A luz da fogueira iluminava suavemente os rostos de Aery e Leo, criando um contraste entre a pele clara dela e o tom bronzeado dele. O silêncio entre eles era confortável, mas as palavras pareciam querer se formar a qualquer momento.
Leo olhou para Aery mais uma vez, ainda tentando entender por que ela era tão... diferente. Por mais que ele tivesse aprendido a desconfiar de qualquer um — especialmente de elfos brancos —, algo nela o fazia baixar a guarda. Sua personalidade alegre e despretensiosa era desarmante.
— Você parece feliz. — Leo quebrou o silêncio, observando o sorriso suave que não saía dos lábios de Aery.
Aery ergueu os olhos para ele, surpresa.
— Por que não estaria? Eu fiz um amigo hoje.
Leo bufou, mas havia um toque de diversão em seu tom.
— Amigo? É assim que você me vê?
— Sim! Por que não? — Aery deu de ombros. — Você me salvou. Estamos aqui juntos, compartilhando histórias e uma fogueira. Isso não é o que amigos fazem?
Leo riu baixinho, balançando a cabeça.
— Você realmente não se importa que eu seja um elfo negro?
Aery o encarou com seriedade por um momento antes de sorrir de novo.
— Não. Eu julgo as pessoas pelo que elas fazem, não pelo que são. Você é mais do que sua aparência ou o que dizem sobre sua raça. Eu vejo isso.
Leo ficou em silêncio, surpreso com a sinceridade dela. Era raro encontrar alguém que não o julgasse pelo que ele representava, especialmente uma elfa branca.
— Você é uma tola, sabia? — Ele disse, mas havia um tom quase carinhoso em sua voz.
Aery riu, balançando a cabeça.
— Já me disseram isso antes. Mas prefiro ser uma tola feliz do que alguém amargurado.
Leo sorriu de canto, seus olhos dourados brilhando com um misto de fascínio e curiosidade.
— Você não tem medo de nada, tem?
Aery inclinou a cabeça, pensativa.
— Claro que tenho. Todo mundo tem. Mas... não de você.
O silêncio recaiu novamente, mas desta vez, era cheio de compreensão mútua.
— E você? — Aery perguntou, curiosa. — O que você acha de mim?
Leo a encarou por um longo momento antes de responder.
— Acho que você é irritantemente encantadora.
Aery riu, os olhos brilhando.
— Vou tomar isso como um elogio.
— Não deveria.
A noite avançou enquanto os dois continuavam conversando.
Por mais diferentes que fossem, algo os conectava — uma chama que começava a arder entre eles, silenciosa, mas impossível de ignorar.
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Leo cutucava a fogueira com um galho, observando as faíscas subirem ao céu escuro. Ele já tinha enfrentado feras mágicas, batalhas mortais e traições de aliados. Nada disso o deixava tão desconfortável quanto o simples fato de estar sentado ali, ao lado de Aery, sentindo algo que ele não queria admitir.
Ela o encarava com aquele olhar curioso e brincalhão, os olhos azuis esverdeados brilhando à luz das chamas.
— Você sempre parece tão sério... — Aery comentou, cruzando as pernas enquanto se aconchegava mais perto do fogo. — Nunca sorri. Nunca relaxa. Vai acabar ficando velho antes do tempo.
Leo bufou.
— É fácil para você falar. Seu mundo é todo flores e risos. O meu é diferente.
— Diferente, como? — Aery inclinou a cabeça, curiosa. — Você acha que nunca enfrentamos dificuldades?
Leo desviou o olhar, a mandíbula tensa.
— Não como nós. Vocês vivem em vilarejos protegidos. Nós vivemos nas sombras, lutando por sobrevivência. Não há tempo para sorrisos.
Aery ficou em silêncio por um momento, analisando-o. Então, abriu um sorriso suave.
— Talvez você só precise de alguém para te ensinar.
Leo estreitou os olhos.
— Me ensinar o quê?
— A sorrir. A relaxar. A confiar.
Ele riu baixinho, mas sem humor.
— Não sou uma criança que precisa de lições.
