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Chapter 6 - Capítulo 6 - Há uma Razão para sua Solidão

O clima estava pesado. Lyra permanecia emburrada em um canto, evitando olhar na direção de sua antiga adversária. Ajax, no meio dos dois, tentava dissipar a tensão, mas o silêncio parecia mais incômodo do que o Sol ardente do deserto.— Então... Não é uma reclamação, mas por que você aceitou vir tão fácil com a gente? E, por falar nisso, como devo te chamar? — perguntou Ajax, quebrando o silêncio.— Pode me chamar de Justiça... — respondeu a garota, enquanto rasgava a manga de suas vestes e amarrava o pedaço de tecido em volta dos olhos.Ela fez uma pausa antes de continuar:— Eu já planejava seguir viagem com vocês. Achei que seria uma boa forma de distrair a mente, só não esperava levar um chute do nada... — concluiu, lançando um olhar atravessado para Lyra. Mesmo com os olhos vendados, ela parecia capaz de transmitir um olhar sarcástico que Lyra claramente sentiu.Lyra apenas cruzou os braços e deu de ombros, ignorando as provocações; porém, ela não conseguiu evitar a inquietação de seus dedos, que batiam em seu antebraço.Ajax ergueu um dedo e abriu a boca, como se estivesse prestes a dizer algo inteligente, mas antes que qualquer som pudesse ser emitido, um estrondo ao longe capturou a atenção dos três.No horizonte, algo grotesco se movia com rapidez. Um enxame de criaturas amorfas se aproximava como uma onda viva, oscilando e pulsando, como o reflexo distorcido de uma enxurrada após uma tempestade. Suas formas mutavam constantemente, tornando impossível distinguir onde uma terminava e outra começava. A mistura de preto e vermelho que compunha o enxame parecia vibrar, como sangue fervendo à luz de uma fornalha.Aquele som, um misto de estalos e murmúrios guturais, preenchia o ar, crescendo em intensidade à medida que o enxame avançava. Era como se o próprio terreno estivesse sendo devorado pelo caos que se aproximava.— Demônios! — gritou Justiça antes de saltar da carroça, movendo-se com a determinação de um leão em direção à caça.Enquanto corria para a fonte do barulho, suas luvas e botas se materializaram, emitindo sons metálicos de engrenagens em movimento. A cena à frente parecia um espetáculo macabro: os demônios rastejavam ao redor do corpo de uma fera, que os rasgava com violência primitiva. Cada golpe desferido por Justiça, amplificado pelos mecanismos em seu equipamento, fazia o chão estremecer. Era como se duas forças da natureza se enfrentassem em uma colisão selvagem.O caos foi interrompido por uma voz rouca e carregada de um tom quase cômico:— Ora, ora, ora... O que temos aqui?A atenção de todos se voltou para um homem que aparentava estar em seus sessenta anos. Seus cabelos brancos rareavam no topo da cabeça, deixando-a praticamente calva, mas uma longa barba da mesma cor descia até seu peito. Ele vestia trapos desbotados, e seu braço esquerdo estava completamente envolto em faixas.De forma quase surreal, o homem navegava pelo pandemônio de criaturas, equilibrando-se em um pedaço de madeira que flutuava instável. Ele usava um simples pedaço de pau como remo, como se estivesse atravessando um rio calmo, indiferente ao caos ao seu redor.Antes que qualquer ação fosse tomada, o homem exibiu uma expressão de dor em seu rosto. Com o braço enfaixado esticado, ele apontou dois dedos na direção de Justiça. Uma esfera de energia negra, com contornos vermelhos pulsantes, surgiu no ar, disparando um raio na direção dela.Justiça tentou bloquear, mas sua manopla direita foi despedaçada, e ela foi arremessada para longe com violência. Rapidamente, manipulou seus equipamentos, fazendo surgir uma foice gigantesca. A lâmina curva tinha cerca de um metro e meio, e o cabo, com pontas afiadas em ambas as