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Chapter 3 - Capítulo II - Sonho sombrio

A escuridão começou a desaparecer à medida em que Ismael recuperou sua consciência. Por algum motivo, ele já estava em pé. Nem sequer parecia que um relâmpago quase havia o atingido.

Ainda mais anormal que isto, era o local onde o jovem havia acordado. Os prédios de sua cidade natal tinham sumido. Os céus eram mais escuros, e eram de cor laranja ao invés do habitual azul.A terra onde seus pés pisavam era uma espécie de areia bege, e ela se estendia até o fim do horizonte, formando um gigantesco deserto.

O ambiente não se assemelhava com nada existente na Terra. O adolescente podia sentir que onde quer que estivesse, era bem longe de sua casa.

— Que lugar é esse? — Ele perguntou a si mesmo em seus pensamentos. Foi quando notou que não estava dominando seu próprio corpo. Suas ações eram ditadas por alguma outra coisa, mas sua mente podia processar e ver tudo que estava acontecendo, como se ele fosse um espectador.

— Isso só pode ser um sonho. — Se fosse realmente, era o mais lúcido e real que ele teve até então. Seu corpo caminhava em direção a um penhasco, que ficava logo após uma duna. Ao longo do trajeto, ele sentiu sua mente ser inundada com sentidos completamente novos.

— O que é isso? Que sensações são essas!? Merda, minha cabeça! — Mesmo sem seu controle físico, a torrente de informações que passava por sua mente lhe causou uma sensação dolorosa horrenda, como se fosse uma forte enxaqueca. A dor persistiu até que ele chegou na beira do precipício, onde se podia ver uma gigantesca cidade em chamas.

Era um panorama perturbador. Mesmo com sua percepção afetada, Ismael estava com sentidos muito mais aguçados do que um humano normal, e ele pode ver multidões de seres mortos. Não eram humanos, mas sem dúvidas seres vivos. Seu sangue corria pelas ruas, pelas ruínas das construções, até o ponto de formar pequenos rios nas avenidas maiores. As vítimas haviam sido assassinadas brutalmente, e os pedaços de seus corpos estavam espalhados por toda a região.

— Meu Deus... isso não pode ser verdade. — Ismael ficou aterrorizado com a vista, mas não podia parar de olhar, pois suas ações não estavam sob seu controle. Depois de alguns segundos fitando a civilização extinta em sua frente, o foco de sua visão se desviou, até que ele pode focar em três pessoas que estavam à sua direita.

Três mulheres estavam ao seu lado direito, contemplando a mesma coisa que o adolescente estava vendo a poucos segundos atrás. Eram belas adultas maduras cujas vestes consistiam numa esquisita peça única de roupa negra, com várias linhas que emitiam uma luz vermelha brilhante ao longo da superfície do tecido. O que mais o surpreendeu, no entanto, foram seus rostos.

Eram rostos extremamente semelhantes aos de Vivian, Gabrielle e Ana, mas adultos, com a única diferença significante sendo seus cabelos. Todas elas tinham cabelos vermelho escarlate, como o sangue humano, e a expressão em suas faces era de uma frieza desumana.

— Quem… quem são vocês? — Quanto mais olhava para aqueles rostos, mais sensação de sobrecarga na mente do espectador aumentava.

— Não. Pare! Chega disso!! — Ele gritou em sua mente, enquanto a cidade destruída retornou para seu campo de visão e sua mão foi apontada para baixo. Neste momento, Ismael pode escutar a voz do ser que sua consciência assistia.

— Nossa missão foi concluída com sucesso. Agora podemos apagar esta dimensão. — Uma bizarra energia correu através de seu braço e se condensou na palma da mão estendida. Ainda que estivesse confuso, o jovem foi capaz de perceber que aquele poder quase imensurável podia de fato varrer da existência tudo que existia em sua frente.

