As nuvens carregadas formavam um teto cinzento sobre o Rio de Janeiro. A chuva grossa escorria pelas janelas do pequeno apartamento no subúrbio, onde Arthur, um jovem de 22 anos, observava o mundo lá fora com olhos cheios de inquietação. Ele era como um pássaro preso em uma gaiola invisível, vivendo uma rotina repetitiva, entre um trabalho sem futuro e uma casa vazia desde que seus pais faleceram anos antes.
Naquela noite, algo estava diferente. O cheiro da chuva parecia mais intenso, como se o ar carregasse um mistério antigo. Ele fechou o caderno onde rabiscava desenhos de mundos fantásticos e personagens heróicos, algo que fazia desde criança. Ao olhar pela janela novamente, uma luz azulada cortou o céu. Não era um relâmpago comum. Parecia pulsar, viva, como uma convocação.
Arthur sentiu um calafrio, mas a curiosidade o venceu. Vestiu um casaco, colocou os tênis já desgastados e saiu. A chuva molhou seu rosto assim que ele pisou na rua, mas ele não se importou. Seguiu a luz que parecia chamá-lo, guiando-o pelas ruas desertas e alagadas.
Ele chegou a um parque abandonado, onde uma árvore gigantesca dominava o centro. Era uma figueira, suas raízes se entrelaçando como serpentes no chão encharcado. No tronco, havia uma abertura que ele jurava não ter visto antes, brilhando com a mesma luz azulada do céu. Arthur hesitou, sentindo o coração martelar no peito.
"Isso não é normal," pensou, mas algo no fundo de sua alma gritava para ele entrar.
Ao tocar a luz, uma força invisível o puxou. O chão desapareceu sob seus pés, e ele caiu em um abismo sem fim, cercado por correntes de energia dourada que dançavam como estrelas em uma galáxia. Ele gritou, mas não havia som. Então, tudo ficou escuro.
Quando recobrou os sentidos, Arthur estava deitado em uma campina verdejante. O cheiro do mato fresco e o som de um riacho próximo invadiram seus sentidos. Ele se levantou, confuso. À sua frente, erguiam-se montanhas cobertas de neblina, e o céu era de um azul tão profundo que parecia uma pintura.
"Bem-vindo ao nosso mundo, Herói."
A voz ecoou atrás dele. Arthur se virou e viu uma figura encapuzada, vestindo um manto branco adornado com símbolos dourados. Era uma mulher alta, com olhos que brilhavam como safiras. Ela se aproximou, carregando um cetro esculpido em madeira.
"Quem... quem é você? Onde estou?" perguntou Arthur, ainda tonto.
"Você está em Myriath, a Terra dos Sete Reinos. Eu sou Elara, sacerdotisa da Luz. Você foi convocado para nos salvar."
Arthur riu, nervoso. "Salvar? Vocês pegaram o cara errado. Eu sou só um... um ninguém!"
Elara não respondeu. Apenas apontou para o horizonte, onde uma torre negra despontava, cercada por nuvens sombrias que pareciam consumir a luz ao seu redor.
"Aquela é a Fortaleza das Trevas, onde o Rei Demônio, Zarathor, governa. Ele se ergueu há cem anos, trazendo destruição e morte. Muitos tentaram detê-lo, mas todos falharam. Você é o Escolhido, aquele que o antigo profeta previu. Apenas você pode derrotá-lo."
Arthur sentiu as pernas fraquejarem. "Eu? Um herói? Eu nem sei lutar! Deve haver algum engano."
Elara aproximou-se, segurando as mãos dele. "Você tem poderes que ainda não conhece. Dentro de você há uma chama que pode mudar o destino de Myriath. Mas primeiro, você deve aceitar sua jornada."
Arthur olhou para suas mãos, agora tremendo. Algo em Elara parecia inegavelmente verdadeiro. Ele pensou em sua vida no Brasil, sem propósito, sem direção. Talvez essa fosse a chance de ser alguém. De fazer algo que importasse.
"E se eu falhar?" ele perguntou, baixinho.
Elara sorriu, um sorriso gentil, mas carregado de tristeza. "Então, tudo estará perdido."
Antes que Arthur pudesse responder, o chão começou a tremer. Do nada, uma criatura emergiu da floresta próxima. Era uma fera grotesca, com pele negra como carvão e olhos vermelhos brilhantes. Suas garras eram como lâminas, e ela soltou um rugido que ecoou pelas montanhas.
"Um arauto das trevas!" gritou Elara. "Eles sabem que você chegou!"
Arthur congelou enquanto a criatura avançava, seus passos pesados sacudindo o solo. Elara ergueu o cetro, criando um escudo mágico ao redor deles. "Eu posso segurá-lo por um tempo, mas você precisa lutar! Pegue isso!" Ela conjurou uma espada brilhante, que flutuou até ele.
Arthur segurou a arma com mãos trêmulas. Ela era leve, mas parecia vibrar com energia. A fera atacou, suas garras batendo contra o escudo de Elara. "Vai quebrar!" ela gritou. "Lute, Arthur!"
Sem pensar, ele avançou. A espada cortou o ar, e ele atingiu a criatura no ombro. Para sua surpresa, o golpe abriu uma ferida profunda, e a fera gritou de dor. Mas ela não recuou. Atacou novamente, e Arthur mal conseguiu desviar. Seus instintos começaram a assumir o controle, como se algo antigo despertasse dentro dele.
Com um grito, ele desferiu o golpe final, cravando a lâmina no coração da criatura. Ela soltou um último rugido antes de desintegrar-se em uma nuvem de poeira negra.
Ofegante, Arthur caiu de joelhos. Elara aproximou-se, colocando uma mão no ombro dele. "Você lutou bem. Mas isso é apenas o começo."
Arthur olhou para a espada em sua mão. A chama dentro dele começava a despertar, mas ainda havia medo. Muito medo. Ele sabia que não poderia voltar atrás.
"Tudo bem," ele disse, respirando fundo. "Se esse é o meu destino, eu aceito."
Elara assentiu. "Então prepare-se, Herói. O destino de Myriath está em suas mãos."
E assim, Arthur deu o primeiro passo em uma jornada que mudaria não apenas aquele mundo, mas também a si mesmo.