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Chapter 5 - Nem tudo são flores

O céu de Odeon começava a se tingir com os tons dourados do amanhecer. Aery, de pé na beira de um penhasco, observava o horizonte com um misto de expectativa e apreensão. A brisa fria trazia consigo o cheiro da floresta abaixo e o sussurro das árvores. Leo se aproximava em silêncio.

— Sempre tão melancólica de manhã? — Leo perguntou, apoiando a espada no ombro.

— Não é melancolia. Estou pensando no próximo passo. — Aery sorriu de leve, mas não olhou para ele.

— E o que a nossa estrategista-chefe sugere? Invadimos mais um covil de criaturas corrompidas?

Ela finalmente virou para encará-lo, olhos brilhando com determinação.

— Não. Precisamos de informações antes de continuar. Se essas criaturas estão ficando mais fortes, alguém está controlando ou ajudando elas.

Leo arqueou uma sobrancelha, intrigado.

— E onde pretende conseguir essas informações? Não é como se houvesse um mercado negro de "fofocas mágicas".

Aery deu um passo em direção a ele, aproximando-se o suficiente para desafiá-lo com o olhar.

— Precisamos ir até Ark.

O silêncio entre os dois se tornou quase palpável. O sorriso sarcástico de Leo desapareceu, substituído por uma expressão de cautela.

— Você está louca, não é? Meu povo não é exatamente... receptivo a estrangeiros. Ainda mais uma elfa branca como você.

— E você acha que Elinel seria receptiva com um elfo negro como você? — Aery retrucou, firme. — Não estamos em uma disputa de quem é mais odiado, Leo. Precisamos de respostas. - Ela diz, sem mencionar a curiosidade de conhecer o lugar.

Ele a observou por um longo momento, lutando contra o impulso de recusar. Havia algo na maneira como Aery falava que o fazia querer acreditar, mesmo que ele soubesse que a ideia era suicida.

— Tudo bem. — Ele finalmente cedeu, cruzando os braços. — Mas se eu acabar morto, vou voltar como um espírito só para atormentar você.

Aery soltou uma risada genuína, iluminando a tensão que pairava no ar.

— Combinado. Agora, podemos começar?

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Enquanto os dois se aventuravam em direção a Ark, lugar dos elfos negros, a paisagem mudava gradualmente. As árvores de Elinel davam lugar a terrenos mais escuros e hostis, marcados por magia sombria e sinais da guerra antiga. No caminho, eles cruzaram uma vila abandonada, os sinais de luta ainda visíveis nas paredes enegrecidas e nos campos secos.

— Este lugar... — Aery começou, sua voz carregada de pesar.

— Foi um dos primeiros a cair quando a guerra começou. — Leo explicou, sua voz mais baixa que o normal. — Meu povo tentou resistir, mas os reforços do seu povo nunca chegaram.

Ela olhou para ele, percebendo a dor oculta em suas palavras. Era fácil esquecer que Leo, apesar de seu sarcasmo e dureza, também carregava cicatrizes profundas.

— Você... perdeu alguém aqui? — A pergunta saiu antes que ela pudesse se conter.

Leo parou de andar, encarando as ruínas.

— Perdi muitas pessoas. — Ele finalmente respondeu, sem encará-la. — É por isso que não confio em alianças. Sempre há traição no final.

Aery sentiu o peso daquelas palavras, mas decidiu não insistir. Em vez disso, ela colocou uma mão gentil em seu ombro, um gesto que dizia mais do que qualquer palavra. Ele não a afastou, mas também não reagiu.

 A trilha rumo a Ark era um desafio por si só. Árvores retorcidas pareciam cochichar segredos sombrios enquanto Aery e Leo caminhavam por terrenos que alternavam entre lama pegajosa e pedras traiçoeiras. Aery estava determinada, sua postura confiante contrastando com a maneira como ela tropeçava de vez em quando em raízes salientes.

Leo, como sempre, não perdia a chance de provocar.

— Você tem certeza de que é uma elfa? Achei que a graciosidade fosse parte do pacote. — Ele segurou um riso quando Aery tropeçou novamente.

— É claro que sou uma elfa! — Aery respondeu, recompondo-se rapidamente. — Mas diferentemente de você, eu não passo todo o tempo pisoteando tudo como um troll desajeitado.

Leo arqueou uma sobrancelha.

— Trolls têm mais elegância do que você quando anda. E eles nem tentam.

Ela lançou um olhar fulminante para ele, mas não conseguiu conter o riso que escapou logo em seguida.

— Você é insuportável, sabia?

— É por isso que gosta de mim. — Ele deu de ombros, um sorriso ladino no rosto.

— Gosto tanto quanto de um espinho no pé. — Aery devolveu, mas seu sorriso brincalhão desmentia as palavras.

 No final da tarde, eles chegaram a um rio largo, de correnteza forte. Não havia ponte ou travessia visível, apenas a promessa de pés molhados e roupas encharcadas.

— Bem, isso é inconveniente. — Leo comentou, examinando o fluxo da água.

— Não se preocupe. Tenho uma ideia. — Aery disse, já começando a concentrar sua magia.