— Não disse que era. — Aery deu de ombros. — Mas eu estou aqui, se você quiser aprender.
Leo ficou em silêncio, tentando ignorar o incômodo que subia por seu peito. Aquela elfa branca o irritava profundamente — não por ser insuportável, mas por fazê-lo sentir coisas que ele preferia enterrar.
— Por que você se importa tanto? — Ele perguntou de repente, a voz mais baixa. — Por que não tem medo de mim?
Aery o olhou com doçura.
— Porque eu vejo quem você é, não o que finge ser. Você tenta se fazer de frio e distante, mas eu vejo alguém que se importa. Alguém que quer mais da vida.
Leo desviou o olhar, o maxilar tenso.
— Você está enganada.
— Estou? — Aery sorriu, inclinando-se ligeiramente para ele. — Ou está apenas negando o que sente?
Leo sentiu o coração acelerar, mas manteve a expressão fechada.
— Você fala demais, branquinha.
Aery riu, adorando o apelido.
— E você, de menos. Talvez seja por isso que combinamos.
Leo fechou os olhos por um instante, tentando se controlar. Ele não podia admitir, nem para si mesmo, que gostava daquela elfa insuportavelmente encantadora.
Mas, sentado ali ao lado dela, percebeu que já era tarde demais.
Leo bufou, frustrado, antes de se levantar bruscamente.
— Você fala demais, branquinha. Boa noite.
— Boa noite, Leo. Sonhe comigo! — Aery provocou, rindo enquanto ele se afastava.
Leo apenas balançou a cabeça, ignorando a última farpa dela, deitando-se ao lado de sua espada. Aery o irritava de um jeito que ele não entendia. Ela não tinha medo dele, não se importava com sua origem, e isso o deixava inquieto.
— Você fala demais, branquinha. — Ele respondeu com um tom baixo e quase rosnado.
Ele sempre tomava precauções, analisando cada movimento, cada som ao redor. A natureza ao seu redor não lhe parecia tão amigável quanto parecia ser para Aery.
Aery se deitou no lado oposto da fogueira, enrolada em sua capa, com os cabelos ruivos espalhados ao redor, como um rio flamejante sob as estrelas.
— Você vai ficar aí a noite toda vigiando? — Ela perguntou, virando-se para ele. Seus olhos azuis estavam brilhando suavemente, refletindo a luz da fogueira.
— Sim, alguém precisa garantir que nenhum bicho estranho apareça para te devorar enquanto você dorme tranquila. — Leo respondeu, o sarcasmo sempre presente.
Aery riu, fechando os olhos com um sorriso brincalhão nos lábios.
— Acha que eu não sei me defender? Não precisa se preocupar. Eu sou uma elfa branca e poderosa, lembra? — Ela disse, com um toque de confiança em suas palavras.
Leo olhou para ela com um olhar cético, observando a despreocupação de Aery. Ela era diferente de tudo o que ele conhecia. Tão pura, tão... ingênua. Enquanto ele pensava em como poderiam ser vulneráveis ali, ela simplesmente se entregava ao sono com a mesma tranquilidade de uma criança.
Por mais que Leo tentasse esconder, uma sensação de desconforto começou a crescer dentro dele. Aery era valente, sem dúvida, mas também muito ingênua. Ela não sabia o que o mundo podia fazer com alguém tão desarmado, tão desprotegido.
Ele permaneceu acordado por algum tempo, seus olhos fixos na figura de Aery enquanto ela dormia. Ele não conseguia tirar os olhos dela, embora isso o irritasse. Ela parecia tão... indefesa enquanto dormia. A maneira como se enrolava em sua túnica, com os cabelos volumosos espalhados, a expressão suave no rosto. Parecia uma criança, completamente inconsciente dos perigos que a cercavam. Leo odiava admitir, mas algo dentro dele o incomodava profundamente ao vê-la assim.
Sua mente o levou de volta a todas as batalhas, a todas as perdas que ele havia enfrentado. Ele sabia como o mundo podia ser implacável. Como a morte espreitava em cada sombra, em cada esquina. Aery era, para ele, uma garota boa perdida nesse mundo cruel.
