Cinco anos e meio se passaram desde que comecei a praticar magia com Devon. Minha vida mudou drasticamente. Não sou mais aquela menina fraca e doente que mal conseguia levantar da cama. Agora, meu corpo está mais forte, e minha saúde, muito melhor. Parte disso devo ao cuidado de Devon e da babá, mas também às minhas plantações, que têm sido uma fonte constante de alimentos frescos e nutritivos.
Hoje é um dia especial. Devon e a babá decidiram me levar à cidade para comprar tecidos. Babá quer me fazer vestidos novos, algo especial para marcar minha recuperação e meu próximo aniversário.
Assim que chegamos à cidade, fomos envolvidos pela agitação da multidão. Todos pareciam estar falando sobre a volta do poderoso Grã-Duque. Depois de anos na guerra, ele retorna vitorioso, trazendo novos territórios e uma fortuna em ouro para o reino.
— O grande herói está de volta! — ouvi alguém gritar.
Para eles, ele pode ser um herói, mas para mim, ele é apenas um homem frio e egoísta que me ignorou durante toda a minha vida. Ele me abandonou, deixou que seus empregados fizessem o mesmo e nunca olhou para trás.
Depois de escolher os tecidos, babá insistiu em comprar alguns ingredientes para fazer um bolo. Ela queria comemorar meu aniversário, e eu sabia que ela fazia isso para me alegrar. Enquanto ela negociava com os comerciantes, algo chamou minha atenção: um cercado com galinhas e duas vacas acompanhadas de seus bezerros.
Elas pareciam bem cuidadas, e enquanto eu as observava, uma ideia começou a se formar em minha mente. Se tivéssemos galinhas, poderíamos ter ovos frescos todos os dias. E as vacas nos forneceriam leite, talvez até queijos e manteigas. Era mais uma forma de tornar nossa vida um pouco mais independente e confortável.
— Você gostou deles? — Devon perguntou, observando meu interesse.
Assenti, com um pequeno sorriso.
Devon trocou algumas palavras com o comerciante e, em pouco tempo, estava negociando o preço. Alguns minutos depois, estávamos voltando para casa com quatro galinhas, duas vacas e dois bezerros.
Devon nem se surpreende mais com os tipos de presentes que eu gosto.
— Um investimento sensato, — Devon comentou. — E parece que você já está aprendendo a pensar estrategicamente, pequena senhora.
Enquanto caminhávamos pelo caminho de volta ao palácio, eu mal podia conter minha empolgação. Cada pequeno passo que dávamos parecia me levar mais longe da vida miserável que vivi e mais perto de um futuro onde eu tivesse controle sobre meu destino.
Mas, mesmo em meio à alegria do momento, uma sombra pairava sobre mim. A notícia do retorno do Grã-Duque ecoava em minha mente. Ele estava voltando, e eu sabia que nossa relação, ou a falta dela, precisaria ser confrontada. Talvez não hoje, talvez não amanhã, mas esse momento estava se aproximando, e eu precisava estar pronta.
Assim que chegamos de volta ao palácio, Caleb, o cavaleiro e faz-tudo do lugar, veio nos receber. Ele franziu a testa ao ver as galinhas e os bezerros, mas antes que eu pudesse explicar, ele já estava analisando o espaço ao redor.
— Bem, parece que vamos precisar de um galinheiro decente e um estábulo improvisado para essas vacas e bezerros. — Ele disse, cruzando os braços.
— Você pode fazer isso, Caleb? — perguntei, curiosa.
Ele sorriu de canto, com um brilho de desafio nos olhos.
— É claro que posso. Vai levar alguns dias, mas quando terminar, esses animais terão o melhor abrigo que já viram.
Devon concordou com um aceno e deu instruções para que Caleb tivesse acesso ao que precisasse. Eu, animada, comecei a pensar em onde colocaríamos os galinheiros. O espaço próximo às minhas plantações parecia perfeito.
Caleb não perdeu tempo. Enquanto eu e a babá levávamos as galinhas e os bezerros para um canto seguro, ele já estava marcando o chão e organizando as ferramentas.
— É uma boa decisão, senhorita, — ele comentou enquanto trabalhava. — Com esses animais, você terá mais independência. Pelo visto você continua a mesma garotinha que queria plantas e verduras para plantar como presentes de aniversário.
