Lucifer estava em pé, seu olhar flamejante fixo em Belphegor, enquanto a vasta sala ao redor deles tremia com a tensão. O ar estava carregado com a intensidade do confronto, mas Belphegor não parecia nem um pouco afetado. Ele estava estirado sobre um trono improvisado de ossos quebrados, com os pés descalços quase tocando o chão de fogo, os olhos semi-fechados, como se o inferno inteiro fosse apenas um leve incômodo para ele. Sua postura exalava preguiça, como se a guerra entre os pecados fosse algo que ele simplesmente não tivesse paciência para lidar.
Lucifer, se aproximando com um olhar feroz, finalmente rompeu o silêncio.
- Você ainda está aqui, Belphegor? Sempre tão... apático. Sabe, esse comportamento seu já está me cansando. Não posso permitir que você permaneça aqui, sem fazer nada, quando o mundo está prestes a ser devorado pela guerra. O que você vai fazer a respeito?
Belphegor estava olhando para um telão projetando o círculo da preguiça, enquanto comia o intestino delgado de um corpo que repousava em cima dele, ele deu uma leve virada na cabeça, olhando para Lucifer com um olhar entediado, como se a resposta fosse óbvia, mas ele preferiu fazer um pequeno esforço para respondê-lo.
- Aí, mano... preguiça, sabe? Não tô nem aí não. Acho que vou ficar por aqui mesmo, relaxando. A guerra, o trono, essas coisas... é tudo muito... movimentado, curto nao tá ligado? Acho que vou... pular essa parte.
Lucifer franziu a testa, frustrado com a resposta. Ele deu um passo à frente, aproximando-se mais ainda, seu rosto agora uma máscara de raiva e impaciência.
- Isso não é uma escolha, Belphegor. Você tem um papel a desempenhar aqui! Não vai me dizer que vai continuar com essa sua atitude de quem está sempre... descansando?
Belphegor, sem sequer mexer o corpo, fez um gesto desinteressado com a mão, como se estivesse espantando uma mosca que o incomodava.
- Não vou lá não, Lucifer. Ah vai se fuder! O que você quer de mim, hein? Correr pra onde? Tipo... se eu for lá, vou ter que fazer um monte de coisa, e... ah nem, ta dando até preguiça de falar com você, tô tranquilo aqui. O inferno é grande, tem muito lugar pra ficar de boa, e aqui é um dos melhores.
Lucifer mordeu o lábio, tentando controlar a raiva que começava a borbulhar dentro dele. Mas Belphegor, alheio a tudo isso, deu um bocejo exagerado, sem pressa alguma para sequer se sentar direito. Ele parecia absolutamente confortável em sua apatia, seu rosto exalando uma serenidade quase irritante.
- Você realmente não vai me ajudar, vai? Não quer lutar, não quer dominar, só quer ficar aqui como um... como um... relaxado?
- Tô não. - Belphegor disse, dando de ombros e voltando sua atenção para o telão e depois para a laringe do corpo em cima dele, um banquete, que parecia tão interessante quanto qualquer outra coisa no inferno. - Sei lá, Lucifer. Eu... tô... na minha, entende? Se você precisa de mais alguém pra ficar fazendo as coisas, talvez você tenha que achar outro. Mas eu já tô no rolê da inatividade aqui. Não tem nada de errado em só... existir.
Lucifer ficou em silêncio por um momento, os olhos cheios de um fogo que parecia querer consumir tudo à sua volta. Ele sabia que Belphegor não era alguém fácil de persuadir, mas a indiferença do demônio estava começando a irritá-lo de uma forma que ele não conseguia controlar. Ele se aproximou, agora tão perto de Belphegor que sua sombra cobria metade do trono onde Belphegor estava deitado.
- Você vai me desafiar até o fim, não é? Vai continuar assim, relaxando, enquanto tudo ao nosso redor começa a ruir?
Belphegor se esticou, estalando os ombros com preguiça, e virou a cabeça, olhando para Lucifer com um sorriso sem animação.
- Ah, não vai ruir, não. Vai ser só um... tempinho de nada. Esse cara aí é só um humano, os três lá só deram bobeira abrindo espaço pra aquele cara falar, por isso os três morreram, se eu não fizer nada também não tenho chance de morrer... E eu vou continuar aqui, descansando. Não tem erro. Tô de boa irmão. Relaxa. Você é que tem esse negócio de querer fazer tudo, não eu.
Lucifer não sabia se ficava mais irritado com a resposta ou com a atitude de Belphegor, mas sabia que tentar convencer o demônio preguiçoso seria como tentar forçar uma pedra a rolar montanha acima. Com um suspiro pesado, ele finalmente se afastou, não sem antes lançar um olhar de desdém para Belphegor.
- Um dia, você vai se arrepender dessa postura, Belphegor. Quando o inferno for dominado por aqueles que têm o poder de agir, você... você será apenas mais uma sombra na escuridão.
Belphegor não se mexeu, apenas balançou a cabeça levemente, com uma risada baixa escapando de seus lábios.
- Aí, vai cagar, na moral, se um dia eu acordar, eu te falo. Agora, vaza. Acho que vou tirar um cochilo.
E assim, Lucifer, sem mais palavras, se afastou, deixando Belphegor em sua preguiçosa indiferença, como se nada mais fosse tão importante quanto o sono que ele estava finalmente prestes a ter.