Leo cerrou os dentes, sentindo o peso de suas responsabilidades. Ela não era sua responsabilidade, não deveria ser. Mas, de algum modo, ele não conseguia ignorar o impulso protetor que surgia dentro dele. Ela parecia tão frágil em sua felicidade ingênua. Leo queria protegê-la, mas isso o assustava. O que isso significava para ele?
Ele suspirou profundamente, como se tentasse se livrar desse pensamento. Mas era inútil. Aquelas emoções não se dissipavam facilmente.
A noite se arrastou, e com o passar do tempo, Leo finalmente fechou os olhos, mas seus pensamentos estavam longe, vagando entre a preocupação e a resistência a algo que ele sabia que não deveria sentir.
Aery, por sua vez, continuava dormindo profundamente, com um sorriso tranquilo nos lábios. Sem saber que, na escuridão da noite, alguém estava vigiando-a de forma silenciosa, protegendo-a sem pedir nada em troca.
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A luz da manhã atravessava as folhas da floresta, criando um jogo de sombras e luzes douradas. Aery já estava acordada, observando os pássaros que voavam de galho em galho.
— Está cedo demais para tanto entusiasmo. — A voz rouca de Leo soou atrás dela.
— Bom dia pra você também, mal-humorado. — Aery respondeu, sorrindo.
Leo pegou sua espada e a prendeu nas costas, ignorando o comentário.
— Precisamos comer. Vamos procurar algo.
— Eu conheço algumas plantas comestíveis. — Aery sugeriu, se espreguiçando.
Leo arqueou uma sobrancelha.
— Plantas? Você acha que vou sobreviver com folhas?
— Ah, é claro. O grande guerreiro precisa de carne. — Aery revirou os olhos, divertida. — Então vá caçar, e eu vou buscar frutas e raízes. Dividimos o que encontrarmos.
Leo deu de ombros.
Enquanto Leo avançava pela floresta em busca de caça, Aery recolhia frutas vermelhas e algumas ervas que conhecia. Ela gostava de como o mundo parecia pacífico naquela manhã — mesmo com um elfo negro mal-humorado ao seu lado.
Quando se reuniram novamente, Leo trouxe um coelho selvagem, e Aery exibiu orgulhosamente sua colheita.
— Eu disse que daríamos um bom time. — Aery sorriu enquanto preparava a fogueira.
Leo observou-a em silêncio por um instante antes de sentar-se ao lado dela.
— Ainda acho que você fala demais.
— E você fala de menos. — Ela retrucou, entregando-lhe algumas frutas. — Mas já estou acostumada.
Leo pegou a fruta sem protestar.
— Por que está tão feliz?
Aery ergueu os ombros.
— Porque, por mais que sejamos diferentes, estamos aqui. Juntos. E o lugar é lindo também.
Leo desviou o olhar, focando na fogueira.
— Você é irritantemente otimista.
Aery sorriu.
— E você, irritantemente adorável.
Leo balançou a cabeça, mas não conseguiu evitar um pequeno sorriso de canto.
Enquanto a fogueira crepitava, Leo focado, trabalhava em silêncio, assando o coelho que havia caçado. Aery, sentada perto dele, comia algumas frutas enquanto o observava de canto de olho, um sorriso nos lábios. Ela estava acostumada a ler as emoções das pessoas, e sabia que Leo tentava manter suas defesas levantadas — mas ela via além da máscara.
— Você sempre foi tão carrancudo? — Ela perguntou, rompendo o silêncio.
Leo lançou-lhe um olhar preguiçoso.
— Sempre fui realista.
Aery riu, balançando a cabeça.
— Realista ou pessimista? Há uma diferença.
— Realista. O mundo é duro, branquinha. Quanto mais cedo você entender isso, melhor.
Ela cruzou os braços, desafiadora.
— O mundo pode ser duro, mas também pode ser bonito. Você só precisa saber onde olhar.
Leo suspirou, voltando a atenção para o fogo.
— Bonito, como?
Aery olhou ao redor, como se estivesse procurando as palavras certas.