Leo cruzou os braços, curioso.

— Isso deveria me deixar animado ou preocupado?

— Apenas observe. — Aery respondeu com confiança.

Ela levantou as mãos, murmurando palavras, e uma ponte feita de luz começou a se formar, arco após arco, ligando as duas margens. Era linda e sólida.

— Impressionante. — Leo admitiu, caminhando com ela sobre a ponte reluzente. — Mas o que acontece se você perder o foco?

— Então... — Aery começou, sua voz vacilando ligeiramente.

De repente, a ponte tremeluziu, e um pedaço dela desapareceu sob os pés de Leo. Ele teve apenas tempo de gritar:

— AERY!

Em um instante, ele caiu na água gelada, enquanto a ponte se desfazia por completo.

Aery olhou para a cena, atônita, antes de cobrir a boca com as mãos, tentando abafar uma risada.

Leo emergiu, os cabelos negros grudados no rosto e a expressão de puro desgosto.

— Alguma explicação brilhante para isso? — Ele perguntou, cuspindo água.

— Ah, bem... — Aery começou, descendo a margem para ajudar. — Parece que minha concentração foi interrompida... pelo seu grito!

— Pelo meu grito? Eu caí porque você não terminou a maldita ponte! — Ele retrucou, pegando a mão que ela ofereceu e, com um movimento rápido, puxando-a para dentro da água.

O grito de surpresa de Aery ecoou, seguido por gargalhadas quando ela emergiu, agora tão molhada quanto ele.

— Eu mereci isso, não foi? — Ela admitiu entre risos.

— Com certeza. — Leo respondeu, finalmente esboçando um sorriso genuíno.

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 De volta à estrada, os dois seguiram molhados e encharcados, mas de bom humor. Quando pararam para descansar à noite, Aery tentou acender uma fogueira com magia, mas o fogo saía azul e minúsculo.

— Parece que você ainda está... enferrujada. — Leo observou enquanto esfregava as mãos para se aquecer.

— Talvez. Mas pelo menos estou tentando. — Aery rebateu, soprando no pequeno fogo para tentar aumentá-lo.

— Aqui, deixa comigo. — Leo disse, tomando a frente e acendendo um fogo decente com duas pedras e um pouco de paciência.

— Olha só, o guerreiro tem habilidades de escoteiro. — Aery comentou com um sorriso travesso.

— E você deveria aprender algumas. Magia não resolve tudo, sabe?

Aery revira os olhos, confiante em sua magia.

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 Quando finalmente chegaram às fronteiras de Ark, o céu estava escuro, e as primeiras luzes da cidade surgiam ao longe. O humor leve que os acompanhara na estrada começou a desaparecer, substituído por uma tensão no ar.

Leo parou e olhou para Aery.

— Está pronta para isso? — Ele perguntou, sua voz mais séria do que de costume.

Ela assentiu, tentando parecer confiante.

— Estou. E você?

Leo respirou fundo, os olhos fixos na cidade à frente.

— Nem um pouco.

A estrada para Ark era longa e silenciosa naquela manhã. O humor leve do dia anterior dera lugar a um ar de cautela. Leo caminhava à frente, seus passos firmes e olhar sempre atento aos arredores. Aery seguia logo atrás, admirando as árvores altas e a vegetação densa, alheia à tensão que ele sentia.

— Sabe, este lugar é tão bonito quanto Elinel. — Aery comentou, quebrando o silêncio.

Leo parou e se virou lentamente, o olhar sério.

— Não confunda beleza com segurança. Ark não é Elinel, e os elfos negros não são como os seus.

Ela inclinou a cabeça, observando-o com um misto de curiosidade e preocupação.

— Por que você me trouxe aqui, então?

Leo hesitou. Ele sabia que era uma má ideia desde o início, mas algo nele queria que ela entendesse. Que ela visse que o mundo não era feito de harmonia e flores, como ela parecia acreditar.

— Porque você precisa aprender. O mundo é cruel, Aery. E eu quero que você veja isso com os próprios olhos.

Aery cruzou os braços, encarando-o.

— Parece mais uma desculpa para me assustar.

Leo bufou e voltou a caminhar.

— Você é impossível.

— E você é um teimoso. — Ela respondeu, seguindo-o com um sorriso travesso.

Quando a paisagem começou a mudar, Aery percebeu a diferença. As árvores ficavam mais retorcidas, as folhas mais escuras, e o ar parecia mais denso. Em pouco tempo, torres negras despontaram no horizonte, imponentes e intimidadoras.

A entrada de Ark era um grande arco de pedra escura, guardado por dois elfos armados. Suas armaduras refletiam a luz pálida do céu, e seus olhos brilhavam em alerta. Assim que avistaram os dois viajantes, suas mãos foram direto às armas.

— Leo, quem é ela? — Um dos guardas perguntou, a voz baixa e perigosa.

Leo ergueu as mãos, em um gesto de calma.

— Uma viajante. Está comigo.

O segundo guarda deu um passo à frente, estreitando os olhos para Aery.

— Uma elfa branca? Aqui? Você sabe o que isso significa, Leo.

— Ela não é uma ameaça. — Leo respondeu, firme, posicionando-se entre Aery e os guardas.

