- Arco 4 - A Noite Macabra-
Quando Robert chegou em casa naquela madrugada, sua esposa Mary chorava no sofá. Seu trabalho de mercenário estava destruindo seu casamento.
-Três da manhã. -Ela disse entre soluços. -Você vai mesmo fazer isso?
A lua brilhava fortemente atrás dele. As noites ultimamente eram mais longas, mais frias e mais escuras para ele.
-Você sabe que é o único jeito. -Ele disse, com o olhar baixo. -Se eu continuasse no meu emprego normal, não teríamos dinheiro nenhum.
-E você prefere assim? Sua filha vai ser conhecida como filha de um assassino!
-Se eu não fizer isso, nossa filha vai morrer!
-E se VOCÊ morrer? -Ela gritou.
-Quieta! Quer acordar a Linda!? Quer acordar os vizinhos!?
-Vocês estão brigando de novo? -A pequena Linda estava na porta do quarto.
-Desculpa, filha. -Robert disse.
Mary se levantou, foi até a garota e a pegou no colo.
-Tudo bem, querida. Vamos dormir.
Robert foi até o banheiro, e se olhou no espelho. Ele encarou seus olhos verdes, até que se cansou, lavou o rosto e foi deitar. Dormir no sofá virou rotina para ele.
De manhã cedo, sua esposa saia para trabalhar. Uma forma digna de cuidar de sua filha, diria ela. Mas lá no fundo, até mesmo Mary sabia que Linda estava com a doença se agravando, e tempo não era algo que eles tinham. Robert culpava sua sogra por enfiar na cabeça de Mary que seguir um caminho "correto" era a única maneira de se fazer as coisas.
Agora, sua família estava ruindo por causa do senso de ética fanático de uma mulher que estava morta há muitos anos. E se não estivesse, provavelmente estaria tentando tomar Linda deles para levá-la a suas "curas milagrosas" na igreja que ela frequentava.
Quando Mary saía trabalhar, Linda ia para a sala, e se deitava com Robert. Os dois dormiam até tarde, e Robert levantava para dar almoço e levá-la para a escola. Era uma rotina simples, apesar de todos os empecilhos.
Mas após Mary retornar, ele se preparava para cumprir contratos. Linda foi diagnosticada com DPOC aos 9 anos. Faziam apenas três meses, mas seu estado estava piorando e se agravando.
Um ano antes, ela teve uma infecção respiratória, que resultou na doença. Agora, sua filha estava caminhando para o fim. Não havia muito o que ser feito, vários tratamentos e várias visitas ao médico levaram Robert a entender isto. Mas haviam alguns remédios que podiam ajudar. E havia uma pequenina esperança de que ela poderia superar isto.
Por isso ele trabalhava tanto, alguns pediatras ajudaram ela, mas era uma questão de tempo, pois a doença avançava de estágio rapidamente. Robert fazia todo tipo de coisa por ela, pois ao menos, caso ela partisse, ele poderia ter todos os seus últimos meses felizes.
Mas ele não conseguia realizar o maior desejo da menina: conhecer a neve. Desde sempre, a garota desejava ver a neve mais do que tudo. Era seu maior e mais profundo desejo. No entanto, o frio provavelmente seria fatal a ela. Por isso, Robert prometeu a ela que a levaria somente quando ela superasse aquela doença.
Linda sabia de sua mortalidade. Ela sabia de todos os riscos, apesar de tudo. E ainda assim, ela pedia a ele sempre que podia para levá-la para algum lugar com neve. Mais algumas semanas, e talvez, se a doença ficasse estável no mesmo estágio, ele conseguiria o dinheiro necessário.
Mary, no entanto, não aceitava isso. Ela queria dar conforto para a garota, mas jamais a deixaria passar sequer um segundo em um lugar frio demais para ela.
Enquanto Linda ficava na escola, Robert saía à procura de contratos. Ele fazia todo tipo de contrato, pois seu trabalho o fazia ser muito bem pago. Naquela tarde, em uma rua aleatória próxima a um colégio, um ataque mutante aconteceu. O dono de um comércio gritava na rua, exatamente onde Robert passava.
-FUJA! -Gritava o homem. -ELE VAI MATAR A TODOS NÓS!
Robert andou até o homem, e encarou ele.
-Quanto você me paga se eu matar esse mutante?
-O quê?
-Quanto você paga pela cabeça do mutante? Rápido.
-Você é maluco.
-Sou. Rápido. Dê seu preço.
-Seis... Mil... Pode ser!? -O homem gaguejou.
-Ótimo. Fique atrás de mim.
Robert andou até a entrada do pequeno mercado.
Lá dentro, uma criatura medonha rugia e avançava. Pessoas gritavam, algumas se escondiam entre as prateleiras, os atendentes de caixa escaparam e fugiram.
-Ei! -Robert gritou.
O monstro parou, e se voltou para ele.
Era um ser enorme, possuía mais de dois metros de altura. Ele era longo e cinzento, um corpo humano era visível, estivado e torcido ali no meio. A cabeça dele já era a de um animal, longa, cinzenta, retorcida, e a boca enorme se abria com uma quantidade avassaladora de dentes.
