo. — E há muitos outros na biblioteca real do castelo. Nosso reino é famoso por preservar seu passado. 

 

— Você parece realmente amar seu reino — observou Aleph, admirando a paixão em seus olhos. 

 

— Eu me empolgo com as coisas que amo — admitiu Letícia, corando levemente. — Mas, se você for trabalhar no castelo, terá acesso à biblioteca real de qualquer maneira. 

 

Aleph sorriu, cativado pela genuína empolgação de Letícia. Ela desviou o olhar, momentaneamente tímida. Ele se despediu e partiu, deixando Letícia absorta em pensamentos. 

 

"Ele seria um excelente cavaleiro… Reagiu tão rapidamente ao incidente…" — pensou. — "Mas se ele veio a convite de Laurenn, talvez já esteja a seu serviço. Preciso investigar." 

 

... 

 

Naquela noite, Letícia se encontrou com Laurenn em seus aposentos. Queria saber como havia sido o encontro com Rachel. A resposta de Laurenn, porém, foi desanimadora. 

 

— Acho que estraguei tudo! — lamentou, com um suspiro. — Não tenho jeito com essas coisas. Deveria ter pegue alguns livros emprestados do Reino da Primaverara. 

 

— Você é um ótimo partido, Laurenn. Tenho certeza de que ela gostou de você — consolou Letícia. 

 

— Obrigado, Letícia — respondeu Laurenn, um pouco mais animado. Buscando mudar de assunto, acrescentou: — A propósito, encontrei com o cavaleiro que você mencionou, o Aleph. 

 

— Aleph veio para trabalhar com você? — perguntou Letícia, curiosa. 

 

— Não exatamente. Mas, para minha surpresa, ele aceitou meu antigo convite para treinar no castelo — revelou Laurenn, com um sorriso satisfeito. 

 

Na manhã seguinte, o rei Hayden, acompanhado por um grupo de cavaleiros imponentes, convocou Letícia. A hora da escolha havia chegado. Era o momento de Letícia selecionar seu cavaleiro de guarda pessoal. 

 

— Letícia, estes são alguns dos mais valorosos guerreiros do reino — anunciou Hayden, gesticulando para os homens que o acompanhavam. — Recomendo que escolha Sir Ritz. Ele é um dos meus homens de maior confiança. 

 

Letícia, mantendo a compostura apesar da pressão, respondeu com diplomacia: 

 

— Considerarei sua sugestão, Vossa Majestade. Entretanto, gostaria de ter a oportunidade de avaliar cuidadosamente cada candidato antes de tomar uma decisão. 

 

— Concedo-lhe um prazo, Letícia — declarou Hayden, com um tom que não permitia réplicas. — Caso não faça sua escolha dentro do tempo estipulado, eu mesmo a farei por você. 

 

"Mesmo que ele escolha, não posso desobedecer às instruções de minha mãe. Devo encontrar um cavaleiro que seja leal somente a mim" — pensou Letícia, reafirmando sua decisão. 

 

Hayden, apesar da impaciência, concordou com o pedido. Em seguida, acrescentou: 

 

— No entanto, para garantir sua segurança na viagem ao Reino do Outono, você não será acompanhada apenas por seu cavaleiro pessoal. Uma escolta completa será designada para protegê-la.