A taverna tinha se acalmado, e o ambiente agora estava silencioso, com exceção do estalar da madeira velha sob os pés deles enquanto subiam as escadas. Quando chegaram à porta do quarto, Leo abriu, entrando primeiro, com Aery logo atrás.
- Só uma cama? - Ela perguntou, olhando ao redor.
Era um espaço simples, com uma cama de madeira coberta por lençóis de linho desgastado, uma pequena mesa com uma vela acesa e uma cadeira.
Leo cruzou os braços, claramente desconfortável.
- Parece que sim.
Aery não pôde deixar de sorrir.
- Ah, isso vai ser divertido.
Leo lançou-lhe um olhar de advertência.
- Não comece.
Ela ignorou o tom dele e caminhou até a cama, sentando-se com um salto leve.
- Bem, eu não me importo de dividir. - Disse ela, tirando as botas. - A menos que você ronque.
- Eu não ronco. - Ele respondeu rapidamente, tirando sua capa e a colocando na cadeira.
- Claro que não. - Aery retrucou, com um tom zombeteiro. Ela se deitou na cama, esticando os braços. - Parece confortável.
Leo olhou para ela e depois para o chão.
- Eu fico no chão.
Aery se sentou, franzindo a testa.
- Não seja bobo. Tem espaço suficiente aqui, Leo.
- Não vou discutir isso. - Ele começou a tirar a espada e a colocar ao lado da cadeira, preparando-se para dormir ali mesmo.
- Você é impossível, sabia? - Ela disse, cruzando os braços. - Está com medo de dividir a cama comigo?
Leo a encarou com um olhar firme, mas desconfortável.
- Não é isso.
- Então o que é? - Ela inclinou a cabeça, claramente se divertindo.
- Eu só prefiro o chão.
- Claro, claro. - Ela sorriu, provocadora, antes de puxar os cobertores e se deitar de lado, encarando-o. - Boa sorte com as tábuas duras.
Leo suspirou, deitando-se no chão com sua capa como travesseiro. Ele cruzou os braços atrás da cabeça, tentando ignorar os movimentos de Aery na cama.
- Boa noite, Leo. - Ela disse, a voz doce e provocadora.
- Boa noite, Aery. - Ele respondeu, fechando os olhos.
Por um momento, o silêncio reinou, mas logo ela voltou a falar.
- Sabe, você realmente deveria considerar a cama. Vai acordar todo dolorido.
- Boa noite, Aery. - Ele repetiu, com um tom de exasperação.
Ela riu baixinho, e Leo, apesar de sua irritação, não pôde evitar um pequeno sorriso. Ela tinha o dom de desarmá-lo, mesmo nos momentos mais simples.
Conforme a vela ia diminuindo, o quarto foi envolvido pela escuridão, e ambos, ainda que hesitantes, encontraram conforto na presença um do outro, mesmo com suas diferenças.
O silêncio da noite foi interrompido pelo som de passos leves. Leo abriu os olhos apenas o suficiente para ver Aery andando até ele, arrastando o cobertor da cama, nas costas, como uma capa de heroína.
- O que você está fazendo? - Ele perguntou, o tom levemente rouco pela exaustão.
- Não posso deixar você dormir no frio, oh, grande guerreiro que sacrifica tudo. - Ela respondeu, dramatizando cada palavra enquanto segurava o cobertor como se fosse uma oferenda sagrada, se ajoelhando perante ele. - Eu me sacrificarei para que você tenha conforto.
Leo arqueou uma sobrancelha, observando-a enquanto ela se ajoelhava ao seu lado e jogava o cobertor sobre ele com um gesto exagerado.
- Pronto. Agora você pode dormir sem congelar.
Ele segurou o cobertor, claramente dividido entre agradecer e revirar os olhos.
- Você percebe que isso te deixa sem cobertor, certo?
- Não se preocupe comigo. - Ela colocou a mão na testa, fingindo fraqueza. - Eu suportarei o frio cruel desta noite por você.
Leo bufou, um sorriso irônico surgindo em seus lábios.
- Você é insuportável.
- Obrigada! - Ela respondeu alegremente, levantando-se para voltar à cama.
Mas no caminho, parou de repente, olhando para o pequeno armário no canto do quarto.
- Espere... Será que tem mais cobertores ali?
Leo a observou abrir o armário, encontrando mais dois cobertores dobrados. Ela deu um grito abafado de vitória.
- Estamos salvos! - Ela exclamou, segurando os cobertores como se fossem um tesouro.
- Então todo esse drama foi por nada? - Leo perguntou, a diversão evidente em sua voz.