Sorri, sentindo uma pontada de orgulho. Era bom ouvir que minhas decisões estavam começando a ser reconhecidas.
Enquanto Caleb continuava com seus planos, não pude deixar de pensar no quão importante tudo isso estava se tornando para mim. Cada pequena conquista — minhas plantações, os animais, as mudanças no palácio — eram passos em direção a uma vida que eu estava construindo com minhas próprias mãos.
E, de certa forma, tudo isso me preparava para algo maior. O retorno do Grã-Duque era inevitável, e quando ele finalmente voltasse para este palácio, eu queria que ele visse que a menina frágil e esquecida havia se tornado uma força a ser reconhecida.
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Uma semana depois, no dia do meu aniversário, Devon e Caleb finalmente concluíram o galinheiro e o abrigo para as vacas e bezerros. Eles me chamaram logo cedo para mostrar o resultado, e fiquei impressionada com o que vi.
O galinheiro era um espaço espaçoso e bem estruturado. As paredes eram feitas de madeira resistente, pintadas de branco com detalhes em azul claro, combinando com o estilo rústico do palácio. Caleb havia instalado uma cerca alta ao redor, feita com um arame que ele reforçou para proteger as galinhas de predadores.
— As galinhas têm espaço para se movimentar e até para botar ovos em paz, — Caleb explicou, apontando para pequenos nichos alinhados ao longo de uma parede interna, preenchidos com palha fofa. Ele até improvisou uma pequena janela no teto, permitindo a entrada de luz solar.
O local das vacas e dos bezerros era igualmente bem pensado. Caleb e Devon transformaram um antigo celeiro em ruínas em um estábulo acolhedor. A estrutura foi reforçada com madeira nova, e as paredes externas receberam um acabamento rústico, mas elegante. Havia divisórias para cada animal, todas com espaço suficiente para que eles ficassem confortáveis.
— E aqui estão os bebedouros e comedouros que Caleb instalou, — Devon mostrou, apontando para os recipientes de madeira bem polidos e protegidos da chuva.
O espaço ao redor do estábulo foi cercado com madeira para criar um pequeno pasto, permitindo que os bezerros corressem e que as vacas se movimentassem livremente durante o dia. Para completar, Caleb havia plantado algumas flores ao redor da área, dando um toque de cor e alegria ao ambiente.
— O que acha, senhorita? — Caleb perguntou, cruzando os braços e exibindo um sorriso satisfeito.
Eu me aproximei, olhando com admiração.
— Está perfeito. Vocês realmente superaram todas as expectativas.
Os dois trocaram olhares orgulhosos, e Devon deu um leve tapinha no ombro de Caleb.
— Fizemos o nosso melhor. Afinal, hoje é um dia especial.
Enquanto observava as galinhas se acomodando no novo lar e os bezerros explorando o espaço ao lado das vacas, senti uma onda de gratidão. Não era apenas um presente de aniversário — era um passo à frente na construção de algo que eu poderia chamar de meu.
Assim que a babá nos chamou para comemorar meu aniversário, fiquei animada ao ver o que ela tinha preparado. Na mesa simples, mas bem arrumada, havia um bolo de cenoura com uma calda brilhante de chocolate, bolinhas salgadas de batata com queijo e uma jarra de suco de laranja. Todos os ingredientes principais vieram do meu próprio "jardim", o que tornava tudo ainda mais especial.
Depois da pequena refeição, a babá trouxe quatro vestidos que ela havia costurado com os tecidos que compramos juntos.
1. **Vestido Azul Claro**: Este tinha um corte simples, mas elegante, com mangas bufantes e detalhes de renda branca no decote e na barra. O tecido leve o tornava perfeito para o dia a dia.
2. **Vestido Lilás**: Um modelo mais elaborado, com a saia levemente rodada e um laço grande nas costas. O decote em formato de coração era decorado com pequenas pérolas costuradas à mão.
3. **Vestido Verde Musgo**: Este era mais robusto, com mangas longas e gola alta, ideal para dias mais frios. Tinha bordados discretos de flores ao longo das mangas e da bainha.
4. **Vestido Vermelho Profundo**: Elegante e chamativo, com detalhes dourados que formavam padrões florais na saia e no corpete. Perfeito para ocasiões especiais.
