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Chapter 2 - Capítulo 2 - Eu Comigo Mesmo

Após realizar seu gesto, a culpa remanescente não o abandonara. Ainda assim, Deimos não tinha tempo para se preocupar com isso — ele estava cercado pelas crias do Poço. Com a batalha encerrada, as criaturas estavam prontas para pegar os restos: Zephyr e ele.Sem hesitar, o garoto arremessou seu próprio sangue sobre o corpo. Ao entrar em contato com o líquido, quase instantaneamente chamas começaram a consumir tudo. O fogo iniciava em tons amarelados, depois se tornava vermelho e, por fim, assumia um azul pálido, como se lágrimas e tristezas que Deimos era incapaz de esboçar fossem o combustível. Aquelas chamas eram, em si, o choro do garoto.Logo em seguida, Deimos lançou um último olhar para sua cruz-espada. Antes de guardá-la, pensou:

"Como pai, você era forte demais para mim."

A lembrança pesava, mas ele não tinha tempo para se deter. Com um movimento decidido, bateu no peito, como se estivesse incitando seu coração a bombear mais sangue.

— Vamos! Eu ainda tenho muito gás disponível! — gritou, ativando novamente o poder do Atramentum, um fardo e uma força que apenas ele era capaz de suportar.

O esforço, porém, tinha um preço. Ele sentiu uma queimação intensa na nuca e no pescoço, enquanto seu peito ardia como se punhais perfurassem seu coração. Ignorando a dor, seguiu por um corredor imenso.Estátuas de gigantes adornavam os cantos, parecendo vigiar sua passagem.

— Seriam esses os heróis deste povo? Ou seus líderes? Tanto faz. Se eu não lembro, não deve ser importante. — murmurou.

O lugar era grandioso, talvez um reflexo da vastidão daquele mundo. Apesar do tempo e dos vestígios de batalhas, o ambiente permanecia incrivelmente preservado. Mas Deimos sabia que, independentemente de seus atos, nada poderia causar mais estragos àquele lugar do que o próprio tempo.Ele parou e, com uma expressão de leve frustração, falou:

— Vocês adoram me apressar nessa busca, mas, quando eu luto, é sempre eu contra o mundo. Então, vou aproveitar a vista, e não quero mais papo!

Ao explorar o local, encontrou um aposento que parecia ser um quarto. A cama era absurdamente grande, os travesseiros maiores que ele. O teto possuía aberturas por onde a luz entrava, mas estavam protegidas para evitar chuva e sujeira. Estruturas de platina e prata adornavam os aposentos, algumas claramente usadas para pendurar vestes. Maravilhado com a grandiosidade e exausto pela batalha, Deimos deitou na cama e, sem perceber, adormeceu.Em seu sonho, duas figuras o repreenderam: uma mulher de longos cabelos, com uma venda sobre os olhos, e um homem alto, de cabelos vermelhos. Ambos falavam que ele teria todo o tempo do mundo — ou pelo menos o suficiente para descansar — assim que seus objetivos fossem concluídos. Mas o garoto apenas deu de ombros e tampou os ouvidos.Pouco tempo depois, despertou. Estava curado, pronto para retomar sua busca. Ele olhou para o teto, observando a luz fraca que filtrava pelas aberturas.

— Ainda é noite... Quanto tempo se passa quando eu fecho meus olhos? O mundo ainda existe quando eu fecho meus olhos? — indagou em silêncio.

Sem perder mais tempo, começou a correr, concentrando seus sentidos para rastrear as crias do Poço. Se elas estavam atrás da chave, o mais sensato seria segui-las.Logo, chegou a um beco sem saída, onde dezenas daquelas criaturas esperavam. Elas eram grotescas: tinham cascos de cavalo, torsos de homens, mãos gigantes e deformadas, como garras retorcidas. Mas o pior de tudo era a cabeça — semelhante à de um porco, porém sem o nariz característico, e com mais dentes do que um tubarão.Elas arranhavam uma parede, revelando algo por trás dela. E foi então que Deimos percebeu: era ali que a chave estava.As grotescas e imensas criaturas o cercaram, emitindo grasnados e grunhidos bizarros, tão macabros quanto suas formas.

— Um... dois... três... quatro... cinco... seis. — Deimos contou as criaturas em voz baixa, atropelando as palavras enquanto saltava de um lado para o outro, exibindo uma agilidade impressionante.

Cada movimento era calculado, sua respiração firme, mas ele sabia que o tempo estava contra ele. Não podia depender do Atramentum para tudo. Era custoso demais. Seu corpo já estava sobrecarregado, e ele não tinha ideia do preço total que teria de pagar se o usasse de forma imprudente.Ainda assim, algo queimava em sua nuca. Uma sensação familiar, quase como um sussurro — ou um aviso. Ele ignorou. Havia limites que não estava pronto para cruzar... pelo menos, não ainda.Embora ele pudesse influenciar, não tinha poder sobre o próprio destino. Uma sétima criatura, movendo-se com furtividade, pegou-o desprevenido, desferindo um golpe que o lançou ao chão, desacordado. Enquanto seu corpo caía inerte, algo peculiar aconteceu. Uma marca em forma de olho, localizada na parte direita de sua nuca, brilhou intensamente. Por um momento, o olho na marca piscou, e, ao abrir novamente, uma pupila vermelha brilhou com intensidade sombria.Os olhos de Deimos, antes um contraste entre o púrpura e o negro, viraram-se para dentro, revelando apenas a brancura do globo ocular. Quando voltaram a olhar para o mundo exterior, ambos haviam se tornado de um vermelho vívido, quase intoxicante. Seu cabelo negro começou a desbotar, adquirindo o tom de sangue envelhecido, e seu corpo sofreu uma transformação grotesca, inchando até rasgar parte das vestes.A figura que era e não era Deimos ergueu-se, colocando a mão esquerda na boca e retirando lentamente uma espada curva de um único gume — uma arma mundana em formato, mas inconfundivelmente alienígena em essência, com inscrições sombrias que pulsavam com energia antinatural. Parte da essência de Deimos ainda estava lá, mas era como se ele estivesse assistindo a um filme. Seu corpo se movia, ele sentia seu corpo se mover, mas não era ele quem estava realizando os comandos. Ele mexia a boca, mas não era sua voz que saia."Agora, vê se não reclama por um tempo," murmurou o ser com desdém, em uma voz que reverberava como um eco de outra dimensão. "E mais: se a situação fosse diferente, eu não devolveria esse corpo tão fácil para você. Mas entrar em contato com aquela chave... isso, eu odeio."Antes de devolver o controle a Deimos, ele dirigiu um olhar indiferente para a parede à sua frente. Com um único golpe, quebrou a estrutura, revelando algo escondido nas sombras.Um pergaminho, depois um olho, seguido por uma pedra preciosa — e agora, um anel. A chave não possuía forma fixa, mudando constantemente, como se aguardasse para assumir uma nova aparência, algo que fosse adequado ao seu próximo mestre. Deimos se aproximou, decidido a consumir o objeto arcano. O gosto era repulsivo, e, à medida que o objeto descia por sua garganta, ele não parava de se transformar. A mudança era cada vez mais rápida, cada vez mais insuportável, como se o artefato tentasse escapar de seu destino, lutando contra sua ingestão.Apesar de ser uma experiência desagradável, de um incômodo físico, Deimos sabia que não poderia deixar aquele objeto tão perigoso à deriva. Algo capaz de violar as leis naturais não poderia ser ignorado. Se ele não o fizesse, quem mais o faria? Mesmo com a sensação de peso e angústia, ele se obrigou a engolir, pensando com um suspiro: Até daqui a cem anos...