Eu abri a porta e voltei para dentro de casa. A luz estava finalmente ativa, iluminando o ambiente que antes parecia engolido pela escuridão. O som do interruptor do disjuntor ainda parecia ecoar nos meus ouvidos, mas foi logo abafado pela voz ansiosa de Lívia, que correu até mim.
— Por que demorou tanto? — ela perguntou, o tom cheio de preocupação. Antes que eu pudesse responder, ela percebeu o corte na minha bochecha. — O que aconteceu com você?
Fechei a porta atrás de mim com calma, tentando não deixar transparecer o que realmente havia acontecido. — Ah, a grama estava bem úmida lá fora. Acabei escorregando e me cortei. Nada demais. — Mantive minha voz leve, despreocupada, mesmo que minha mente ainda estivesse presa àquela criatura na floresta.
Lívia não pareceu convencida. Ela me olhou com uma expressão cética, mas depois suspirou e decidiu não insistir. — Tudo bem, mas você prometeu ligar a luz e voltar logo em seguida. Você demorou meia hora, Lohan! Eu já estava ficando preocupada.
— Acabamos de nos mudar para cá hoje, ainda estou conhecendo o lugar, — respondi, dando de ombros. — Só estava dando uma olhada nos arredores.
Claro que eu não ia contar que tinha encontrado a Bruxa Morta – ou que estive a um passo de virar jantar para um lobo negro gigantesco. Não queria assustá-los, e, honestamente, nem sei se eles acreditariam em mim.
Mudando de assunto, perguntei: — E o Março? O que aconteceu com ele?
— Ficou cansado e acabou dormindo no sofá, — respondeu Lívia, apontando para a sala. Ela então bocejou involuntariamente, cobrindo a boca com a mão, o que me fez sorrir.
— Parece que você também está na hora de dormir, — comentei, rindo suavemente. — Minha mãe chega pela manhã, ela ficou de levar vocês de volta pra casa. Melhor descansarem para estarem dispostos.
Ela resmungou algo em resposta, mas logo se dirigiu ao sofá, lançando um último olhar desconfiado na minha direção antes de desaparecer para se ajeitar. Fiquei parado por um momento, a mente ainda dividida entre o calor da casa e o frio da floresta lá fora.
A Bruxa Morta… A lembrança dela não saía da minha cabeça. Aquelas palavras, a maneira como ela pronunciou meu nome, como se o testasse. E o lobo… o que aquilo significava? Mas agora não era hora para pensar nisso. Não aqui, não agora.
Suspirei, tentando afastar os pensamentos, e me preparei para o resto da noite, mesmo sabendo que dormir seria impossível.
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Acordei naquela manhã ainda preso às lembranças da noite passada. O que aconteceu continuava girando na minha mente como um quebra-cabeça incompleto. Afastei o lençol e me levantei com certa preguiça, descendo as escadas enquanto me perguntava onde Lívia e Março haviam se metido. O sofá, que deveria estar ocupado por eles, agora estava vazio.
— Será que foram para a cozinha? — pensei, seguindo para lá.
Ao entrar, encontrei minha mãe sentada à mesa. Uma pilha de papéis ocupava boa parte do espaço, enquanto ela tomava seu café preto como fazia todas as manhãs. Assim que me viu, ela me cumprimentou.
— Bom dia, — disse ela.
— Bom dia… — respondi, pegando a caneca preta no armário e servindo meu próprio café.
Antes que eu pudesse perguntar, ela continuou. — Já levei seus amigos para casa. A tal garota fofa, Lívia, pediu para eu não te acordar, já que parecia tão cansado.
— Garota fofa? — repeti mentalmente, sem demonstrar nada enquanto me sentava à mesa, observando os documentos à frente dela.
— Como foi o primeiro dia na delegacia? — perguntei casualmente, tentando puxar assunto.
Ela suspirou e deu de ombros. — Como pode ver, trouxe o trabalho para casa.
Olhei para os papeis espalhados e notei o olhar cansado dela. — Alguma coisa interessante?
— Temos muitos casos não resolvidos acumulados nas últimas três décadas, — ela disse. — E ontem à noite, recebemos mais um... algo que não consegui entender totalmente.
Levantei o olhar para ela e, com um tom ligeiramente provocativo, perguntei. — Esse tipo de caso?
— Lohan, — ela me cortou, firme, — não se meta nisso. Seu foco deveria ser a escola.
Sorri de lado, balançando a cabeça. — Você sabe que, envolvendo ou não o assunto, é melhor que eu pelo menos dê uma olhada. Posso ajudar.
Ela ficou em silêncio por um momento, claramente considerando minha proposta. Finalmente suspirou, empurrando os documentos na minha direção. — Não deveria te envolver nisso, mas... talvez sua ajuda seja útil.
Com um sorriso discreto, peguei os papéis e comecei a folheá-los. A primeira coisa que chamou minha atenção foi a foto: um homem com o rosto mutilado e vários membros do corpo faltando. Qualquer pessoa normal ficaria horrorizada, mas, para mim, aquilo era intrigante.
— A vítima foi encontrada ontem à noite, no meio da estrada, — explicou minha mãe. — Havia um rifle ao lado dele, com algumas balas usadas, mas outras ainda no cartucho.
— Ele estava caçando algo, — comentei, analisando as evidências.
— Foi o que pensei, — ela respondeu. — Mas o que ele estava caçando é o problema. Monstros típicos devoram ou levam o corpo, não deixam algo assim para trás. Isso não é nada típico do que já vi.
Observei as marcas de garras nas fotos. — Isso parece obra de um lobo, — disse, pensando alto. — Talvez o lobo escuro que vi ontem à noite...
— Você viu um lobo? — ela perguntou, alarmada.
— Sim, mas o horário desse ataque não bate com o momento em que ele estava de frente para mim. Deve ser outra coisa.
Ela estreitou os olhos, me estudando. — Ouvi falar da lenda da Bruxa Morta, — comentou. — Você já ouviu falar disso?
— Ouvi na escola, — respondi. — Parece ser bem popular por aqui.
Ela não parecia convencida. — Você a encontrou, não foi?
Permaneci em silêncio, bebendo meu café. Não adiantava mentir, ela sempre sabia.
— Lohan! — ela disse, claramente irritada. — Nós combinamos que você ficaria fora dessas caçadas! Você quase morreu da última vez!
— Eu não fui atrás dela, — expliquei, tentando manter a calma. — Ela simplesmente apareceu. Não tinha como evitar.
— Ela atacou você? — minha mãe perguntou, já mais controlada.
— Não, — respondi, pensando cuidadosamente nas palavras. — Ela é... diferente. Parece um monstro, mas há algo mais ali. Talvez uma maldição, ou algo mais complicado.
Minha mãe suspirou, cansada. — Essa cidade esconde mais do que imaginamos, — disse ela, como se falando para si mesma. — Os moradores mais velhos são muito reservados, e alguns parecem estar acobertando algo.
Olhei para minha caneca de café, o líquido refletindo minha expressão séria. — Você não quer minha ajuda? — perguntei, sabendo que eu era a melhor opção para lidar com o que quer que fosse aquilo.
Ela foi firme. — Não. Está fora de questão. Até eu achar que você está pronto, quero que fique na escola e tente viver como alguém da sua idade deveria.
Suspirei, mas sabia que insistir agora não levaria a nada. A questão era: por quanto tempo eu conseguiria me manter afastado?
Continua…