- Não foi por nada! - Ela retrucou, voltando para a cama com os cobertores extras. - Foi uma demonstração de altruísmo!
- Altruísmo exagerado.
- Detalhes, detalhes.
Ela jogou um dos cobertores extras para ele e se acomodou na cama novamente, enrolando-se no outro.
- Agora sim. Todos quentinhos.
Leo sacudiu a cabeça, ajustando o novo cobertor sobre si.
- Boa noite, Aery.
- Boa noite, Leo. Sonhe comigo! - Ela respondeu rindo, satisfeita com sua "grande missão".
Mesmo em meio às provocações e teatralidade, os dois encontraram um momento de conforto compartilhado, aquecidos não apenas pelos cobertores, mas pela estranha camaradagem que crescia entre eles.
Aery se aconchegou na cama, puxando o cobertor recém-descoberto até o queixo. Sentia-se satisfeita consigo mesma, mesmo que sua "grande missão" de sacrifício tivesse sido desnecessária. Mas, no fundo, não era apenas sobre os cobertores. Era sobre o jeito como Leo reagia às suas provocações - aquele equilíbrio perfeito entre irritação e um leve sorriso que ele tentava esconder. Isso fazia o coração dela bater um pouco mais rápido do que gostaria de admitir.
Ela olhou na direção de Leo, que estava deitado no chão, aparentemente imóvel sob o cobertor. Ele parecia relaxado, mas os olhos dele brilhavam com um foco que desmentia o sono.
"Será que ele está pensando em mim?" Aery se perguntou, mordendo o lábio inferior. O pensamento a fez corar, e ela rapidamente desviou o olhar, como se ele pudesse perceber seus pensamentos.
Leo, por outro lado, observava o teto, tentando ignorar a suave fragrância de flores que parecia segui-la onde quer que fosse. Ele odiava admitir, mas estava agradecido pelo calor do cobertor. Claro, ele nunca diria isso em voz alta - Aery já tinha confiança demais para o gosto dele.
Mas algo nela o intrigava. Havia uma inocência em suas ações, uma bondade tão genuína que era desconcertante. Ele se perguntava como alguém como ela conseguia encontrar alegria e beleza em coisas tão simples, mesmo após enfrentarem perigos.
"Ela me irrita mais do que qualquer pessoa que já conheci," pensou ele, mas havia uma suavidade em seus pensamentos que não combinava com a dureza habitual. Ele se lembrou do jeito que ela dramatizou o "sacrifício", do brilho nos olhos dela ao encontrar os cobertores extras.
E então veio o sorriso. Não o sorriso alegre e provocador que ela usava durante o dia, mas o sorriso calmo e sincero que ela deu antes de desejar boa noite. Aquilo ficou preso na mente dele, como uma melodia que se recusa a ir embora.
Aery mexeu-se na cama, a voz saindo baixa e hesitante:
- Leo?
Ele respondeu sem olhar para ela, a voz rouca e baixa:
- O que foi agora?
- Obrigada... por tudo. Por me proteger, mesmo quando é difícil.
Leo virou a cabeça na direção dela, surpreso pela sinceridade na voz dela. Não havia provocação ali, apenas gratidão. Por um momento, ele considerou responder algo sarcástico, mas a honestidade dela o desarmou.
- Não precisa me agradecer, branquinha. Só estou fazendo o que é certo.
Aery sorriu novamente, mesmo que ele não pudesse ver. O silêncio se instalou entre eles, mas era um silêncio confortável, carregado de algo não dito, mas compreendido.
Leo fechou os olhos, finalmente deixando o cansaço vencê-lo. Antes de adormecer, uma única frase passou por sua mente:
"Talvez a ideia de dividir a jornada com ela não seja tão ruim assim."
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O primeiro raio de sol atravessou a janela, iluminando o pequeno quarto. Aery foi a primeira a abrir os olhos, espreguiçando-se com um sorriso sonolento. Quando virou a cabeça, viu Leo ainda deitado no chão, os braços cruzados sobre o peito como se estivesse pronto para uma batalha até mesmo enquanto dormia.
- Leo, hora de acordar! - Ela chamou com um tom cantarolado.
Ele resmungou algo ininteligível e puxou o cobertor para cobrir o rosto.
- Ah, não! Você não vai continuar aí dormindo! - Aery levantou-se, descalça, e deu um leve empurrão no ombro dele. - Temos um dia cheio pela frente!
Leo abriu um olho, o olhar mortal de sempre, mas isso só fez Aery rir.
- Você é a personificação da energia matinal irritante - ele murmurou, sentando-se lentamente.
