O sábado foi complicado, de certa forma. Hector estava animado em ver os amigos uma vez mais. Erika nos dias de encontro não bebia. Pelo menos na maioria das vezes não.
Aquele sábado, em específico, foi um em que ela bebeu. E muito. Apesar de ser 13 da tarde quando o encontro aconteceu, ela estava dormindo em seu quarto. Gerard estava jogando fora as garrafas que sobraram da bebedeira na noite anterior.
Sempre que ele fazia plantão à noite, temia que ela pudesse fazer algo errado. Ele via nela uma vontade de partir. Mas via também uma esperança de que as coisas melhorassem quando estava sóbria. Olívia ao menos conseguia cuidar da mulher. Ela tinha apenas 19 anos, e Erika se compadeceu da garota, que não tinha família nem ninguém. Por isso, acabou acolhendo ela, como uma filha. As duas se davam muito bem. E aparentemente, eram o porto seguro uma da outra.
Erine, Anne, Paul, Matt, Martha e Karen estavam lá desde cedo. Os cinco garotos chegaram mais tarde. Luci chegou em último. Jeff e Giorgio chegaram lá, animados para o encontro.
Os grupos se reuniam na sala de estar. Alguns se sentavam em sofás e outros em cadeiras.
-E então, como pretendem passar as férias? -Giorgio perguntou.
-Eu vou esperar acabar. -Paul disse. -Vou ficar com saudades dos meus amigos.
-Quero estar pronta para o próximo ano. -Karen disse. -Vai ser massa! Só eu e a Anne. Vamos achar uns gatinhos para a gente.
Ela riu.
Matt grunhiu um pouco.
-Ah cara... -Hector suspirou. -Quero muito voltar a treinar em Arcádia.
-Eu não. -Scott disse.
-Quero um descanso do treino. -Max concordou.
-Acho que todo mundo precisa. -Luci disse. -Ano que vem provavelmente vai ter muito o quê fazer. Acho que a gente precisa se preparar para começar a ofensiva.
-Uma ideia perigosa. -Jeff disse. -Um ataque desses pode ser suicídio.
-Mas é uma coisa que ninguém esperaria de crianças. -Hector disse.
-Talvez. É bom lembrar da merda que aconteceu da última vez. -Zack disse. -A Atlas quase matou tanta gente em um dia...
-É. -Hector disse. -Tem vez que eu tenho pesadelos com aquilo.
-Eu também. -Jeff disse.
-Mas ainda assim, vocês dois enfrentaram uma criatura que foi capaz de machucar o Jeff. -Giorgio disse. -Talvez, apenas talvez, vocês sejam loucos o suficiente para atacar a organização toda de uma vez.
-Isso me assusta. -Olívia disse. -Me assusta mais do quê o Oblivion.
-Nem se preocupa. -David disse. -A gente vai dar um pau nele quando achar ele.
-Ou vamos morrer tentando. -Max disse.
-Foi ele quem mandou o assassino atrás de você e do Niccolo. -Scott disse. -Ele vai pagar.
-E vai pagar caro. -Hector completou.
-Vocês podem ser muito imprudentes pensando assim. -Giorgio riu.
-O Joe... -Scott engoliu em seco. -Ele veio proteger a gente daquele merda.
-É. -Erine suspirou. -O sacrifício dele não pode ser assim, em vão.
-Sacrifício? -Scott questionou. -Ele morreu tentando salvar o Niccolo.
-Foi terrível. -Gerard disse. -Eu vi as lesões nos dois. Joe teve a coluna perfurada, e Niccolo foi decapitado. Não há nada de sacrifício nisso. Foi uma covardia.
-Lembra que a Erika falou sobre vingança? -Erine perguntou.
-Sim. -Gerard respondeu. -Jake se perdeu por isso. Acredito que se nós permitirmos que vocês sigam os passos dele, nós deixaremos vocês caírem na desgraça. A história de Jake deve ser entendida como uma mensagem importante.
-Sim. -Scott disse.
-Sabemos dela. Mas sabemos pouco. -Hector disse.
-Parece que quanto mais a gente sabe, menos a gente sabe. -David baixou o olhar.
-Parece a gente na prova do exame de admissão, Erine. -Martha riu.
O clima deu uma aliviada.
-É.
-Falando nisso... -Karen disse. -Amanhã é a última prova de vocês. Eu fiquei tão orgulhosa de vocês duas vendo que chegaram até aqui.
Karen se levantou da cadeira em que estava. Ela abraçou as duas.
-É. -Anne disse, com o olhar baixo. -Vou sentir falta das duas idiotas.
Ela falava com a voz levemente trêmula.
Erine suspirou.
-Bem, gente, essa parte é que é complicada. Eu e a Martha conversamos muito sobre tudo isso. Vocês estão sempre se metendo em confusão.
-E aí acho que a gente quer fazer parte também. -Martha continuou. -Vocês todos adoram arrumar problemas. E nós adoramos também.
-Por favor. -Karen disse. -Não me digam que vocês fizeram isso.
-E vocês sabem. -Erine sorriu, e lágrimas surgiram em seus olhos. -Nós adoramos esses problemas também.
-Vocês vão aguentar a gente por muito tempo. -Martha sorriu também.
-Idiotas. -Anne chorou também. -Se vocês duas fossem embora... Eu não sei o quê faria sem vocês.
-Então... -David sorriu. -Ano que vem a gente se vê de novo?
-Sim. -Martha riu.
David, Hector e Zack foram para o abraço em grupo, seguidos por Paul e Matt. Anne chorava em sua cadeira.
-Cara, -Karen sorriu em meio às lágrimas. -A Anne tem sentimentos.
-Mais do quê o Scott. -Jeff riu.
