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Chapter 2 - Capítulo I - Despertar perturbador

— Droga, tenho que correr para pegar o ônibus. Vou nessa pai, mãe. Tchau! — O adolescente disse, enquanto saia de sua casa, quase que correndo. Era um garoto de estatura mediana, com um pouco mais de um e setenta de altura, cabelos castanhos crespos e com um semblante que se encaixava bem no estereótipo de nerd.

Enquanto caminhava em direção ao ponto de ônibus, seus dedos percorriam a tela de seu celular para fazer uma ligação. Após alguns segundos discando, ele foi atendido.

— Ismael? — A voz feminina pronunciou o nome do jovem antes que ele pudesse falar. Ismael Alves Rodrigues era um estudante de 15 anos de idade no seu primeiro ano do ensino médio, uma pessoa comum.

— Oi Vivian. Eu já estou indo para o ponto. E você? — Ele perguntou para a garota, chamada Vivian Isabele, de 14 anos, pele morena e cabelo cacheado curto.

— Já tó com a Gabrielle no ônibus. Também conversei com a Ana e ela já está vindo. — Ela estava sentada ao lado de sua amiga de longa data, Gabrielle Souza, de 15 anos, longos cabelos castanho claro e pele pálida. A outra pessoa mencionada era Ana Clara, uma garota de pele escura, longos cabelos negros e com a mesma estatura que Vivian.

O quarteto era um grupo de amigos que se reuniu ao longo do ano de maneira espontânea na escola, e rapidamente criaram fortes laços de amizade. Por ser a época de férias, os quatro combinaram de ir ao cinema durante o final da tarde para ver um filme que havia recentemente entrado em estreia.

— Certo. Se Deus quizer a gente chega junto. - Ismael respondeu, num tom animado.

— Beleza. Te vemos lá! —A chamada entre os dois foi encerrada. Alguns minutos mais tarde, Ismael já estava em seu ônibus. Logo que arranjou seu assento, ele notou algo diferente do comum ao olhar pela janela, nuvens carregadas em pleno inverno, a época seca do ano. O estudante puxou seu smartphone do bolso e verificou a data, que era 17 de Julho de 2015.

— Isso não tava na previsão. Bem, que seja. Pelo menos esse ano não vamos ter uma estiagem prolongada. — Ele pensou, enquanto desviava seus pensamentos para outros assuntos.

Mais tarde no mesmo dia, os quatro se encontraram para assistir a sessão, num shopping no centro da cidade. Após o evento, eles foram até a área de alimentação para comer, e em seguida se dirigiram para a saída, quando já era de noite.

— Nem lembro a ultima vez que comi que eu não comia um hamburgão. Que dia! — Vivian celebrava ao passo que caminhava alegremente.

— Realmente, curtimos muito. — Ana comentou, seguindo sua parceira. Após alguns minutos andando, o grupo chegou na saída do local, onde foi surpreendido pelo tempo chuvoso.

— Caramba. Não pensei que iria chover tanto. — Ismael reclamou. As garotas do grupo rapidamente pegaram suas sombrinhas que estavam guardadas nas suas bolsas.

— Podemos te levar para o seu ponto de ônibus aqui perto e ir embora depois. — Gabrielle disse, enquanto Ana se aproximou e o cobriu. O jovem agradeceu suas amigas e pegou a sombrinha da colega que havia o coberto, já que ele era mais alto.

Assim que deram os primeiros passos para fora, Vivian percebeu algo anormal. Mesmo com a chuva, o quarteirão comercial que costumava ter bastante movimento ao longo de todo o dia e noite estava praticamente deserto.

— Caramba. Não tem ninguém na rua. — Ela comentou, observando o lado de fora. Mesmo diante da estranha situação, os estudantes seguiram seu rumo. A medida que caminhavam, o grupo podia sentir uma sensação anormal. A precipitação estava cada vez mais pesada. Trovoadas distantes estavam ficando mais próximas e o frio se tornava mais intenso.

— Tem certeza que foi uma boa ideia termos saído do Shopping tão rápido? — Ismael perguntou ao resto do grupo.

— Acho que não. Isso já tá virando um temporal. — Vivian o respondeu. Neste momento, algo chamou a atenção de Gabrielle. Com menos de três minutos caminhando no local vazio,ela avistou alguns desconhecidos. Eram três indivíduos que apareceram repentinamente, dois que saíram de um carro estacionado no outro lado da rua, enquanto um terceiro andava diretamente em direção ao grupo, estando um pouco mais a frente na calçada.

