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Chapter 16 - Fome

Arco 2 – A Grande Fome

Tristan estava bem cansado naquele dia. Claire basicamente o forçou a ir para o centro com ela naquela tarde.

Os dois já eram amigos de infância. Conheceram-se graças a suas mães, que eram amigas desde o colégio. E agora, treze anos depois, sua amizade florescia como nunca.

Aquela tarde, em especial, aconteceu apenas por insistência de Claire. Ela adorava sair e ir para eventos no centro de Gardeville. Ela ia para festejar e aprontar, como uma jovem de 14 anos faria, dadas suas condições.

Claire e Tristan tinham uma boa vida financeira em comparação com seus colegas, e estudavam no colégio Moreil apenas por causa das mães, que se conheceram no colégio.

Sempre que tinham aqueles eventos, Claire o chamava. Mas aquele, em especial era de um interesse de longa data dela. O evento? A cantora favorita dela fez uma apresentação e uma palestra para estudantes. Depois, eles foram badernar pelo centro.

O dia começou meio nublado, e progrediu ao longo da tarde. Era aproximadamente 16 horas. Eles andavam pelas ruas sujas e escurecidas. A umidade aumentava rapidamente.

-Claire, vai chover. -Ele avisou. -Acho que é hora de ir pra casa.

Ela se virou. Seu cabelo loiro balançava, junto com os brincos e as roupas exageradas. Claire era o tipo de garota popular que atraía a atenção de todos os meninos. Loira, branca, extrovertida, e barulhenta.

Ela vestia roupas coloridas e carregava uma bolsa com várias coisas inúteis.

Tristan, por sua vez, se via como um garoto simples. Ele vestia uma calça jeans, um tênis de marca, uma jaqueta preta de marca e uma camisa branca sem estampa. Simples.

Seu topete castanho balançava com o vento. Seus olhos, verdes como os de Claire, corriam por aí procurando algum esconderijo. Ele sabia que não escapariam da chuva.

-Ah, Tristan, você é chato. Parece até um nerd!

Ele pôs as mãos na cintura.

-Como assim!? Não é pra tanto, tá? Eu só quero ir embora!

Ela riu alto.

-A gente vai ir embora! Mas só quando escurecer!

Tristan suspirou.

-Tá certo...

Ele andou com ela pela rua. Ela não tinha nada, literalmente nada para fazer. Mas ela queria achar algo de interessante. Eles viram algumas lojas de roupas, mas nada que ela quisesse.

'Meninas são chatas.' Ele pensou.

Eles andaram até encontrar algumas ruelas com lojas velhas e sujas. Eles jamais ousariam entrar em alguma daquelas lojas. Estava apenas cortando caminho. Mas claro, a chuva veio enquanto estavam no meio daquele lugar.

Eles correram pela rua para encontrar um lugar. Viram um ponto de ônibus e foram até lá. Esperaram por alguns segundos.

A chuva fazia um barulho muito alto naquele dia. Tristan então fez sua "bolha".

A Bolha era o poder dele, que gerava um tipo de campo sonoro, neste campo, ele poderia controlar quais sons iriam entrar ou sair.

Era quase como colocar o mundo ou eles mesmos no mudo.

-VISH, VÉI, E AGORA!? -Ele gritou.

-Para de gritar! -Claire gritou.

-Ah, é. -Ele riu. Ela também.

-Que bosta. -Claire disse.

-Vamos esperar o ônibus ou a gente liga pras nossas mães?

Claire olhou em volta.

-Vamos de ônibus. Talvez a gente ache algum gatinho lá, né?

Eles riram.

-Tá bom.

A chuva, no entanto, ficou mais forte. O vento ficou forte e o ponto não era mais seguro.

-AH! E AGORA? -Claire tentava cobrir o rosto e as roupas ao mesmo tempo.

Ela olhou para o outro lado da rua e viu uma casa.

A casa ficava em cima de uma loja, o acesso para lá era uma escada de metal que ficava na lateral, de frente para eles.

-Vamos! -Ela gritou. -Tem um cara lá na porta!

Tristan viu de relance alguém.

A porta da casa era preta, fazendo contraste com o verde claro da loja toda.

Claire bateu na porta, e um homem abriu.

-Entrem!

Os dois entraram.

-Obrigado... -Tristan disse.

Claire estava boquiaberta. O homem em sua frente era chocantemente lindo. Alto, musculoso, aparentava ter uns 40 anos. Ele tinha um cabelo enorme e lindo, também. O cabelo vermelho escuro era tão bonito e sedoso que os dois precisavam se conter para não passar a mão.

A pele pálida do homem revelava suas veias saltadas e grossas. Seu queixo longo e fino se moveu com a boca quando ele sorriu.

E os olhos castanho avermelhados dele se focavam nos dois tão belos que os dois não conseguiram olhar diretamente.

-Vocês estão bem? -Ele perguntou.