— Não! Você vai destruir tudo!! Pare!! — Os gritos foram em vão. A energia foi disparada em direção à metrópole arruinada. Após um forte clarão, Ismael finalmente acordou, quase saltando de sua cama no processo.

Misteriosamente, o estudante agora estava em casa, e era de madrugada. Ele se sentou, trêmulo e com a cabeça terrivelmente dolorida. Suas memórias da cena em que ele matou três pessoas voltaram a aparecer como flashbacks. O garoto chorou amargamente.

O pesadelo não foi visto somente por ele. Vivian, Gabrielle e Ana, acordaram ao mesmo tempo e entraram em contato umas com as outras por meio de seus celulares. O trio compartilhou o que haviam acabado de testemunhar e perceberam que t

— Gente, o que está acontecendo? Esse sonho, o assalto, eu estou assustada. Não tem nada no meu ombro mais! Não estou machucada! — Vivian escreveu no chat de grupo de seu aplicativo.

— Vivian, o assalto realmente aconteceu. Eu vi você levar o tiro na minha frente. Não tem como simplesmente ter sumido. — Gabrielle a respondeu. Ana começou a digitar.

— Mas se a gente apareceu em casa do nada, estarmos ilesas não é o mais surpreendente. — A conversa continuou enquanto investigavam na internet evidências do evento recente. Foi quando observaram que já havia se passado um dia inteiro desde o encontro entre eles. Não só isso, mas não havia sequer um artigo nos jornais locais falando sobre qualquer acontecimento incomum.

Finalmente, as três se cansaram. A própria natureza da situação já as deixou exausta e elas encerraram a conversa para tentar dormir e esfriar suas cabeças.

Traumatizadas e num clima ruim, as garotas não voltaram a se falar, e permaneceram deprimidas por dias, gradualmente voltando às suas atividades normais. A medida que retornaram ao seu dia-a-dia, mais situações inusitadas voltaram a ocorrer.

Vivian começou a produzir faíscas a partir de estalos de seus dedos, Ana descobriu que podia moldar pedras sólidas com as próprias mãos e Gabrielle aprendeu a manipular a água à sua vontade em pequenas escalas. Ismael não voltou a se comunicar com nenhuma delas durante este tempo.

Eventualmente, as férias acabaram. As amigas, que não se viam há duas semanas se encontraram no portão da escola. A surpresa dos poderes que elas haviam desenvolvido era tanta que elas se esqueceram do clima estranho que se formou após sua última conversa.

— Fogo, terra, água. E além disso, nós três conseguimos enxergar coisas estranhas. Eu consigo ver o calor nas coisas, mesmo que só um pouco, a Gabi consegue estender seu tato pela água e de maneira semelhante, Ana pode sentir através das rochas. Seguindo essa lógica, cada um de nós controla um elemento básico, pode ser que o Ismael tem o poder do ar. — Vivian disse para suas colegas, que estavam sentadas ao seu lado.

— Mas ele não deu notícia desde então. Não sabemos o que aconteceu com ele. — Ana expôs. A ausência do jovem causou grande preocupação em suas colegas, que queriam ao menos algum sinal de que ele estava bem. O sinal do início das aulas tocou, e logo em seguida, ele surgiu pelo portão. As garotas já haviam subido para suas salas, e Ismael fez o mesmo, se encontrando com Gabrielle, que era sua colega de turma.

Ambos não conversaram até o horário de educação física. O semblante de Ismael demonstrava claramente que ele não estava em uma boa situação, o que fez alguns de seus amigos perguntarem a respeito. A desculpa que ele encontrou era que ele teve um surto psicótico durante as férias. Após despistá-los, ele saiu da sala, aguardando o sinal do intervalo. Foi então que Gabrielle se aproximou para conversar.

A princípio, ela não sabia ao certo o que dizer. O garoto que ela conhecia era bem mais animado do que ela via. Uma pessoa brincalhona e gentil. Agora, ele estava com olheiras profundas, olhos cansados e pele pálida. A aparência depressiva era irreconhecível,e persistia mesmo após ele iniciar seu tratamento com medicamentos.

