O céu estava nublado, carregado com a promessa de chuva enquanto eu observava as últimas folhas das árvores tremularem ao vento pela janela da sala de aula. A professora havia encerrado o primeiro dia de aula com uma história intrigante, que mais parecia ter sido contada para entreter do que para ensinar. Ainda assim, não consegui afastar os detalhes da lenda local da minha mente.
A Bruxa Morta era mencionada quase casualmente, mas havia algo na maneira como a professora descreveu a criatura que despertou minha curiosidade. Ela teria um corpo envolto em sombras, um crânio de cervo ou lobo em sua cabeça e olhos vazios que refletiam puro terror. Uma figura que vagava pelos bosques ao redor da cidade, perseguindo aqueles que ousavam desrespeitar seu domínio.
"Um mito", pensei. Mas mesmo assim, o fascínio pela história me impedia de ignorá-la.
Uma buzina cortou o ar, interrompendo meus pensamentos. Minha mãe estacionava o carro próximo à entrada da escola, atraindo olhares dos colegas que ainda estavam por ali.
— Você acordou do seu mundo? — sua voz soava com um tom brincalhão. Ela exibia aquele sorriso confiante que sempre fazia com que as pessoas olhassem para ela com admiração ou até um pouco de inveja.
Antes que eu pudesse me levantar e ir embora, Março e Lívia se aproximaram. Lívia, com seu jeito descontraído, me lançou um olhar provocador.
— Essa é sua mãe? — perguntou com um sorriso curioso. — Agora entendi de onde veio sua aparência, hehe.
Deixei escapar um suspiro involuntário, tentando ignorar o tom de flerte em sua voz. Antes que eu pudesse responder, Março, com sua falta de filtro habitual, disparou:
— Ela é solteira?
Sério? Ele realmente disse isso?
Levantei-me, ajustando a mochila nas costas, e respondi com um sorriso que misturava sarcasmo e diversão:
— Claro que é, mas, se quiser que a Bruxa Morta venha te visitar hoje à noite, sugiro que nem tente.
Março gaguejou, tentando disfarçar o desconforto. Lívia riu, piscando para mim antes de se despedir.
— Vejo você amanhã, Lohan.
Finalmente, entrei no carro. Minha mãe me lançou um olhar curioso enquanto ligava o motor.
— Já fez amigos no primeiro dia? Isso é impressionante.
— Algo assim. Eles parecem legais.
— Hm... Da boca para fora, hein? — ela comentou, seu tom calmo, mas cheio de percepção.
Suspirei, encostando a cabeça na janela. A chuva começava a cair, criando pequenos rios que escorriam pelo vidro.
— Está bastante nublado... Talvez chova forte essa noite.
Minha mãe aproveitou o momento de silêncio para perguntar com cautela:
— Ainda não quer falar sobre... aquilo?
A melancolia tomou conta de mim, como sempre acontecia quando esse assunto surgia.
— Não agora, por favor.
Ela assentiu, estendendo a mão para bagunçar meu cabelo com carinho.
— Tudo bem. Mas, quando estiver pronto, saiba que estarei aqui.
Essa era minha mãe: sempre paciente, sempre protetora. Era difícil decepcioná-la, mas havia coisas que eu simplesmente não conseguia compartilhar.
— Eu te amo, ok? — disse ela, tentando aliviar o clima pesado.
— Eu sei... E eu também te amo.
O restante da viagem foi preenchido com conversas sobre meu dia, a escola e a história que a professora havia contado. Ela parecia genuinamente interessada, embora fizesse algumas piadas para descontrair.
Quando chegamos em casa, a chuva havia se intensificado. Minha mãe desligou o carro e me lembrou com um sorriso preocupado:
— Vou trabalhar esta noite. Não faça nenhuma besteira enquanto eu estiver fora.
— Como quiser, chefe — respondi com um sorriso, tentando esconder a inquietação que sentia por ficar sozinho naquela casa nova, naquela cidade nova, com todas aquelas histórias que, agora, pareciam ecoar na minha mente.