Um dos braços da criatura era longo, torcido, e parecia um tentáculo cinzento e negro, com dedos enormes e quadrados na ponta. O monstro rastejou até ele, pois possuía apenas duas pernas traseiras. Apesar disso, se movia em uma velocidade alarmante.
O monstro investiu, e tentou mordê-lo. A criatura saiu rapidamente de dentro da loja para o meio da rua. Robert deu uma cambalhota para o lado e desviou. O tentáculo deu uma volta por cima do monstro e o atacou por cima. Robert ficou em pé após a cambalhota e recuou lateralmente, desviando.
Robert estendeu a mão, e dela saíram pequenos braços cinzentos, marrons, brancos e pretos. Os pequenos braços não possuíam ossos, portanto eles se esticavam e davam voltas, circulando o monstro e o agarrando em várias direções.
Os braços eram pequenos, mas eram fortes. Muito fortes. Robert invocava vários enquanto pulava de um lado para o outro, evitando o monstro. Os braços agarravam e erguiam o monstro. Entretanto, o mutante percebeu que podia mordê-los para rasgá-los. As pequenas mãos no fim dos braços eram mais sólidas, portanto, quebrar os ossos delas as fazia se desmanchar.
Furioso, o monstro o rugiu. As pessoas dentro do mercado se escondiam, gritavam, choravam e tentavam sair de lá. Robert atraía o monstro mais para longe, para que elas saíssem. O monstro baixou q cabeça, e Robert viu que ele possuía olhos minúsculos, que ele dificilmente alcançaria.
Robert esperou o monstro chegar perto dele. O monstro rodopiou e tentou acertar com o braço menor, e após isso, com o tentáculo. Robert desviou com cambalhotas e pulou para frente. Chegando perto, Robert bateu as palmas das mãos no chão.
Uma enorme mão surgiu do chão, um braço longo e poderoso, que segurou o monstro, suspenso no ar. As pequenas mãos então saíram juntas, algumas maiores, prontas para finalizar.
A grande mão apertou com toda a força, e as pequenas ajudaram a espremer a criatura. O mutante berrou, em vão.
Ele espremido, torcido e rasgado até que uma chuva de sangue voou entre Robert, a rua e o dono da loja, que assistia tudo, pasmo. Robert se virou, enquanto o cadáver do monstro caiu, sem vida, no chão.
-Foi ótimo fazer negócio com você. -Ele começou a tossir. -Merda.
-Ei... -O dono disse. -Você... Tá bem?
-Um pouco. Me esforcei muito na hora de finalizar a coisa.
-Cara... Você é louco.
Alguns dos clientes saíram da loja. Quando viram o monstro morto, alguns começaram a gritar e bater palmas.
-Espero que tenha o dinheiro.
-Você é um mercenário? -O dono questionou.
-Não. Sou um pai trabalhando para pagar um tratamento.
Algumas das pessoas chegaram mais perto deles.
-Tratamento? De quê?
-Minha filha tem Bronquiolite Obliterante.
-O nome é assustador.
-A doença é pior. Acredite.
-Bem, é seu dia de sorte, paizão. Vamos lá, vou pegar seu pagamento.
Robert lacrimejou.
-Obrigado.
As pessoas em volta começaram a aplaudir de novo. Algumas disseram palavras de consolo. Outras choraram. Alguns disseram ter visto coisas parecidas e tentaram chamar a atenção de Robert.
Mas ele não se importava com nenhum deles. Robert foi até o mercado com o homem.
-Vai embora. A mídia aparece aqui daqui a pouco, e aí você não vai conseguir sair daqui. -O dono disse. Era apenas um velho com os cabelos cinzentos, mas Robert percebeu um olhar de familiaridade no homem. Provavelmente ele passou pelo mesmo. -Se não se incomoda, você tem nome?
-Tenho. É Robert. Mas se te perguntarem, sou apenas um fantasma.
Robert pegou uma sacola, dentro havia um pacote de papel pardo, que o velho encheu com dinheiro. Provavelmente não era algo que as pessoas lá fora fossem considerar legal.
Ele voltou para casa. Quando chegou, estava anoitecendo, e Mary estava lá, dando janta para Linda.
-Oi, papai! -Linda correu abraçar ele.
Robert a ergueu nos braços. Ele lacrimejou novamente. Ele jogou a sacola para Mary. Mary olhou para a sacola. Ela olhou feio para Robert, novamente.
E nesses contratos os dias de Robert se seguiam. Mas isso, é claro, levou seu casamento à ruína. Em menos de um ano, Mary estava casada com outro homem. Angelo, apesar de tudo, entendia o lado de Robert. Os dois não se odiavam. Robert apreciava que alguém cuidasse de Linda por ele. Agora, ele poderia se focar em trabalhar a semana toda, e ficar com Linda nos fins de semana.
Mas ele sabia, apesar de tudo, que não tinha muito tempo. A doença avançava, apesar da Bronquiolite poder ser superada, Linda possuía uma baixa probabilidade de sobrevivência. Dali em diante, Robert estava planejando comprar um carro, pois assim, no pior dos casos, ele poderia levar Linda para algum lugar distante. Um lugar, onde ela veria a neve.