extremidades, parecia tão letal quanto a lâmina em si. Ela girou a arma no ar com maestria, como se estivesse desafiando o inimigo para o confronto.Nesse momento, Lyra e Ajax chegaram ao campo de batalha. A garota, com seus cabelos rubros flamejantes, começou a mover os braços em círculos, murmurando palavras precisas para manter o foco. De repente, ela puxou as mãos para trás e, em um movimento rápido, lançou-as para frente. Uma torrente de líquido incolor foi arremessada na direção das criaturas. Assim que atingiu uma certa distância, o líquido começou a evaporar rapidamente, transformando-se em uma densa nuvem. Os demônios que entraram em contato com o vapor começaram a queimar e convulsionar, soltando gritos guturais de agonia.Aproveitando a abertura criada por Lyra, Justiça saltou com força descomunal, indo diretamente em direção ao homem misterioso. Ele, no entanto, tirou as faixas que cobriam seu braço, revelando uma visão nauseante: a pele estava infestada por demônios parasitas, contorcendo-se como vermes vivos em carne apodrecida.Os parasitas pareciam agitados, como se respondessem ao frenesi da batalha. Em questão de segundos, começaram a se espalhar pelo braço do homem, cobrindo-o completamente até assumirem a forma de uma estaca grotesca e retorcida.Justiça estava preparada para contra-atacar e finalizar seu adversário com um golpe certeiro. Seria perfeito. Porém, aquele espetáculo não passava de uma distração. A estaca formada pelos demônios se dissipou rapidamente, e diversas criaturas saltaram em direção à mulher de preto. Justiça começou a fatiá-las no ar com precisão, mas os pedaços começaram a queimar e, em seguida, explodir, arremessando-a para o oceano vermelho-negro abaixo.Ajax correu para dar suporte, utilizando seus equipamentos. Ele pisoteava as criaturas que tentavam cercá-lo, mas manipulava suas botas metálicas para perfurar qualquer verme que ousasse se aproximar. Segurando Lyra em seus braços, ele iniciou uma retirada estratégica.Enquanto isso, Lyra avançava para alcançar seus companheiros, mas o homem aproveitou seu isolamento em relação ao grupo. Com um movimento rápido, ele arremessou um demônio moldado no formato de uma lança diretamente contra a maga. Lyra tentou reagir e preparar uma contramedida, mas sentiu seu corpo no limite, exausto.Justiça apertou firmemente a foice e utilizou o equipamento para saltar como uma profissional olímpica indo realizar o lance de sua vida. Embora parecesse completamente decidida em seu gesto, ela carregava uma expressão pesada.Antes que Lyra pudesse perceber, Justiça estava à sua frente. A mulher absorveu o impacto do ataque, tendo seu abdômen brutalmente atravessado. Com a força do golpe, foi lançada em direção a um precipício. Lyra, de olhos arregalados, hesitou por um instante, mas não se permitiu abalar. Ela saltou atrás de Justiça.Ao perceber que Lyra havia pulado em sua direção, antes que atingissem o solo, o sangue que pingava de Justiça começou a adotar uma coloração negra, transformando o terreno abaixo e dando-lhe propriedades que amorteceram a queda. Lyra se aproximou, preocupada, olhando para a mulher de preto, que, sem forças, repousava no chão.Justiça ergueu a mão com dificuldade e tocou o rosto de Lyra, tentando ajudar sua rival a conter as lágrimas. Enquanto isso, o sangue negro devorava a lança como glóbulos brancos combatendo organismos invasores. Lyra ficou perplexa com a cena — era muita informação até para ela. Antes que ela quebrasse de vez, Justiça, com um sorriso falso, apenas disse:— Eu odeio essa parte...Ela suspirou, exaurida, enquanto a marca em sua nuca brilhava em um intenso tom de roxo, forçando Lyra a fechar os olhos. Quando ela os abriu novamente, viu Deimos deitado em seu colo, uma única lágrima escorrendo pelo olho púrpura.