— Oi. Já não conversamos... já não conversamos há um tempo. — Gabi quebrou o silêncio, receosa.

— Oi. É verdade. — Ismael respondeu friamente. A menina mal havia começado a conversa e ela já havia perdido suas palavras. Após quase um minuto de silêncio, novamente ela desfez o gelo.

— Não sei se você vai acreditar. Nós três, eu, a Vivian e a Ana, descobrimos algo. Parece que estamos ganhando poderes. — A expressão do estudante se alterou um pouco com curiosidade. Sua amiga o explicou a situação em relação aos poderes que o grupo desenvolveu no final das férias, e Ismael confirmou a hipótese de Vivian ao revelar que descobriu ser capaz de sentir e manipular o ar ao seu redor.

Ambos decidiram que iriam se reunir com o resto de seu grupo para discutir sobre o que havia acontecido, e também para que o garoto pudesse demonstrar seus poderes e explicar como os obteve. Depois disso, a dupla seguiu para a próxima aula, que aconteceria na quadra da escola.

Quando chegaram no local, repararam na presença de uma pessoa nova, um grande homem de mais de um metro e noventa, cabelos brancos lisos e pele extremamente branca. Uma sensação estranha tomou conta dos dois alunos, que caminharam até ele para se apresentar.

— Você é o professor novo, certo? Meu nome é Ismael. — Ele foi o primeiro a se apresentar.

— Sim. Meu nome é James. É um prazer. Como estamos voltando das férias agora, vou deixar a aula de hoje como livre. — Ele estendeu sua mão e cumprimentou o menino, que sentiu uma força estranha que emanava de seu corpo ao tocá-lo. O mesmo aconteceu com Gabrielle logo em seguida.

Durante a aula, mais coisas estranhas voltaram a acontecer. Ismael participou de um jogo de queimada, e teve uma partida na qual jogou muito melhor que de costume, ao ponto de que reclamaram de seus saques, que estavam fortes demais.

Já no recreio, os quatro se reuniram e compartilharam suas experiências. Ana e Vivian tiveram seu horário de educação física com o mesmo professor em seguida, e fizeram o mesmo que Ismael, tendo resultados semelhantes em seu experimento. Além de agora possuírem poderes elementais, seus corpos estavam mudando misteriosamente.

Todos tentaram investigar a sua maneira como utilizar melhor suas novas habilidades à sua maneira com o passar do tempo. Dois dias após o retorno das aulas, Ana estava em sua cama à noite, lendo um livro emprestado enquanto permanecia pensativa sobre a inesperada situação em que se encontrava.

— Cara, o que que eu vou fazer com esses poderes? — A adolescente perguntou para si mesma. De os membros do quarteto, era a que estava mais empolgada com a ideia de ser uma super humana.

Após gastar um bom tempo lendo a obra literária em suas mãos, ela se cansou e guardou o livro. Antes de se preparar para dormir, ela olhou pela janela, e notou que uma forte chuva parecia se aproximar. As memórias do traumático acontecimento de semanas atrás continuavam frescas, o que a fez fechar as cortinas de seu quarto para não se lembrar.

As luzes foram apagadas e a garota se deitou novamente, mas algo lhe incomodava. Por não saber se controlar bem, seus sentidos ainda estavam muito aguçados, e ela percebeu que algo estava errado, pois o chão parecia vibrar, de maneira imperceptível para um humano comum. Era a vibração de passos pesados demais para uma pessoa normal.

Ana saiu de seu leito, relutante, e tomou a atitude de ir até a porta e cuidadosamente abri-la para olhar o que havia do lado de fora, no corredor ao lado de seu quarto. Não havia nada fora do normal. Ela saiu de seu cômodo e foi até a cozinha para beber água e se acalmar. Achou que estava imaginando coisas.