A voz suave e grave do homem hipnotizava eles.

-Bem... -Tristan disse.

-Ah... é... -Claire disse.

O homem sorriu.

-Quê bom. A chuva vai ficar ainda mais forte. Querem que eu ligue para as suas mães?

Tristan ia pegar o celular no bolso, quando Claire o interrompeu.

-Não! -Ela tossiu. -Desculpa, não queria gritar. Não precisa. A gente pode ligar para elas daqui a pouco.

-Na verdade... -Tristan disse, mas sua voz falhou quando viu o olhar de Claire.

Ela se virou para o homem.

-Acho que nossas mães não vão vir tão cedo buscar. A gente pode ficar aqui?

O quê ela estava fazendo!?

O homem deu uma risada. Uma risada sedutora.

Por um breve segundo, Tristan se sentiu desconfortável.

-Entendi... -O homem passou a mão no cabelo dela. -Então, querem passar a noite aqui... Vão precisar me ajudar a fechar a minha loja.

-Loja? Quê loja?

Ele riu.

-Aqui embaixo. É minha loja. Uma das minhas lojas. Me ajudem com isso e... -Ele os olhou nos olhos. -Com outras coisas... E eu posso pagar muito bem...

Tristan arregalou os olhos.

-Não. A gente só estava de passagem, desculpa.

-Quieto! -Claire gritou. -Quanto você vai nos oferecer?

-Muito. Me esperem aqui, eu vou pegar o dinheiro.

Ele se virou e foi da sala para um quarto logo atrás dele. A casa era incrivelmente bonita. Não era grande, mas tinha um chão limpo, móveis bonitos, uma tevê enorme, sofás chiquérrimos, quadros inacreditáveis, a mesa de centro era oval, com uma madeira cara e reflexiva. Até mesmo as lâmpadas eram bonitas.

Tristan gerou uma bolha novamente. O homem não os ouviria.

-Vamos embora! -Ele estava indignado com aquilo. -Ficou louca!?

Claire parecia meio confusa. Algo estava acontecendo com ela.

-Ah não. Eu quero ele. E todo o dinheiro que ele oferecer. Pensa, Tristan, ele vai nos bancar!

Tristan tento pensar. Mas aquilo não fazia sentido. Era horrível.

Eles nem eram crescidos o suficiente...

-Claire...

Ela olhou para ele, bufando.

-Não vamos.

Sua garganta estava seca. Ele precisava de água.

-Certo... Eu vou beber um gole de água.

Tristan andou até uma das outras duas passagens da casa.

Aparentemente era a cozinha. Era grande e bonita. Estava limpa...

Ou pelo menos ele achou. Ele viu uma mesa enorme, de um lado, viu uma casinha de cachorro, alguns brinquedos de animais, uma caixinha de areia, potes de ração. A pia estava ali no meio da parede, uma janela logo atrás, dando vista para uma praça lá fora. Mas chovia muito, e ele não via muita coisa.

Do outro lado da cozinha...

Tristan teve de engolir a vontade de vomitar. Ele paralisou. Haviam sim, animais ali. Um cão e um gato. E eles estavam mortos.

Sangue estava espalhado pelo chão, ele viu a metade de trás dos corpos dos dois animais. Ele reparou em tudo. A cor deles. As vísceras espalhadas perto dos cadáveres, o sangue esguichado nas paredes, que ainda estava fresco e escorria.

Pânico.

Ele correu até Claire. Ele a puxou, e a bolha impediu o som de sair. Ele abriu a porta e a bateu quando fugiu. Pânico total. Ele não ouviu nada.

Ele correu pela chuva arrastando Claire, que tentava se soltar e o xingava. Um carro estava passando por ali. Ele parou na frente do carro e correu até a janela.

-O quê é isso!? -A mulher no volante perguntou.

-Socorro... -Ele disse em meio a lágrimas.

Claire pareceu perceber algo. A mulher abriu a porta de trás dela e gritou. Claire agiu e puxou Tristan. Ela o arrastou para o carro. Ele ficou confuso por um segundo. Mas então, ele percebeu. Quando foi jogado por Claire, ele viu. A mulher gritava para eles. Claire entrou em cima dele e foi fechando a porta enquanto a mulher acelerava.

Abismado, Tristan viu aquela coisa horrível. O homem estava na rua já. Ele atacou o carro, que já havia partido. O homem não era mais um homem. Seus enormes braços agora tinham as mãos escurecidas e cheias de veias se retorcendo, até a ponta dos dedos, onde unhas pontudas saíam.

Mas o pior foi a boca do homem. Seu rosto estava quase igual, seu cabelo voava com o vento forte. E sua boca agora abria. Abria totalmente. Enormes dentes saíam dali, pontudos e tortos para a frente. Faíscas saíram quando ele atingiu as garras na traseira do carro. A mulher acelerou. O carro deslizou pela pista molhada, e disparou rapidamente para longe.