- E você é a personificação de quem precisa de um banho urgente! - Ela brincou, tapando o nariz de forma teatral.
- Muito engraçado. Mas, por acaso, você não está muito melhor - ele retrucou, apontando para os fios ruivos dela, bagunçados e com mechas escapando por todo lado.
- Ei! - Aery protestou, tocando o próprio cabelo e fingindo indignação. - Pois então, vamos resolver isso agora mesmo!
Os dois desceram para o banho. No pequeno espaço compartilhado, havia dois reservatórios separados por uma divisória simples. Leo ocupou o lado esquerdo, enquanto Aery foi para o direito.
- Não espie, Leo! - Aery provocou, rindo.
- Quem é que iria querer espiar? - Ele respondeu, embora suas orelhas ficassem levemente vermelhas.
Enquanto a água fresca caía sobre ela, Aery relaxou, deixando os pensamentos vagarem. Pegou um pouco de sabão e começou a lavar seus longos cabelos, massageando o couro cabeludo, depois usando um tipo de manteiga vegetal. Seus dedos passavam pelas mechas ruivas, agora pesadas de água, e ela percebeu que levaria horas para secá-los completamente.
- Que trabalheira... - murmurou para si mesma, rindo suavemente.
Do outro lado, Leo também lavava rapidamente os cabelos escuros, tentando ignorar a melodia suave que Aery começou a cantar. Ele tinha que admitir: era uma música bonita, e a voz dela... era ainda mais.
- Você não para nem debaixo d'água, não é? - Ele comentou, alto o suficiente para que ela ouvisse.
- É claro que não! Eu sou um poço de alegria e energia, lembra? - Ela respondeu, rindo, enquanto torcia os cabelos para tirar o excesso de água.
- Isso, ou uma fonte de dor de cabeça - ele murmurou, mas havia um leve sorriso em seu rosto.
Aery terminou primeiro e, enrolada em uma toalha, saiu para o quarto. Ela começou a secar o cabelo, mas, enquanto o fazia, pensou em algo.
- Leo, acho que você vai ter que me ajudar a secar meu cabelo. Vai demorar uma eternidade se eu fizer isso sozinha.
- O quê? Nem pensar! - Ele respondeu, surgindo na porta com os cabelos ainda molhados e pingando, mas já vestido.
- Por favor! - Aery insistiu, batendo os cílios de forma exagerada.
Leo suspirou profundamente, sabendo que ela não desistiria.
- Isso vai ser rápido, certo?
- Talvez... - Aery sorriu travessa, estendendo o pente. - Depende do quanto você é bom nisso.
Leo pegou o pente com um olhar desconfiado, mas havia algo quase caloroso na interação. Enquanto começava a desembaraçar os fios ruivos, ele pensou que talvez aquela manhã não fosse tão ruim, afinal.
Leo segurou o pente nas mãos, olhando para os longos cabelos ruivos de Aery espalhados sobre seus ombros e costas como um rio de chamas vivas. Ele franziu a testa.
- Certo, como exatamente você quer que eu seque isso? Porque, honestamente, minha primeira ideia foi jogá-lo na lareira para resolver isso de uma vez.
Aery engasgou de tanto rir, jogando a cabeça para trás.
- Na lareira?! - Ela repetiu, ainda rindo. - Eu sabia que você não entendia nada de cabelos, mas isso já é demais!
Leo revirou os olhos, segurando uma mecha de cabelo úmido entre os dedos como se fosse algum tipo de artefato desconhecido.
- Olha, eu sou um guerreiro, não um cabeleireiro. Mas você insiste em me fazer passar por essas coisas ridículas.
- Não é ridículo, é útil! - Aery o corrigiu com um sorriso. - Vamos lá, pense em algo. Use o cérebro, grande guerreiro.
Ele olhou ao redor do quarto, seus olhos pousando na pequena lareira acesa no canto. A ideia voltou à sua mente, e ele abriu a boca para falar, mas Aery o interrompeu com um olhar de advertência.
- Nem pense nisso.
Leo bufou, cruzando os braços.
- Então, o que você sugere, ó grande especialista em cabelos?
Aery pegou uma toalha seca e a entregou a ele, enquanto segurava outra para si.
- Vamos esfregar suavemente e depois usar o calor da lareira, mas de uma distância segura. - Ela explicou pacientemente.
- Esfregar suavemente. Entendi. - Leo disse com sarcasmo, começando a passar o pano no cabelo dela com mais força do que deveria.
- Ei, calma aí, Leo! - Aery protestou, rindo. - Isso é meu cabelo, não uma espada suja!
