Ren manteve a cabeça erguida enquanto descia do altar.
Seus pais haviam vendido tudo por este momento. Trabalhado em turnos duplos. Ele não daria a esses pirralhos o prazer de vê-lo chorar.
A ligação do contrato estabeleceu-se com um lampejo tão fraco que mal iluminou seu pulso.
Sua besta agora lhe garantia um aumento de 10% na força física.
Isso era tudo.
Para um garoto magricela como ele, significava talvez carregar mais um pequeno balde de água ou aguentar alguns minutos extras no campo.
Outras crianças recebiam a habilidade de manipular elementos, aumentos maciços de velocidade ou resistência, ou até habilidades de cura.
Cada criatura, da mais comum à mais rara, concedia poder ao seu invocador. Era uma lei fundamental do contrato.
Ron grunhiu enquanto escamas carmesim surgiam em seus braços, suas unhas se endureciam em garras avermelhadas. Seus caninos se alongaram, transformando-se em presas afiadas, e um brilho dourado apareceu em suas pupilas.
A Salamandra não apenas lhe concedeu controle sobre o fogo e um aumento de 40% em sua força, como o próprio corpo estava se adaptando. Sua resistência, velocidade e reflexos aumentariam em 20%, e com cada evolução, esses números dobrariam.
Até que a salamandra alcançasse Segundo grau Prata, Ron teria triplo da força de um humano normal, um aumento de 200%, 100% em todos os atributos, mais resistência aumentada e seus poderes de fogo.
Mesmo uma simples planta, o que Ren havia esperado obter, teria providenciado um aumento de 20% em vitalidade como seu efeito primário, além de um impulso de 10% em todos os atributos que poderiam chegar a 30% ou 40% com o cultivo apropriado.
Mas o esporo...
"Patético," alguém murmurou na multidão. "É a única conhecida besta que não concede nenhum poder base. Apenas esse mísero aumento de 10% na força física."
Ren permaneceu parado, preso por protocolo para testemunhar o restante da cerimônia. Cada nova invocação era outro lembrete de seu fracasso.
Uma águia do vento que realçava os reflexos de seu mestre. Um urso da terra que dobrava a resistência física. Uma raposa mística que melhorava percepção e sentidos.
E então, a última invocadora subiu ao altar.
Luna Trançaceleste. Seus cabelos azuis caíam sobre seus ombros como uma cascata enquanto ela colocava seu ovo negro no pedestal.
Um dos mais caros.
O templo inteiro segurava o fôlego.
O trinco que apareceu no ovo era como um relâmpago na noite. De dentro emergiu um lobo sombrio, seus olhos cintilando com poder ancestral.
A aura que envolvia Luna era quase cegante, multiplicando velocidade, aguçando sentidos, e o dom de manipular vários tipos de magia elemental.
Aumentos de 500% ou 1000% não eram impossíveis com aquela criatura.
"Uma besta com potencial Ouro!" A voz do Mestre de Cerimônia tremia com emoção. "Extraordinário! Menos de 1% de probabilidade até mesmo em um ovo preto de alta qualidade."
Ren assistiu ao lobo se curvar perante Luna, selando um contrato que a elevaria acima de quase todos na cidade.
♢♢♢♢
Por todo o templo, as transformações se manifestavam.
Quase todas as crianças as recebiam com felicidade. Era o momento pelo qual esperaram a vida inteira.
A fraqueza que sentiram nos últimos anos devido ao envenenamento por mana transformou-se em uma sensação de êxtase e poder.
O menino da águia desenvolveu marcações prateadas na pele e seus olhos ficaram mais aguçados. A garota com a raposa mística viu seus sentidos se ampliarem enquanto marcas avermelhadas apareciam em suas bochechas.
Cada transformação era única, poderosa, um símbolo de seu novo status.
Quase todas, exceto a de Ren...
Seu esporo seria o símbolo de que seu status agora era o mais baixo.
Pelo menos, pensou com amarga ironia, não pode piorar do que isto.
Ele não fazia ideia de quão errado estava.
Então, chegou sua vez de se transformar.
O esporo simplesmente... se dissolveu. Derreteu em sua pele sem o menor espetáculo, e por um momento, nada aconteceu.
Então, pequenos cogumelos luminescentes começaram a brotar de seu couro cabeludo, como minusculos cogumelos brilhantes entre seus cabelos.
A risada foi instantânea.
"Olha! Ele está apodrecendo!"
"Ei, Patinder! São cogumelos na sua cabeça ou pequenos pêni... "
"Silêncio!" O Mestre de Cerimônia tentou intervir, mas a zombaria continuou.
"Cuidado, é contagioso!"
"Não chegue muito perto ou você também vai crescer cogumelos!"
O Mestre de Cerimônia pigarreou depois de falhar em silenciar as crianças, tentando manter a dignidade do momento. "O esporo... hum... pode amadurecer com o tempo apropriado. Pode chegar a cinquenta centímetros e conceder um aumento de 20% na força física."
Mais risadas. Todos sabiam que amadurecer um esporo era quase impossível.
O custo em recursos e tempo seria astronômico, tudo por um resultado que qualquer besta comum alcançava desde o primeiro dia.
Algumas crianças até fingiam espirrar e faziam caras de medo ao passar perto dele, como se ele pudesse infectá-los.
Cada transformação bem-sucedida ao seu redor só tornava sua situação mais patética. Enquanto outros recebiam garras, marcas místicas e mudanças que gritavam poder, ele havia recebido... "decorações desagradáveis" para seu cabelo.
Luna foi a última a se transformar.
O contrato com seu lobo sombrio cobriu sua pele com delicadas marcas prateadas que pareciam dançar com a luz. Seus olhos adquiriram um brilho sobrenatural, e seu cabelo azul ondulou como se estivesse submerso na água.
A aura de poder emanando dela era quase tangível, 100% de velocidade mais 50% de aumento em todas as capacidades físicas, mais o dom da magia elemental.
Os cogumelos na cabeça de Ren cintilavam fracamente, como se até eles estivessem envergonhados.
"Em uma semana," anunciou o Mestre de Cerimônia, "vocês começarão sua educação formal. As carruagens virão coletá-los para a escola conforme o acordado no contrato, onde permanecerão até a maturidade, 8 anos. Depois, terão um breve descanso antes de começar seu serviço militar."
Ele fez uma pausa.
"Mantenham suas bestas fundidas. É uma mostra de respeito em relação ao sagrado vínculo que formaram hoje."
A cerimônia terminou.
♢♢♢♢
Ren esperou até estar fora do templo.
Longe dos olhares zombeteiros, dos sussurros, da piedade mal disfarçada.
Somente então fechou os olhos e expeliu o esporo de seu corpo. Os cogumelos luminescentes desapareceram de seu cabelo, e a pequena massa cinzenta voltou a flutuar ao lado de seu ombro.
Que se danem o respeito. Que se danem as tradições.
Trinta anos de trabalho dos seus pais, eles venderam sua casa, economizaram mais de 1 milhão de cristais com uma vida frugal, tudo... para arruinar com seu azar.
O caminho de volta para casa nunca pareceu tão longo.
Cada passo era um lembrete do que ele havia falhado em se tornar, de esperanças que haviam desaparecido com aquele patético brilho cinzento.
O esporo flutuava silenciosamente ao seu lado, mal visível na luz do entardecer. Seu novo companheiro. Seu símbolo de fracasso.
Seu destino.