Um Conto do Futuro

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Synopsis

Prólogo

2000.

Naquela tarde no laboratório, somente sirenes podiam ser ouvidas. Os longos corredores que antes eram ocupados por importantes e renomados cientistas agora estavam vazios.

As portas de todas as salas estavam abertas, nenhuma trancada. Todos os importantes experimentos daquele instituto agora estavam abandonados. A sessão subterrânea estava vazia, assim como todo o resto.

Ali, em meio à toda aquela emergência, uma única alma viva se movia. O jovem rapaz corria. Seu cabelo castanho longo balançava atrás dele. Ele corria pelos corredores incessantemente, dobrando esquinas, subindo e descendo escadas em seu pânico frenético.

As paredes cinzentas do laboratório brilhavam com a luz das sirenes. Alguns interfones estavam dispostos em algumas paredes em diferentes pontos do laboratório. O rapaz parou quando escurou um som vindo de um alto falante.

-Jake... Jake... Jake...

-Mikaela!? É você!? -O rapaz respondeu. -Onde você está?

-Sala de controle... Câmeras...

-Me vendo pelas câmeras? É isso? -Ele gritou.

-Sim... Sim...

Jake olhou em volta, procurando um interfone. Alguns números se dispunham no teclado do mesmo. Qual seria o da sala em que Mikaela estava?

Ele tentou várias combinações, mas precisaria de uma combinação específica de 9 números. Quantos andares o laboratório possuía? Quantas salas em cada um?

-Merda! -Jake gritou. -Mikaela, me escuta, procura uma saída! Eu me viro!

Jake olhou em volta. Corredores e mais corredores. Era tudo o quê ele via. Ele estava preso em um labirinto linear. Jake parou e pensou. Quantos andares ele havia subido e descido desde que entrou ali? Se calculasse corretamente, conseguiria guiar-se para o andar principal. Tudo o quê ele precisava era sair do subterrâneo.

Talvez ele devesse subir o máximo possível de escadas. Assim, ele encontraria a superfície. Jake correu mais e mais, parecia uma eternidade. Em algum momento, seu peito começou a doer, e ele precisou parar para respirar. Ele não sabia mais em qual direção estava indo. Um momento de falta de atenção, e ele perdeu controle sobre sua bússola interna.

Ele parou e pensou enquanto recuperava o fôlego. Tinha de haver alguma forma de se guiar ali dentro. Um alto falante chiou.

-Jake... Não vá... Antes...

-O quê? Não ir? Para onde!?

-Reto...

-Viro em qual direção?

-Volte...

-O quê?

-Volte... Mutantes...

-Ah não! Você está segura!?

-Sim... Você... Não Está...

Jake respirou fundo, e deu meia volta. Ele começou a andar. E se ele enfrentasse os mutantes? Será que ele sobreviveria?

As sirenes ainda apitavam. Jake parou e pensou. Ele olhou outra vez para o caminho que Mikaela o alertou. Seria um caminho perigoso?

-Mikaela! Me avise se eu estiver perto de uma escada, eu vou subir tudo!

-Tentar... Vou... Tentar...

Mikaela não o abandonaria enquanto estivesse vivo. Assim como ele jamais a deixaria sozinha naquele inferno. Jake estava com medo. Ele tinha uma família lá fora. Nos últimos meses, foi descoberto que a água da cidade em que morava, Gardeville, havia sido contaminada. Pessoas estavam morrendo ou se transformando em mutantes ao ingerir doses específicas de água.

Jake e Mikaela acreditavam ser obra daquele laboratório, e por isso invadiram. Mas cometeram um erro. O laboratório já havia sido atacado dias antes, e eles acabaram apenas encontrando mais mutantes ali. Agora, Jake estava preso lá.

Ele andou e andou por uma eternidade lá dentro. Suas esperanças estavam quase se esvaindo. Quase. Não importava o quanto ele subia, o quanto ele procurava, a saída parecia apenas um sonho distante.