A mulher não parava de jeito nenhum. A audição de Tristan zunia. Ele não ouvia as duas gritando.

Claire tocou no ombro dele. Ele se acalmou um pouco. Ele escutou finalmente a voz delas.

-Tristan! -Claire gritava desesperada. -Quê diabo era aquilo!?

-Eu... -Ele não conseguia terminar a frase. Aquilo estava preso na mente dele. Os animais. A boca enorme do homem. O quê era aquilo?

Tristan respirou devagar.

-Vocês moram por perto daquele lugar? -A mulher perguntou.

-Não. Ainda bem que não. -Claire respondeu.

-Graças a Deus! -Disse a mulher. -Vocês deram muita sorte hoje!

-Eu não sei... -Disse Claire. -O Tristan surtou e saiu correndo do nada. Aquele cara lá viu a gente vindo. Se o Tristan não tivesse dado aquela portada nele... Eu nem sei como Tristan fez isso. O cara saiu gritando, eu também, mas Tristan parecia surdo...

Ele os seguiu quando saíam?

-O quê vocês estavam fazendo lá naquela casa?

-Escondidos da chuva... -Claire disse.

-Nossa. -A mulher olhou pelo retrovisor. -Que sorte nós três demos. Eu nunca tinha imaginado que veria uma coisa dessas com meus próprios olhos.

-Quê coisa? -Claire estava confusa. -Você sabe o quê era aquilo?

A mulher olhou em volta outra vez, paranoica.

-Tem muita gente que não vai acreditar no quê a gente viu ali. Mas acreditem em mim, aquele cara era um vampiro.

Claire, confusa se encostou no assento do carro.

-Certo. Não tem como não acreditar no quê eu vi ali. O quê vamos fazer?

-Vou levar vocês para uma delegacia. Por favor, confiem em mim. Não tem ninguém que vá acreditar nisso além das autoridades.

Eles chegaram na delegacia rapidamente.

A mulher freou o carro e desceu correndo. Ela abriu a porta e os dois saíram. Alguns policiais já estavam ali fora. A mulher parecia estar em pânico falando. Eles três entraram.

Lá dentro, alguns policiais tentavam acalmar ela. Tristan estava catatônico. Ele acompanhou os policiais, sem falar nada. Ele não conseguia falar nada.

Os policiais pararam quando a mulher disse o quê aconteceu.

Um policial se aproximou deles.

-Vamos esperar os três se acalmarem e então vamos ver com calma. Se é mesmo, então estamos com sérios problemas.

Um outro policial se aproximou.

-Vamos ter que proteger estas crianças. Veremos se o suspeito tentará ir atrás delas.

Um dos dois se aproximou de Tristan. Ele se abaixou e estalou os dedos na frente dos olhos do menino.

-Ele está confuso demais.

O outro foi até Claire.

-Como era o suspeito?

Claire o descreveu.

O policial respirou fundo.

-A mulher disse a mesma coisa. Parece que as descrições batem. Vamos até o local averiguar a situação.

-NÃO -Tristan berrou.

-Ei, calma! -Um dos policiais foi até ele. -Nós vamos pegar aquele safado. Não se preocupe, ele não vai vir até aqui. Nós vamos dar um fim nele.

Outro policial apareceu ali.

-O quê está acontecendo aqui, Oficial? -Ele impunha ordem no policial somente falando.

-Delegado, desculpe. Esses três vieram aqui em pânico dizendo que foram atacados por um vampiro.

O delegado foi até Tristan.

-Consegue falar, moleque?

Tristan olhou para ele.

-Boca enorme... Dentes enormes... Vermelho...

Ele começou a chorar e repetir aquelas palavras, junto com "gato", "cachorro" e "faíscas".

-Certo, vamos ter que encaminhar ele para um hospital. As outras duas vão para o interrogatório.

Tristan ouviu quando um dos policiais chegou perto do delegado e falou baixo para ele.

-Senhor, parece que as descrições deles batem com o dos registros. É realmente um ataque de vampiro.

O delegado olhou, irritado para ele.

-Contatem algum herói. Vamos atrás do inseto que está causando isso.

Isso?

O policial correu. O delegado se virou para Tristan.

-Fique tranquilo. Nós já sabemos como resolver isso. Nós mesmos vamos acabar com aquele vampiro. Quando voltar, quero conversar com você.

Ele foi embora. Tristan, sozinho, ficou ali sentado numa cadeira na sala de espera.

E ali, ele repassou múltiplas vezes o acontecimento. Aquilo era real? Era um pesadelo?

Ele havia ouvido algumas pessoas falando sobre vampiros antes. Mas será que eram reais? Será que agora ele teria paz?

Ele ficou ali, em choque, por umas boas horas.

Tristan esteve realmente cara a cara com a morte naquele dia. E a morte tinha uma face assustadora.