A chuva já caía forte do lado de fora da casa, e os raios eram frequentes. A sensação de uma presença ficou cada vez mais forte, o que deixou Ana ansiosa. Foi então que ela escutou um ruído abominável que parecia ser a mistura da voz de múltiplas criaturas.

Hesitante, a garota lentamente se virou para ver o que estava atrás dela. Era um monstro horrendo, com quase dois metros de altura que se assemelhava a um minotauro. Seu corpo era coberto por pelos negros, seus olhos, completamente brancos, sua cabeça possuía um par de chifres de como os de um bode e seu rosto se assemelhava a face de um humano, desfigurada pela raiva.

A terrível surpresa foi recebida com um grito da adolescente, e a criatura imediatamente fez uma investida para tentar agarrá-la. Ela foi capaz de desviar ao se lançar para o lado e sair do caminho, fazendo o desajeitado monstro chocar seus chifres contra a parede, prendendo-a por um precioso segundo que permitiu Ana pegar uma longa faca que estava no escorredor de talheres.

O desespero e medo a tornaram incapaz de apunhalar aquele ser, que rapidamente se libertou e voltou a perseguir a estudante, que correu em direção ao seu quarto e o trancou.

— Meu Deus! Meu Deus! O que é aquilo!? Pai!! Mãe!! — Por mais que ela gritasse, seus responsáveis não a escutaram. Eles estavam dormindo num sono profundo, presos a um estado ilusório feito pela criatura presente na casa.

Para se isolar, a menina tentou arrastar os móveis de seu quarto para a porta, mas antes que conseguisse fazê-lo, o demônio arrebentou a porta com mais uma investida, quebrando-a ao meio.

Ana gritou novamente e correu para o canto de seu quarto, com sua faca apontada para aquele que havia a encurralado.

— Não... não me mate, por favor! — Em pânico, a garota suplicou. O ser diante dela obviamente não deu ouvidos a tal pedido, e avançou em sua direção rapidamente, com sua boca se abrindo, mostrando dentes afiados como navalhas prontas para mordê-la.

— Socorro!! — Seus olhos se fecharam. Ela aguardou o momento em que seria atacada, o que não aconteceu. Pelo contrário, ela escutou um bizarro grito de dor do monstro.

Ao abrir seus olhos novamente, ela viu algo descomunal. Uma espécie de lâmina transparente havia perfurado o peitoral da coisa.

— Chega disso, demônio asqueroso. — Um homem estava por trás do ser, segurando uma espécie de espada vermelha, que havia atravessado o corpo de seu oponente. Ana o reconheceu imediatamente; Era o novo professor da escola.

Ele puxou a arma branca de dentro da agressiva criatura, que se virou imediatamente para tentar se defender, mas James foi muito mais rápido. Num eficiente movimento, ele balançou a espada acima de sua cabeça e desferiu um corte que cravou a lâmina em seu crânio. Em seguida, uma espécie de aura vermelha seu corpo, e a energia dela foi transmitida pela espada até a cabeça do inimigo.

Em seguida, a espada desapareceu, e o monstro cambaleou pelo quarto enquanto sua pele começava a rachar,igual à uma casca, até que todo seu ser se desfez em um monte de poeira, que desapareceu completamente em questão de segundos.

— Menos um. Se eu tivesse chegado aqui mais cedo, teria sido melhor. — James disse, e então se virou para encarar sua aluna que havia acabado de salvar.

— Professor? É-é você mesmo? — Ana perguntou, em choque e com sua respiração pesada. A faca que estava em suas mãos escorregou e caiu na cama.

— Sim, sou eu. Não imaginava que você seria atacada por um demônio tão cedo. Me desculpe por chegar tarde. — A confusão não a permitiu processar bem a fala daquele que estava em sua frente agora.

— Quem... quem é você afinal? — Ela perguntou depois de algum tempo quieta, tentando se acalmar na medida do possível.

— Meu nome é James Merlin e eu sou um dos diretores da Academia Celestial dos Magos.