Subitamente, Jake ouviu uma batida. Ele virou na direção do barulho. Será que deveria ir?

-Jake... Fuja...

Ao invés disso, Jake correu na direção do barulho. Ele virou uma esquina, seguiu um corredor, e viu uma luz. Cautelosamente, ele seguiu na direção da luz. Muitos sons emanavam daquela direção. Um dos sons parecia... Vento?

Jake virou um corredor, e viu a fonte da luz. Uma enorme cratera estava aberta ali, por onde a luz do sol penetrava, de alguns poucos andares acima dele, até as entranhas da Terra. Água fluía de encanamentos quebrados para as profundezas. Aquele buraco precisava ser tapado o quanto antes.

Mas a preocupação de Jake agora era com os mutantes. À sua frente, um batalhão demoníaco se erguia, feras medonhas e deformadas; alguns pareciam seres humanoides com carapaças rasgando seus corpos, enormes seres meio humanos e meio animais. Um enorme ser quilópode parou e fez uma curva, se virando na direção de Jake.

A besta soltou um grunhido aterrorizante. Os outros mutantes saíam freneticamente da cratera, escapando para a cidade. Jake gritou, tudo o quê ele amava e conhecia estava condenado.

Ele correu novamente para os corredores, precisava apenas subir mais duas escadas e... E então o quê? Seria ele capaz de vencer alguma daquelas abominações? Ajuda? Ele rezava para que todos os heróis possíveis estivessem vindo para parar aquelas coisas.

Enquanto corria, ele escutava o quilópode rastejando e batendo contra as paredes atrás dele. Se ele parasse agora, estaria condenado.

-Suba... -A voz de Mikaela o trouxe para a realidade. Jake acelerou, e encontrou mais uma escada. Faltava pouco. Ele tinha de sair dali o quanto antes.

O andar principal estava um silêncio ainda mais aterrador; não haviam sirenes, não haviam pessoas, não haviam mutantes. Somente Jake. Mikaela estava perto. O quilópode também. Jake correu mais e mais. Seu peito doía, sua visão estava turva, e escurecia. Se ele voltasse e lutasse, poderia vencer. Era seu dever. Lutar e salvar quem ele amava.

Jake estava prestes a parar, quando uma voz ecoou pelos alto-falantes. Não era Mikaela, era uma gravação. Uma emergência.

-Emergência! Emergência! Evacuação imediata requerida! O Projeto Saturno está instável. Evacuação imediata requerida!

Erro? Era só o quê faltava. Se ele ficasse ali, morreria de vez. O Projeto Saturno era algo de natureza misteriosa. O quê aconteceria com aquela máquina? Se explodisse, a cidade toda seria apagada do mapa. Se implodisse, Jake, Mikaela e sabe-se-lá quantos mutantes seriam expelidos para algum lugar, em algum momento.

O quilópode avançou pela construção. Jake viu aparência horrenda daquele ser. Longo, seu corpo era preto e laranja, suas inúmeras pernas eram como as pernas de uma pessoa normal, saindo da carapaça bizarra do monstro. O ser era longo e molenga, não como uma centopeia, mas um ser humano que teve seu corpo esticado feito macarrão. O segmento principal era... Um garotinho? Provavelmente era algum adolescente antes de se tornar aquilo. Seu rosto estava espremido, e sua boca extremamente alargada. Não haviam dentes ali, apenas um vazio imenso. Jake sentiu que estaria morto no momento que aquilo o mordesse. Provavelmente era algum tipo de serpente.

-Beleza. Já vi que você é meio antissocial. -Jake deu uma risadinha. -Tudo bem. Eu fico longe.

Ele se virou e correu. Ele viu à distância uma silhueta de uma pessoa. 'Que seja você, Mikaela' ele rezou.

