A noite era um manto pesado, o ar carregado de umidade após a chuva. Eu sentia cada batida do meu coração como um tambor ecoando na quietude da floresta. O lobo, de pelagem escura e olhos vermelhos como brasas, estava a poucos passos de mim. Seu rosnado reverberava no ar, profundo, ameaçador, mas ele não avançava.
Minha respiração, antes acelerada, começou a voltar ao normal. Eu sabia que fugir ou demonstrar medo seria minha sentença de morte. Para ele, eu seria apenas uma presa fácil, algo que valeria a pena caçar. A chave era manter a calma, não olhar para trás e, acima de tudo, não dar um único passo em falso.
Meus pés recuavam lentamente, cada movimento medido, e meu olhar permanecia fixo no dele. Aqueles olhos vermelhos pareciam brilhar de maneira sobrenatural, como se o lobo estivesse analisando minha alma, avaliando se eu era uma ameaça ou algo mais. Por um momento, senti que a própria floresta prendia a respiração junto comigo.
Então, o silêncio foi quebrado por um uivo distante. Um som longo, vindo de algum ponto no horizonte, carregado por uma força que eu não conseguia explicar. O lobo imediatamente ergueu a cabeça, seus olhos ainda brilhando, mas seu rosnado cessou. Ele ficou imóvel, ouvindo, e então respondeu ao chamado com um uivo próprio, profundo e poderoso.
Por um breve instante, nossos olhares se encontraram novamente. Meus olhos azuis encararam aqueles olhos vermelhos, como se houvesse algum entendimento entre nós. Ele parecia hesitar, mas, então, virou-se e desapareceu na escuridão da floresta, seus passos silenciosos sumindo entre as árvores.
Deixei escapar um suspiro pesado, o alívio finalmente me atingindo como uma onda. Minhas pernas quase cederam sob a tensão, mas me mantive firme.
— Talvez a matilha o tenha chamado de volta... — murmurei para mim mesmo, sentindo o ar frio preencher meus pulmões. — Seja lá quem for o líder ou o responsável por aquele uivo, salvou minha pele hoje.
Sem mais o som do lobo, a floresta parecia menos ameaçadora, mas o peso do encontro ainda estava presente. Decidi voltar, grato por ter escapado sem precisar descobrir se conseguiria enfrentar algo tão selvagem e poderoso.
A floresta estava estranhamente quieta após o desaparecimento do lobo negro. Tudo parecia estático, como se o próprio tempo tivesse hesitado. Respirei fundo, tentando me recompor.
"Provavelmente era ele," pensei, "aquele lobo que me observava nos fundos da casa…"
Era hora de voltar. Março e Lívia já deviam estar preocupados com minha demora. Dei meia-volta, pronto para retornar, mas, assim que comecei a andar, bati a cabeça contra algo com tanta força que caí no chão, sentindo o impacto reverberar pelo meu corpo.
Por um momento, fechei os olhos, a dor latejante me fazendo acreditar que havia tropeçado em algum tronco de árvore mal posicionado. Mas então uma voz ecoou ao meu redor, feminina e carregada de algo primal.
— Você está ferido?
A pergunta me pegou de surpresa. Sem pensar muito, abri os olhos enquanto respondia:
— N-não, estou bem…
Era uma figura lupina, alta, com um corpo coberto por uma pelagem escura e felpuda. Ela tinha uma cauda longa e volumosa, e seu cabelo parecia uma extensão dela mesma, negro como a noite. Mas o mais aterrador era o crânio de cervo que cobria sua cabeça, com olhos vermelhos brilhando nas cavidades, dentes afiados como lâminas e uma aura de pura selvageria.
Engoli seco. A visão era tão surreal que precisei de alguns segundos para registrar: A Bruxa Morta.
A lenda que sempre considerei um conto para assustar crianças estava ali, viva, olhando diretamente para mim.
— Eu… estou bem — repeti, dessa vez tentando parecer mais calmo, mesmo que meu coração estivesse prestes a explodir.
Ela era alta, tão alta que os galhos das árvores ao redor pareciam se curvar à sua presença. Seus olhos, ou o brilho que deveria ser seus olhos, estavam fixos em mim, avaliando cada detalhe do meu corpo caído. Então, ela se agachou lentamente, as garras afiadas de suas mãos tocando o chão ao lado do meu corpo, enquanto seu rosto se aproximava do meu.
Com um movimento lento, ela ergueu um dedo e, com uma de suas garras, fez um corte leve na minha bochecha. A dor foi aguda, mas não me movi. Alguma coisa me dizia que reagir seria pior.
— Por que não tem medo de um monstro na floresta? —, sua voz, cheia de rosnados e uma ameaça vívida, quase animal, soou no ar. — Você deveria sair daqui antes que eu o machuque de verdade.
Eu olhei para ela, sem medo, mas com uma curiosidade crescente.
— Você veio aqui só para me dizer isso? O uivo antes... foi para me salvar, não faz sentido ameaçar quem você quer salvar. — Perguntei, minha voz calma, mas cheia de uma lógica que, eu sabia, poderia desarmá-la.
Seus olhos vermelhos pareceram brilhar mais intensamente por um instante.
— Inteligente… — ela murmurou, inclinando levemente a cabeça. — Mas sua coragem vai condená-lo se continuar falando comigo.
Fiquei em silêncio. Suas palavras eram um aviso, mas também uma constatação. Ela se levantou, os movimentos tão silenciosos quanto os do lobo negro. Por um momento, achei que fosse desaparecer, mas então parei, olhando para aquela figura imponente.
— Acho que dormir depois disso vai ser difícil — disse em um tom leve, mesmo que meu coração ainda estivesse acelerado. — Afinal, você é marcante demais para esquecer.
Ela parou de andar. Virou a cabeça levemente, apenas o suficiente para me olhar por cima do ombro. Aquele gesto fez o ar ao meu redor parecer ainda mais denso.
— Qual é o seu nome? — perguntou, sua voz agora quase um sussurro.
— Lohan Akihiko — respondi, meu tom firme, mas atento a cada detalhe dela.
Ela repetiu meu nome baixinho, como se estivesse provando seu som. Ela não disse o seu nome. Apenas murmurou meu nome para si…
Ela parou, por um instante, olhando-me de canto de olho. Aquilo a pegou desprevenida, mas logo ela murmurou, baixinho, como se pensasse para si mesma. — Talvez nos vejamos por aí.
E, com passos tão leves quanto os do lobo, ela se foi, deixando-me sozinho no meio da floresta.
Fiquei ali por alguns segundos, processando o que acabara de acontecer. A Bruxa Morta… ela era real. As lendas, afinal, eram mais que apenas histórias, e agora, de alguma forma, ela sabia quem eu era. O que isso significava? E, mais importante, o que ela queria de mim?
Continua…