A garota os observou atentamente, e não demorou a notar que a dupla estava vigiando o local, inclusive os adolescentes que passavam diante deles. Gabrielle se aproximou de Vivian e cochichou:

— Ei, aqueles caras estranhos não estão olhando demais para a gente? — A menina dos cabelos cacheados rapidamente verificou e constatou o que sua amiga tinha visto, e não demorou muito para o resto da trupe notar que algo estava errado e parar de andar.

— Ladrões? Não é possível. — Ismael disse em voz baixa, já se sentindo amedrontado com a situação. As garotas do grupo se sentiram intimidadas pelas presenças que se aproximavam, mas Vivian tentou manter sua compostura e deu meia volta.

— Vamos sair daqui. ��� Ela disse, ao passo que caminhava rapidamente no sentido contrário, tentando voltar para o Shopping de onde havia saído a alguns minutos atrás. Os outros a seguiram, e enquanto o faziam, Ana observou de relance que os suspeitos os perseguiam.

— Eles estão nos seguindo mesmo! — Ela avisou a sua amiga, que tinha tomado a dianteira do quarteto, e após receber esta informação, observou se havia algum prédio com recepção aberta para se abrigar em segurança. A situação se tornou ainda mais bizarra no momento em que ela notou que mesmo as lojas pareciam estar vazias ou fechadas.

— Por que todas as lojas estão sem ninguém? Não estava assim quando chegamos aqui! — Vivian disse, frustrada. Os perseguidores já estavam próximos, o que fez os sentimentos de medo e perigo tomar conta do grupo, levando a garota que estava na vanguarda a dar uma direção errada ao grupo, fazendo-os entrar em um beco sem saída ao tentar desesperadamente buscar alguma rota de fuga.

O arrependimento foi imediato, novamente ela mudou a direção de seus passos e tentou sair do beco o mais rápido possível, mas o grupo foi parado por um homem jovem, de camisa amarela e que parecia não se importar muito com a chuva. Era um daqueles que os seguiam.

Controlado pelo medo, Ismael se escondeu atrás de um container de lixo e cobriu sua cabeça entre seus braços após agachar, enquanto as três garotas se afastaram do homem à medida que este tentava se aproximar. Os outros dois comparsas chegaram, um de blusa regata branca e outro com blusa moleton preta. Ambos estavam com seus rostos cobertos com panos, e exibiam em suas cinturas revólveres calibre 38. Eram todos adultos com menos de 25 anos de idade.

O garoto sentiu o peso da própria covardia em sua consciência.

— Por que eu sempre perco o controle nessas horas!? Eu sempre fugi, sempre fugi quando eu não deveria! — De fato, sempre quando ele se encontrava em situações onde podia ser oprimido, o medo o paralisava inconscientemente. Mesmo que sua mente tivesse convicção de que o temor não passava de uma ilusão, seu corpo não o obedecia, e reagia por puro impulso. Ele sempre odiou o lado amedrontado de seu caráter, ainda mais neste momento, em que era necessário coragem e prudência para agir.

A este ponto, o vento uivava entre os prédios, e a chuva caía pesada. Raios atingiam o topo dos prédios ao redor.

O homem de blusa amarela, desarmado, avançou em direção à Vivian e Gabrielle, olhando para suas bolsas, enquanto os que estavam atrás dele colocavam suas armas em mãos, sem apontar para ninguém em especial.

— Perdeu! Passa a bolsa! — O bandido ordenou em tom agressivo, ao mesmo tempo que se dirigiu para tomar a bolsa de Gabrielle, que já havia tirado-a dos braços. Assim que ele a arrancou de suas mãos, ele desferiu um tapa em seu rosto, sem qualquer motivo.

Vivian se revoltou com a bruta e injustificada ação do meliante, e entrou na frente de sua amiga, tomada pela raiva.

— Seu desgraçado! Ela não fez nada com você! — Ela avançou e agarrou a bolsa, surpreendendo o bandido. Ana se afastou ainda mais, assustada com a escalada da situação. Após se recuperar do súbito ataque, Gabrielle notou que a reação de ambos em sua frente poderia resultar em algo muito ruim. Ela agarrou sua defensora e tentou puxá-la para a longe do homem.

