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Chapter 3 - Capítulo 3: O Uivo Ecoando na Escuridão.

Enquanto Março e Lívia aproveitavam a noite, entre risos e disputas acirradas nos jogos, o tempo parecia voar. Lá pelas tantas, percebi que Março havia adormecido no sofá, deixando apenas Lívia e eu acordados.

— Fazia tempo que não me divertia assim — comentou ela, largando o controle e se espreguiçando.

— Sério? Achei que vocês fizessem isso com frequência — respondi, meio distraído, mas surpreso com sua confissão.

Lívia deu de ombros, olhando para o chão. — Em uma cidade como essa, não tem muitas opções. Quando éramos crianças, as coisas eram ainda mais monótonas. E pra você, Lohan?

— Hm... Era diferente — respondi vagamente, evitando entrar em detalhes.

Ela me observou, inclinando ligeiramente a cabeça. — Você sempre faz isso...

— Isso o quê? — perguntei, tentando disfarçar o desconforto.

— Toda vez que olho nos seus olhos, você desvia o olhar. — Lívia parecia intrigada, mas sua voz carregava um tom de desafio. — Desde que te conheci, sinto uma distância... Não acho que seja só pelo fato de sermos "novos amigos".

A intensidade do olhar dela era desconcertante. Como ela percebe tudo tão rápido?

— Talvez seja só o cansaço de me adaptar ao interior. — Respondi, desviando o olhar para as mãos, que tremiam sutilmente.

— Será mesmo? — murmurou, mas deixou o assunto de lado.

Eu me levantei, pegando os restos dos lanches para levar à cozinha. — Você e Março parecem bem próximos. Sempre foi assim? — perguntei, mudando de assunto.

— Somos primos, mas nos tratamos como irmãos. — Lívia riu enquanto beliscava a bochecha dele, que dormia profundamente. — Ele é um medroso incorrigível, então eu sempre acabo participando das maluquices dele por aqui.

— Isso é... adorável, — comentei, sem conseguir conter um pequeno sorriso.

Lívia parou de brincar com o rosto de Março e olhou para mim com curiosidade. — E você, Lohan? Além da sua mãe, tem algum irmão?

— Tenho uma irmã, mas a gente mal se vê. Ela está sempre ocupada com o trabalho... — Respondi, andando em direção à cozinha.

De repente, um clarão invadiu a casa, seguido por um trovão tão alto que parecia abalar as paredes. O barulho estrondoso foi logo substituído pelo silêncio, quando toda a iluminação apagou.

— Eh!? Que barulho foi esse!? — gritou Março, acordando assustado e olhando ao redor em pânico.

Voltei à sala com a lanterna do celular iluminando o ambiente. — Foi só um raio, calma... E por favor, não grite. — Suspirei, tentando soar firme.

— Será que atingiu um poste? — perguntou Lívia, já com a lanterna do celular acesa também.

Olhei pela janela. As casas ao redor estavam iluminadas, o que significava que o problema era só aqui.

— Parece que foi só o disjuntor. Vou checar no lá fora-

Antes que eu pudesse me mexer, um som cortou o ar, vindo de algum lugar lá fora. Um uivo longo, profundo, que reverberava pela noite.

Lívia e Março congelaram. Seus olhos se arregalaram, e o medo era evidente em seus rostos.

— O-o que foi isso? — gaguejou Março, com a voz quase inaudível.

— Um lobo, talvez. — Respondi, embora minha mente já começasse a cogitar algo além do óbvio.

O silêncio que seguiu foi quase pior do que o som anterior.

— Por que essas caras? Nunca ouviram um uivo antes? — perguntei, intrigado, tentando descontrair a tensão no ar.

— Talvez seja a Bruxa Morta!? — exclamou Março, sua voz cheia de nervosismo, e eu o vi agarrar a almofada com as mãos trêmulas.

A lenda dizia que o uivo da Bruxa Morta era sempre seguido por eventos sombrios, mas será que era ela? O som não teve a angústia característica de um aviso dela; provavelmente, era só um lobo vagando sozinho.