-Gente... -Olívia disse. -Eu queria estar com vocês lá. Sinto saudades do meu antigo colégio. Queria ter amigos assim.
-Tudo bem, Oli. Vem pro abraço. -Erine chamou.
As garotas choravam todas juntas. Niccolo certamente estaria feliz vendo ela assim. Hector pensava em como seria se Joe e Niccolo ainda estivessem ali. Quantas mortes e vidas foram destruídas por todos aqueles criminosos?
Ele suspirou.
-Bem, ano que vem vai ser do caralho! -Ele gritou. -Vamos esmagar a Gyazom inteirinha!
-Atlas cometeu um erro em deixar vocês dois vivos. -Zack riu. -Aposto que vão voltar e dar um cacete nela!
Max sentiu um calafrio momentâneo.
'Joe... Se continuarmos com isso... Vamos virar assassinos.
Gerard olhou para ele.
-Me lembro de quando a gente se viu no hospital naquela noite. Quem imaginaria que nossas vidas iam se ligar desse jeito? -Ele riu.
-Cara, que loucura. -Max disse. -Acho que... Tanta coisa aconteceu...
-Nem parece que vocês todos acabaram de fazer doze anos. Amadureceram tanto nessa guerra.
-Cara... -David disse. -É muito estranho.
-Depois de tudo, acho que era necessário. -Paul disse. -Aqueles merdas vão aprender uma lição valiosa quando virem a gente de novo.
-É. -Hector disse. -Aqueles merdas vão ter que falar muito pra gente.
-Por que tudo isso? -Martha questionou. -A gente mal pôde aproveitar a juventude. O Joe perdeu por causa deles. Cara que ódio.
-Sabem, quando eu conheci o Joe eu disse algo a ele. -Gerard falou. -Pessoas podem validar qualquer atrocidade usando o ponto de vista delas. Aliás, Erine, você não está mais doente. Isso é... Bom.
-É. -Erine concordou. -Bom.
Uma investigação foi feita durante todo aquele tempo. Em setembro, a investigação foi fechada. Joe foi declarado culpado. Gerard se recusou a acreditar, assim como Erine e os amigos. Erika e os meninos não souberam daquilo. Era um segredo que levariam para o túmulo.
Mas não havia outra possibilidade. Joe morreu, e a doença sumiu, de forma tão misteriosa quanto apareceu. Ela ainda se sentia depressiva e ansiosa, mas agora, solitária. Joe não estava lá para salvá-la quando ela tinha uma crise. E nessa solidão que ela aprendeu a tomar conta de si mesma.
-Gente. -Olívia chamou. -Semana que vem alguém vem aqui?
-Não sei. -Paul disse. -Acho que não.
-Venham. -Gerard disse. -Sábado vai ser ótimo. Ou talvez na sexta.
-Sexta. -Anne disse. -Provavelmente a maioria vai viajar para o fim de ano no sábado.
-E nós vamos estar no acampamento. -Hector disse.
-Vai ser bom a gente se reunir sexta. -Luci disse. -Não posso fazer mais nenhum atendimento como vidente, até eu fazer 16.
-Você faz quando? -Erine questionou.
-Agosto. Não falta tanto.
-E até lá você pode aprender a usar seus poderes. -Gerard disse. -E ajudar o Max a controlar um pouco os vislumbres dele.
-Sim. -Luci respondeu. -Eu vou fazer o máximo possível.
-Mas ei... -Jeff chamou. -Acho que você devia ir para Arcádia para fazer esses treinos. No começo do ano... Gigi vai mandar os meninos para ver o Sigilo de Arcádia.
-Quem? -Luci questionou.
-O Sigilo de Arcadia é uma tradição complicada. -Giorgio contou. -É uma marca que foi gravada em uma pedra antiga, e que todos os Eteristas visitam na vida. Eles deixam parte de sua energia na história com aquilo.
-Que interessante. -Paul disse. -Tem como você ver tudo?
-Mais ou menos. -Jeff disse. -Nós vemos alguns momentos quando tocamos nele. Mas só na primeira vez que tocamos. Depois, não acontece mais nada.
-Que...
-Misterioso. -Giorgio concordou. -É tão enigmático que nem nós sabemos se tem alguma coisa secreta por trás.
-Cara... -Martha disse. -Acho que a conversa vai fluir muito longe hoje desse jeito. Eu tô com fome. Vamos abrir os lanches?
-Vamos! -Paul disse.
-Sim. -Scott disse.
-Vamos falar de outras coisas. -Anne disse. -Essa conversa bizarra logo quando vamos nos ver pela última vez em um tempo não vai me fazer bem.
-E na Sexta? -Paul perguntou.
-Ah é. -Ela disse.
-Pelos meninos. -Erine disse.
-Isso.
-Anne... -Karen disse. -Você tá estranha hoje. Aconteceu algo?
-Não. -Ela disse. Anne parecia triste e incomodada com algo.
-Foi um homem? Quer me contar? -Karen se levantou.
-Não. Não é nada. Não quero falar disso.
-Ah. Tudo bem.
-Mulheres... -Hector resmungou.
-Ah, ele não disse isso. -Martha disse.
-Não. Ele não disse. -Erine lançou um olhar irônico para ele.
-Desculpem. -Hector coçou a cabeça.
E após aquele breve momento, a conversa se perdeu. Por algum tempo, os Mirai foram verdadeiramente alegres. Mas as coisas estavam caminhando para um rumo terrível. Aquele sábado era para se divertir. Mas o perigo estava chegando, rapidamente rastejando como uma serpente mortífera. Gyazom naquele momento estava planejando uma nova investida, e o Doutor já havia preparado tudo. Na segunda de manhã, a equipe Lótus estaria no acampamento onde todos estariam, aguardando pela chegada das crianças.