— Vivian pelo amor de Deus se acalma! — O comparsa de camisa branca se aproximou, ao ver seu colega sendo pressionado, mas as mãos do de camisa amarela escorregaram no couro da bolsa, permitindo que as duas garotas recuperassem o pertence roubado. A ação irritou profundamente os ladrões, que já estavam nervosos com a situação de perigo. Com os nervos à flor da pele, o jovem de branco apontou sua arma de fogo em direção à furiosa estudante.

Vendo aquilo, Gabrielle se desesperou. O pensamento de ver uma de suas melhores amigas ser baleada bem diante dela foi perturbador demais para que ela não fizesse nada. Antes que pudesse pensar, ela se atirou contra o assaltante armado, empurrando-o para que sua mira não permanecesse contra sua parceira. As pernas de Ana perderam as forças devido ao quão apavorada estava.

O grupo desfez completamente sua formação e avançou para tomar todos os pertences possíveis antes de iniciar sua fuga. O bandido armado que não havia se envolvido na confusão até então tomou a bolsa de Ana sem qualquer resistência, mas a situação com as outras jovens estava fugindo do controle.

— Porra! Vou matar vocês, suas putas! — O sangue subiu a cabeça do camisa branca, que apontou sua arma contra Gabrielle, a vítima mais próxima. Antecipando o que estava prestes a acontecer, Vivian empurrou-a para o lado.

O disparo ecoou pelo beco. Gabrielle e Ana gritaram em pânico ao verem a companheira cair no chão. A mente de Ismael se esmigalhava ,ainda procurando alguma forma de ser útil, mas seu corpo estava totalmente paralisado. Ele também sabia que os assaltantes não haviam esquecido de sua presença, já que a todo o momento, o camisa preta vigiava onde ele se escondia, aguardando a melhor oportunidade para abordá-lo.

Gabrielle se prostrou ao lado de Vivian, jogando para o lado a sombrinha que ambas já haviam deixado cair. Sua expressão se retorcia com a dor.

— Vivian!! — A garota de cabelos claros gritou em pânico. Um pouco de sangue manchou um pequeno buraco no ombro da menina que estava ferida.

— ... Gabi, você tá bem? — Assim que fez a pergunta, ela deixou sair um grunhido de dor. A reação exagerada fez com que os fora-da-lei iniciaram uma discussão acalorada.

— Seu retardado! Não precisava atirar! — O camisa preta reclamou, sendo o que aparentava estar mais calmo entre eles.

— E-essa maldita não ficava quieta! — Retrucou o camisa branca, que estava num frenesi de agressividade, estranho até mesmo seus comparsas.

— Não, chega disso. Vamos só pegar o que está faltando e vazar daqui! — Ansioso para fugir, camisa amarela pediu para o resto do grupo. Seu parceiro, tomado de cólera, o fitou com um olhar de intenso ódio.

— Nem pensar! Vou dar o troco nessas vadias, começando pela loirinha ai! — Seus comparsas imediatamente trocaram olhares. A intenção maléfica da frase era bem clara, e eles se recusaram a acreditar uma sugestão tão bárbara havia sequer sido feita.

As garotas estremeceram com as palavras que saíram da boca do rapaz, que certamente não estava agindo de maneira normal. Escutando aquilo, uma torrente de raiva inundou a mente de Ismael, misturando-se com seu incontrolável medo num turbilhão de sentimentos que começaram a destroçar sua mente.

— Não! Tá louco!? — Nenhum dos dois ladrões estavam dispostos a fazer a loucura que seu comparsa havia sugerido, e eles estavam prestes a arrastá-lo para fora do local.

O garoto que ainda estava escondido, olhou para suas mãos, enquanto uma mistura de sentimentos horríveis fluíram descontroladamente por sua consciência. Sua visão escureceu junto com sua consciência.

Antes que os assaltantes pudessem reprimir o membro fora de controle do seu grupo, um estrondo metálico passou pelo ouvido de todos presentes naquele beco, seguido de um súbito vendaval. Outro estrondo veio do outro lado da rua, alguns metros de onde os eventos estavam ocorrendo.

O container de lixo onde o garoto amedrontado havia antes se escondido, foi lançado até o lado oposto da rua, colidindo contra prédio naquele local. A escuridão não podia disfarçar as várias marcas de sangue na parede e uma poça do líquido vermelho que começou a se formar na calçada. Um dos bandidos havia sido morto.