— Vou lá fora ligar o disjuntor. — afirmei, revirando os olhos enquanto suspirava, já indo em direção à porta. Os sons da noite no escuro pareciam muito mais amplificados do que o normal.

— O quê? Você vai sozinho!? — questionou Lívia, com o rosto levemente pálido, revelando seu próprio susto.

Suspirei, um tanto incomodado com a reação deles.

— Deve ser apenas um lobo longe da matilha. Não é nada demais, e a chuva já parou. Só vou ligar a luz novamente. O que pode dar errado? — respondi, um pouco cético em relação à lenda. — Fiquem aqui até eu voltar, tudo bem?

— Não precisa nem pedir... — disse Março, ainda assustado, sua voz falhando.

— Ei, Lohan, volte imediatamente após ligar a luz, entendeu? — ela me adverteu, preocupada, com um olhar de sincera apreensão.

Fechei a porta atrás de mim, deixando a chave com eles e informando minha mãe sobre a visita dos meus amigos. O ar agora parecia mais frio, e o cheiro de terra molhada impregnava o vento.

Olhei para o céu; as nuvens escuras ainda não se dissiparam completamente, mas a lua cheia tentava fazer seu caminho através das nuvens, uma luz tímida que parecia querer brilhar, apesar da escuridão.

— Agora, se bem me lembro, a caixa de luz fica nos fundos... — murmurei para mim mesmo, iluminando o caminho com a lanterna.

Cada passo na grama me trazia uma sensação crescente de inquietação, e o som distante de uma coruja parecia trazer uma estranha calmaria à noite. Mas algo estava definitivamente errado. Coloquei a lanterna na direção da floresta e iluminei pontos específicos, ouvindo galhos quebrando ao longe. O ar estava mais abafado, pesado, como se algo estivesse se aproximando, sem que eu pudesse ver.

Chegando à caixa de luz, liguei rapidamente o disjuntor, mas, ao me virar para olhar para a floresta novamente, senti uma pressão no ar, uma sensação de desconforto crescente.

— Não pode ser, né...? — falei baixinho, tentando afastar a sensação estranha que tomava conta de mim. Eu sabia que algo me observava na floresta. E não era nada reconfortante.

Lembrei das palavras de Lívia para voltar imediatamente, mas, à medida que o desconforto aumentava, minha curiosidade se tornava ainda mais forte, como um ímã puxando-me para o desconhecido.

— Desculpe, Lívia, mas a promessa fica para depois... — murmurei para mim mesmo, já adentrando a floresta e afastando os galhos.

A escuridão da floresta parecia engolir a luz das casas e postes nas ruas, e os sons de sapos e ruídos noturnos ecoavam ao meu redor, de uma maneira estranha até tranquilizadora. Coloquei a mão em uma árvore e observei uma aranha escalar seu tronco, tentando dissipar a tensão que me envolvia.

— Então, dona aranha, tem algum segredo para compartilhar? — brinquei, tentando aliviar a atmosfera pesada.

Mas outro estrondo de trovão cortou o silêncio da noite, e eu deslizei minha mão sob a árvore novamente, sentindo a aranha escapar rapidamente, como se estivesse fugindo.

A cada passo cuidadoso, o farfalhar das folhas parecia amplificar meu nervosismo. Eu sabia que estava em terreno perigoso, que qualquer movimento em falso poderia me tornar uma presa fácil para aquilo que se escondia nas sombras.

De repente, um farfalhar nas folhas paralisou meus movimentos. Levantei a lanterna, iluminando a direção do som, e, antes que pudesse reagir, o crescente rosnado de um lobo se fez ouvir, vindo de perto.

— Droga... era óbvio que se tem um uivo... — murmurei, o medo se alastrando por minha espinha.

Então, vi a criatura. Um lobo de pelagem escura e olhos incandescentes emergiu dos arbustos. Suas presas brancas como a neve estavam expostas, e ele rosnavam, avançando na minha direção. Recuando alguns passos, procurei manter-me firme, apesar do coração batendo descontrolado no meu peito.

Sabia que não podia desviar o olhar, nem demonstrar medo, mas o tamanho da criatura me fazia questionar se conseguiria escalar uma árvore a tempo, caso fosse necessário.

Continua…