— Como o céu pela manhã. Como as flores que brotam mesmo em solo seco. Como... — Ela parou, olhando diretamente para ele. — Como encontrar alguém inesperado que faz você querer ver o mundo de um jeito diferente.
Leo a encarou por um instante, sentindo o peso das palavras dela. Ele sabia que Aery estava falando dele, mas não sabia como responder. Sentia-se desconfortável com a maneira como ela falava de sentimentos tão facilmente, desarmando suas barreiras sem sequer tentar.
— Você fala de mim? — Ele perguntou, em tom sarcástico, tentando disfarçar o impacto daquilo.
— Talvez. — Aery deu de ombros, brincalhona.
Leo deu uma risada baixa, quase inaudível, enquanto virava o coelho na fogueira.
— Você é uma encrenca, sabia?
— Você já disse isso. Mas eu acho que você gosta de encrenca.
— Não gosto.
— Tem certeza?
Leo a fitou novamente, e dessa vez não desviou o olhar. Algo naquela elfa branca o intrigava profundamente.
— Tenho certeza de que você me irrita.
Aery riu.
— Mas está aqui. Isso diz muito, Leo.
Ele bufou e voltou a olhar para o fogo, mas não pôde deixar de pensar que, talvez, ela tivesse razão. Sem perceber, uma aliança havia sido formada entre eles. Mesmo sem fazer perguntas, suas jornadas estavam agora entrelaçadas.
— Vamos terminar de comer. — Ele disse sério, tentando mudar de assunto.
— Claro. — Aery respondeu, mas o sorriso travesso ainda brincava em seus lábios.
Os pensamentos de Leo vagavam novamente para a elfa sentada ao seu lado. Aery parecia absorvida em organizar as ervas e frutas que havia colhido, ocasionalmente lançando olhares furtivos para ele.
— O que foi? — Leo perguntou sem tirar os olhos do coelho.
— Nada. — Aery respondeu, um sorriso brincalhão surgindo em seus lábios. — Só estava pensando que, talvez, você não seja tão ruim quanto tenta parecer.
Leo soltou um suspiro pesado, mas um leve sorriso ameaçou aparecer em seu rosto.
— Você sempre encontra algo para falar, não é?
— E você sempre encontra algo para ignorar. — Aery retrucou com um tom travesso. — Vamos chamar isso de equilíbrio.
Leo riu baixinho, balançando a cabeça.
— Como consegue ser tão irritante e... intrigante ao mesmo tempo?
— É um talento natural. — Ela respondeu, erguendo o queixo como se fosse um prêmio.
Por um momento, a tensão desapareceu, dando lugar a um clima mais leve. Quando a comida ficou pronta, Leo dividiu o coelho com Aery, enquanto ela lhe oferecia frutas frescas para acompanhar.
— Admito, você não é tão inútil. — Leo provocou, mordendo um pedaço de fruta.
— Uau, isso foi quase um elogio! — Aery fingiu estar chocada, colocando a mão no peito. — Estou impressionada.
Leo revirou os olhos, mas o sorriso de canto continuava lá.
Enquanto comiam, o som suave da floresta os envolvia, criando uma bolha de tranquilidade em meio às incertezas da jornada. Por mais que tivessem começado como aliados relutantes, a sensação de parceria entre eles começava a se fortalecer.
Aery olhou para o céu, onde o sol já estava alto.
— Então, para onde vamos agora?
Leo limpou as mãos e se levantou, ajustando a espada nas costas.
— Há um vilarejo humano a dois dias daqui. Podemos conseguir suprimentos e informações.
Aery assentiu, pegando suas coisas e se levantando também.
— Tudo bem. Mas enquanto caminhamos, posso fazer algumas perguntas?
Leo ergueu uma sobrancelha.
— Isso depende.
— De quê?
— Do quão irritantes serão.
Aery riu, seguindo ao lado dele enquanto se embrenhavam pela floresta.
— Não se preocupe, Leo. Prometo não ser tão irritante.
Leo bufou, mas, no fundo, sabia que não conseguia mais imaginar aquele caminho sem a presença dela ao seu lado.
Assim, os dois seguiram em direção ao desconhecido, cada passo os aproximando mais do destino — e um do outro.
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