Todos viram com seus próprios olhos aquele que havia feito tal coisa; Ismael, que ainda estava numa postura como se tivesse acabado de chutar algo. Os ladrões ficaram sem palavras, aterrorizados e se sentindo encurralados por algo terrível.

As garotas tiveram uma reação diferente. A sensaç��o que passou por seus corações era de fato, muito pior, ao ponto que não moviam sequer um músculo. Não era uma sensação de medo, pânico ou terror comum. Era como se fosse uma nostalgia aterradora.

— Ismael... o que é você? — Vivian disse em voz baixa, se esquecendo da forte dor em seu braço, enquanto tentava olhar para seus olhos, cobertos pela sombra de um poste. Estes antes castanhos, se transformaram em orbes completamente negras. Sua expressão estava neutra, e seu corpo emanava uma espécie de névoa escura, densa, com alguns feixes vermelho carmesim.

— O que é essa sensação? Meu coração tá apertado. Por que? — Vivian pensou no breve instante em que conseguiu refletir sobre o que estava ocorrendo.

— É um monstro!! — Um dos fora-da-lei gritou. Ele e seu companheiro começaram a correr em pânico. Mas era tarde demais. O adolescente fora de controle disparou em direção a eles, correndo mais rápido do que era humanamente possível. Antes que 2 segundos inteiros se passassem, ele já havia os alcançado.

No seu último momento vivo, o homem de camisa amarela pode ver os olhos de seu ceifador cara a cara. Ismael enterrou seu punho direito no lado esquerdo de seu torso sem nenhuma hesitação. A força do impacto foi avassaladora. Suas costelas foram despedaçadas junto de seus órgãos internos. O coração imediatamente parou, e o golpe o lançou metros no ar, com seu corpo somente parando após colidir sua cabeça contra uma árvore plantada ao lado da rua.

Sem sequer dar um segundo para que o ladrão que havia sobrado reagir, Ismael se virou e agarrou-o pelo pescoço, e o levantou no ar sem esforço algum. Em seguida, sua mão começou a se fechar na garganta que estava segurando, com seus dedos perfurando a pele da terceira vítima, até que finalmente se escutou um alto estalo.

A pressão do aperto quebrou o pescoço do jovem, que perdeu para sempre sua consciência poucos segundos depois. Um raio caiu no prédio ao lado, e seu barulho pareceu acordar Ismael de seu trance. A aura negra que o encobria desapareceu, e seus olhos voltaram a sua cor normal.

Imediatamente, ele soltou o corpo sem vida que estava segurando, e olhou ao seu redor. Ainda não havia ninguém, a não ser suas amigas, aterrorizadas com o que haviam testemunhado, e as evidências do massacre que acontecera ali. O garoto notou que suas mãos estavam cheias de sangue, e então ele percebeu.

Seu olhar se voltou para as três meninas que estavam paralisadas.

— O que... o que foi que eu fiz? — Expressão delas exclamava a resposta óbvia para Ismael. Ele havia matado cada um deles com suas próprias mãos. Um pesado sentimento de culpa e remorso tomou conta do garoto, que se entristeceu.

Não era como ele esperava. A raiva não trouxe para ele o poder para defender e fazer justiça. O poder que ele ganhou, trouxe destruição.

— Eu não queria isso. Eu só queria salvar vocês...que droga!! — Ele gritou sozinho.

Gabrielle, Vivian e Ana não haviam notado, nem estavam reagindo de maneira diferente, mas seus olhos também haviam se tornado negros por um momento, antes de retornarem as suas cores normais gradualmente depois que o jovem recobrou a consciência. E a medida que isto aconteceu, uma fraca luz, quase imperceptível começou a ser emanada dos corpos dos quatro.

Cada um deles emanou uma cor diferente. Ana era verde, Gabrielle era azul, Vivian era vermelho e Ismael era violeta. Isto não passou despercebido pelos olhos do garoto que estava de pé.

— ...Seus corpos estão brilhando? — Outro relâmpago partiu os céus, mas ao contrário das descargas elétricas naturais, este caiu bem atrás de Ismael, no meio da rua, e em seguida uma onda de choque o atirou de volta para o beco, fazendo-o cair no chão. Logo após o verem a luz do raio, os quatro perderam completamente a consciência.