— Não importa. — O primeiro guarda retrucou. — A presença dela aqui é uma afronta.

Aery, que até então estava quieta, deu um passo à frente.

— Eu não vim para causar problemas. Só quero ver o que há além de Elinel.

Os guardas riram, mas o som não tinha humor.

— Isso não é um passeio, garota. — Disse o segundo guarda. — Sua presença aqui é um insulto ao nosso povo.

Leo respirou fundo, os músculos tensos. Ele sabia que isso aconteceria, mas a hostilidade dos guardas ainda o incomodava.

— Basta. — Ele rosnou, sua voz cortando o ar como uma lâmina.

Os guardas hesitaram, mas mantiveram as mãos nas armas.

— Leo, você sabe que isso não vai acabar bem. — O primeiro guarda disse, agora mais calmo. — Leve-a embora antes que alguém veja.

Aery olhou para Leo, confusa e um pouco assustada.

— Leo...

Ele se virou para ela, seus olhos sombrios, mas havia algo mais lá — preocupação.

— Vamos embora. — Ele disse, pegando sua mão.

— Mas... você queria me mostrar...

— E você já viu o suficiente.

Sem esperar por resposta, ele a puxou de volta para a estrada.

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Aery estava quieta enquanto eles se afastavam de Ark. O silêncio entre eles era pesado, até que ela finalmente falou:

— Por que você não me deixou entrar?

Leo parou, soltando sua mão, mas não se virou para ela.

— Porque eu não vou deixar que eles te machuquem.

Aery piscou, surpresa.

— Você está me protegendo?

— Não. — Ele respondeu rapidamente. — Eu só... não quero lidar com problemas desnecessários.

— Claro. — Ela disse, mas o sorriso suave em seu rosto mostrava que ela não acreditava em nenhuma palavra dele.

Leo balançou a cabeça e começou a caminhar de novo.

— Vamos. O mundo não vai se explorar sozinho.

Aery o seguiu, o coração mais leve. Mesmo com toda a dureza de Leo, ela sabia que havia mais nele do que ele deixava transparecer.

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 O sol já estava baixo no horizonte quando Aery finalmente quebrou o silêncio que pairava entre eles desde que deixaram Ark. Sua expressão, normalmente radiante, estava abatida, e ela olhava para o chão enquanto caminhava.

— Leo... — Sua voz era quase um sussurro.

Ele não respondeu de imediato, mas reduziu o passo, deixando que ela o alcançasse.

— O que foi agora? — Ele perguntou, sem se virar.

Aery hesitou antes de continuar, mexendo nos dedos como fazia quando estava nervosa.

— Sinto muito... por ter insistido em ir até Ark.

Leo parou, virando-se para encará-la. Seus olhos estreitaram-se enquanto ele cruzava os braços.

— E só agora percebeu que foi uma ideia idiota?

Ela mordeu o lábio inferior, claramente desconfortável com o tom dele.

— Eu não queria insultar vocês. — Ela admitiu. — Só queria entender... o seu mundo.

Leo suspirou, esfregando a nuca, enquanto pensava em como responder.

— Você acha que o mundo gira em torno das suas intenções, Aery? — Ele começou, a voz firme. — A vida não é uma das suas histórias de contos de fada. Não importa o quanto você seja "bem-intencionada", o mundo real não se importa. Especialmente quando se trata de elfos negros e brancos.

Aery abaixou a cabeça, sentindo o peso das palavras dele.

— Eu só queria... que fosse diferente. Que houvesse menos ódio.

Leo bufou, mas havia menos dureza em sua expressão.

— Esse tipo de pensamento não vai te salvar. Nem a mim. Não é assim que o mundo funciona.

Aery levantou os olhos para ele, e algo em seu olhar fez Leo engolir o que ia dizer em seguida.

— Mas você me salvou. — Ela disse, com um sorriso tímido, mas sincero.

Leo congelou. Ele abriu a boca para responder, mas nada saiu. A suavidade do sorriso dela parecia desarmá-lo de uma maneira que nenhuma lâmina ou magia conseguia.

— Não foi por você. — Ele finalmente resmungou, desviando o olhar. — Foi por mim. Não queria lidar com toda a confusão que sua presença teria causado.

Ela riu suavemente, e o som fez com que Leo fechasse os olhos por um instante, como se quisesse afastar o impacto inesperado que aquilo tinha nele.

— Mesmo assim... obrigada.

Ele suspirou novamente, dessa vez mais longo, como se estivesse tentando aliviar um peso invisível.

— Só não faça mais isso. — Ele disse, olhando para ela de relance. — Não se meta onde não é bem-vinda.

— Prometo tentar. — Aery respondeu, e seu sorriso ficou mais largo.

Leo resmungou algo inaudível e começou a andar novamente, mas dessa vez seu passo era mais lento, como se quisesse permitir que ela o acompanhasse facilmente.

Aery o seguiu, com o coração mais leve, mesmo depois de tudo. Talvez o mundo não fosse feito só de flores, mas pelo menos ela tinha encontrado alguém que, mesmo sem admitir, parecia disposto a protegê-la.

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