Jake continuou correndo. Ele passou por entre um vão deixado em uma janela. O quilópode o seguia, mas era grande demais para passar por ali. O monstro rugiu, e ficou ali, se debatendo. Ele se forçava para sair, e lentamente seu corpo vinha. Era uma questão de tempo até que saísse. Jake precisava finalizar aquilo. Mas... Era apenas um garotinho...

Ele se virou, e olhou em volta. Ele estava em um pátio aberto, à distância, pequenas ruelas levavam à saída do laboratório. Um campo gramado se estendia nas outras direções, e um distante estacionamento se via entre o laboratório e a saída. Várias criaturas surgiam naquela direção. Provavelmente era lá a cratera.

Jake se voltou para a outra direção, onde apenas uma floresta se via. Era sua única escapatória. Ele correu até o limite da propriedade, que era demarcado por uma grade extremamente alta. Jake não pensou duas vezes, e começou a subir.

Ele parou no alto da grade, e respirou fundo. Idiota, podia ter procurado uma saída ali embaixo ou aberto uma ele mesmo. Ele olhou em volta, e as criaturas haviam parado de surgir do laboratório. Tudo o quê ele sabia é que quatro pontos específicos da cidade foram demarcados como "ninhos de mutantes", e Jake certamente estava em um deles.

Os mutantes pararam de surgir dali, portanto, um dos ninhos estava vazio. Precisavam agora eliminar as ameaças. Será que os heróis dariam conta daquilo? O quilópode estava lentamente saindo pela janela. Naquele ritmo, o monstro levaria ao menos dois dias para sair. Ele podia voltar agora e matá-lo. Jake pensou no rosto infantil do monstro, e vomitou.

-MIKAELA! -Ele berrou. Onde ela estaria?

-JAKE! -Uma resposta veio da floresta. -Você está bem? Cadê você!?

-AQUI! AQUI EM CIMA, NA GRADE!

Que bom que ela havia saído também. Jake suspirou e sorriu, pois ela estava segura. Isso importava mais do que tudo a ele. Agora, a prioridade era encontrar sua mãe e sua irmãzinha Erika.

E seu pai. Ele podia... Ele podia aproveitar a situação e matá-lo. Ninguém perceberia. Jake chacoalhou a cabeça. O quê foi aquilo?

Subitamente, uma voz medonha preencheu sua mente. Jake vislumbrou uma imagem transparente em seu campo de visão. Parecia um amontoado de escuridão, um amontoado de carne, de onde vários olhos negros surgiam.

-Eu vejo tudo, Jake. Eu sei o quê ele fez. Você quer vingança, você precisa se vingar. Mate ele. Seu pai é um demônio, a morte de um inseto não fará diferença. Mate ele. Cace ele.

-ARGH! -Jake gritou e colocou as mãos na cabeça, violentamente chacoalhando para se livrar daquilo. -QUE PORRA É ESSA!? SAI DA MINHA CABEÇA!

-Não me desafie. Você sabe o quê ele fez, todos sabem. Ninguém liga para ele, Jake. Todos vão te defender quando você se vingar. Ele vai matar a Erika, junto da criança. E você sabe disso melhor que todos. Ninguém vai interferir nisto, Jake, somente você pode. Salve ela, Jake, é isto o quê um herói faz. Salve sua irmã! Salve sua mãe!

-PARE, CARALHO! -Jake urrou.

-Jake!? -A voz de Mikaela vinha distante.

-Ainda não é tarde. Mas se você esperar mais, o tempo dela vai acabar. Sua irmã vai morrer. E a culpa será toda sua. Salve a Erika, Jake, você é o único que pode.

Jake chacoalhou mais, e caiu. Ele se agarrou à grade enquanto caia, mas suas mãos e sua cabeça não pareciam funcionar corretamente. Ele caiu na grama com força. Sua visão escureceu, e tudo quê ele ouvia era a voz de Mikaela.

-Jake! Acorda, rápido! JAKE!

A visão de Jake ficou escura, e ele se perdeu no vazio.