No fundo, sabia que aquela noite seria longa.
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Descendo as escadas ao som da campainha ecoando pela casa, a pergunta era inevitável: Quem estaria aqui a essa hora? O relógio já marcava mais de seis da tarde, e eu não esperava visitas.
Antes de abrir a porta, chequei a câmera de segurança pelo celular. Não era prudente receber estranhos sem verificar. A surpresa veio ao reconhecer as duas figuras familiares do outro lado.
— Oh, são vocês dois… — murmurei, destrancando a porta e abrindo-a.
— Surpresa! Ou talvez nem tanto... Já devia esperar por nós! — brincou Março, com aquele sorriso despreocupado que parecia sua marca registrada. Ao lado dele, Lívia, vestida de maneira casual e diferente do uniforme escolar, sorria de forma travessa.
— Então, o que achou do meu visual? — perguntou Lívia, girando levemente a saia e ajeitando sua jaqueta de couro. Um laço borboleta prendia seu cabelo, dando um contraste interessante à aparência ousada.
— Fica bem em você, essa mudança de estilo — elogiei, sincero, embora contido.
— Você é péssimo com elogios... Parece até ensaiado. — Ela desviou o olhar, desconfortável.
Suspirei, desviando o foco. — O que estão fazendo aqui a essa hora? E, mais importante, como sabem onde moro? — perguntei, franzindo a testa.
— Cidade pequena, lembra? — respondeu Lívia, exibindo o celular com um sorriso convencido. — Temos grupos de mensagem onde todo mundo se conhece. Não foi difícil descobrir.
— Ou seja, segredos não duram aqui... — comentei, estreitando os olhos. Que mais esses grupos discutem?
— Não seja tão desconfiado, viemos apenas para te convidar para fazer algo. Ou, sei lá, para te animar. Apostamos que está sozinho em casa — explicou Março, com um tom casual. — Mas, se for um problema, podemos deixar para outro dia.
— Não, entrem. — Abri espaço para eles passarem, tentando não parecer tão rude quanto antes.
Já dentro de casa, os dois pareciam impressionados com o ambiente espaçoso e bem decorado.
— Sua casa é enorme! — comentou Março, girando o olhar por cada detalhe.
— E sofisticada. Aposto que não foi barata — acrescentou Lívia, cruzando os braços e analisando a sala.
— Minha mãe gosta de lugares amplos, é o estilo dela. — Conduzi-os até a sala enquanto pensava em como entretê-los. — E então? Planejam ficar para dormir?
— Sério? Podemos? — perguntou Março, os olhos brilhando de empolgação.
— Claro, já está tarde e o tempo não está colaborando. É melhor não arriscar sair agora. — Apontava para a janela, onde a chuva começava a intensificar.
Sem demora, fui à cozinha preparar algo. Voltei com uma bandeja de lanches e doces, colocando-a sobre a mesa de centro.
— Bem, Lívia, como você é a única garota aqui, o que quer fazer? — perguntei, sentando-me no chão ao lado do sofá.
— Para mim, tanto faz. Qualquer coisa está bom. — Ela pegou um marshmallow e deu uma mordida despreocupada.
— Que tal jogarmos algo? — sugeri, pegando o controle do videogame.
— Eu topo! — disse Lívia, animada. — O que você tem aí?
— Só espero que não sejam jogos de terror... — murmurou Março, lançando um olhar nervoso.
— Tenho alguns de zumbis e outros mais leves, para variar. — Mostrei as opções, mas não perdi a chance de provocar.
Lívia, obviamente, foi direto para os de terror, adorando a ideia de intimidar Março.
— Vamos jogar este aqui. Parece divertido — disse ela com um sorriso malicioso.
Março engoliu em seco, claramente desconfortável.
Enquanto eles discutiam, senti um certo alívio em ter companhia. Não era o tipo de interação que eu planejava, mas, no fundo, era bom tê-los ali, preenchendo o vazio de uma casa que parecia grande demais para uma única pessoa.
Continua…