Leo suspirou, tentando ser mais cuidadoso, mas a situação era claramente fora de sua zona de conforto.
- Isso está me matando mais do que qualquer batalha.
Aery virou o rosto para ele, seus olhos brilhando com diversão.
- Mas olha só, você está fazendo um ótimo trabalho. Vou te contratar como meu ajudante pessoal!
- Não se empolgue, branquinha. - Ele resmungou, mas havia um sorriso quase imperceptível em seus lábios enquanto continuava a ajudá-la.
Quando terminaram, os cabelos de Aery estavam quase secos, e ela os balançou alegremente.
- Viu só? Você tem talento para isso.
- Se você disser isso mais uma vez, talvez eu realmente jogue seu cabelo na lareira.
Aery observou o cabelo de Leo enquanto ele terminava de ajeitar as armas e o cinto. Seus longos fios negros estavam levemente úmidos por causa do banho rápido, e uma ideia brilhante passou por sua mente.
- Agora é a minha vez! - Ela anunciou com entusiasmo, aproximando-se dele com o pano que tinha acabado de usar.
Leo a olhou desconfiado, arqueando uma sobrancelha.
- Sua vez de quê?
- De cuidar do seu cabelo, é claro! - Ela sorriu, já levantando o pano em direção aos fios dele.
- Nem pensar. - Ele recuou um passo, franzindo a testa. - Meu cabelo está bom.
- Está molhado, Leo. - Aery insistiu, cruzando os braços. - Não podemos sair assim, ou você vai pegar um resfriado.
- Elfos negros não pegam resfriados, branquinha. - Ele retrucou com sarcasmo.
- Ah, que bom! Pena que eu sou uma especialista em cabelos, e você não vai escapar. - Aery puxou o braço dele com firmeza, surpreendendo-o com sua determinação.
- Você é insuportável. - Leo suspirou, mas acabou cedendo, sentando-se na cadeira ao lado da janela.
Aery começou a secar os cabelos dele com cuidado, tentando ser tão suave quanto possível.
- Você tem um cabelo bonito, sabia, Leo? - Ela comentou, admirando a textura dos lisos fios negros.
- Eu nunca pensei nisso. - Ele respondeu secamente, mas havia uma leve curiosidade em seu tom.
- É porque você nunca cuidou dele direito. - Aery brincou, terminando de secá-lo com a toalha.
- Nunca cuidou e tá melhor que o meu... Que injusto!- ela suspira dramática.
No entanto, ao terminar, ela percebeu algo engraçado sobre o próprio cabelo. Tocando os fios, percebeu que estavam volumosos e com frizz.
- Ah, não! Meu cabelo tá parecendo uma nuvem!
Leo olhou para ela com um meio sorriso.
- Você é a especialista em cabelos. Resolva isso.
- E eu vou! - Ela disse com convicção, puxando um pequeno frasco de vidro da bolsa. - Este é o meu segredo: mix de óleos de flores. É perfeito para cabelos rebeldes.
Ela derramou algumas gotas do óleo na palma da mão, esfregou agressivamente para aquecê-lo e começou a aplicar cuidadosamente em seus próprios cabelos, alisando os fios com cuidado.
- Viu? Fácil assim. - Ela diz, com nariz em pé, seu cabelo agora brilhando à luz da manhã.
- Parece... eficiente. - Leo comentou, observando com curiosidade.
Aery estreitou os olhos para ele, segurando o frasco de óleo.
- Está na hora de experimentar no seu cabelo também, Leo.
- Não, nem pense nisso.
- Muito tarde! - Ela riu, aplicando uma pequena quantidade nas mãos antes que ele pudesse protestar e passando rapidamente nos fios negros dele.
Leo resmungou, mas não a afastou.
- Está melhor assim. - Aery disse com orgulho, dando um passo para trás para admirar o trabalho.
Leo passou a mão pelos cabelos, notando a textura mais suave.
- Você realmente gosta de exagerar, não é?
- Eu gosto de fazer as coisas bem feitas. - Ela respondeu, levantando o queixo com um sorriso satisfeito.
- Se bem que seu cabelo bagunçado combina com você. - completa, pensativa.
Leo balançou a cabeça, mas havia um leve sorriso escondido em seu rosto.
- Vamos sair logo, antes que você invente outra coisa.
- Outra coisa? - Aery provocou. - Talvez eu deva começar a trançar seu cabelo!
- Nem tente, branquinha.
Rindo, os dois saíram do quarto, prontos para enfrentar o dia com seus cabelos impecáveis.
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