Enquanto eu admirava os vestidos, Caleb se aproximou com um pequeno pacote.
— Achei que você deveria ter pelo menos um acessório agora que tem 11 anos, — ele disse, entregando-me o presente.
Dentro da pequena caixa estava uma corrente delicada de prata.
A corrente era fina e sutil, com um pequeno pingente em forma de folha. O detalhe era minucioso, com veios gravados no metal, como se fosse uma folha real.
— A folha representa crescimento e renovação, — explicou Caleb, coçando a nuca com um sorriso tímido. — Achei que combinava com você e com tudo o que tem feito ultimamente.
Fiquei tocada pelo gesto e pela explicação. Coloquei o colar imediatamente e olhei para Caleb com gratidão.
— É lindo. Obrigada, Caleb.
Ele deu de ombros, tentando parecer despreocupado, mas dava para ver que estava feliz por eu ter gostado.
Com o bolo, os presentes e o carinho de todos, aquele foi, sem dúvida, um dos melhores aniversários da minha vida até agora.
Uma semana depois, o tão comentado retorno do Grã-duque finalmente aconteceu. Sua comitiva entrou no palácio principal com pompa e circunstância. Cavaleiros em armaduras brilhantes desfilavam pela entrada principal, enquanto carruagens repletas de ouro e troféus de guerra faziam os servos e moradores locais se reunirem para assistir ao espetáculo.
O movimento no palácio era intenso. Criados corriam de um lado para o outro para organizar as acomodações da comitiva e preparar um banquete em homenagem ao herói de guerra. Mas para mim, tudo aquilo era apenas um lembrete incômodo de sua negligência.
Em vez de participar ou sequer me aproximar daquela confusão, decidi fazer algo muito mais satisfatório: caminhar com Sul na floresta atrás do pequeno palácio onde vivo.
A floresta era um refúgio que eu adorava. Os sons das folhas balançando suavemente com o vento e o canto dos pássaros criavam uma tranquilidade que eu nunca sentia no palácio. Sul, meu fiel companheiro, estava radiante com a oportunidade. Fazia muito tempo que não brincávamos juntos, já que eu dedicava quase todas as minhas horas ao treinamento mágico com Devon.
— Vamos, Sul, — chamei, enquanto ele corria na minha frente, pulando entre arbustos e galhos como se fosse um filhote novamente.
Ele parava de vez em quando para olhar para mim, seus olhos brilhando de alegria. Decidi aproveitar aquele momento para descansar e me reconectar com algo que me fazia feliz.
Enquanto caminhávamos, senti a magia em meu corpo pulsar levemente, algo que eu começava a perceber mais intensamente a cada dia. De repente, Sul parou e rosnou baixinho, seus olhos fixos em algo mais à frente.
— O que foi, Sul? — perguntei, franzindo a testa enquanto me aproximava com cautela.
A floresta, sempre acolhedora, parecia um pouco mais silenciosa do que o normal.
Era apenas um pequeno coelho selvagem, nada que justificasse a preocupação de Sul. Depois de tranquilizá-lo, seguimos nosso caminho até uma pequena cachoeira que eu havia descoberto meses atrás. Aquele era o meu lugar favorito na floresta, um refúgio onde eu podia me desligar das tensões do dia a dia.
Brinquei muito com Sul, rindo enquanto ele tentava pegar as folhas que eu jogava para o alto. Tanto ele quanto eu nos deixamos levar pela tranquilidade do momento, até que, exausta, acabei adormecendo ao lado dele.
Fui acordada por Sul lambendo meu rosto. Abri os olhos lentamente e me deparei com um espetáculo deslumbrante: a noite estava clara, iluminada por uma lua cheia tão brilhante que parecia banhar tudo ao redor em prata.
— Ah, não... Deve estar super tarde, não é? A babá e Devon devem estar preocupados me procurando, — murmurei, e Sul abanou o rabo, como se concordasse.
No caminho de volta para o palácio, notei algo estranho. Entre as árvores, duas sombras estavam meio escondidas, como se tentassem passar despercebidas. Sul ficou em alerta, mas não rosnou, apenas observou.
— Vamos devagar, — sussurrei para ele. — Talvez sejam a babá e Devon. Não podemos assustá-los.
No entanto, ao nos aproximarmos o suficiente para ver claramente, percebi que não eram eles. Eram dois homens. E eles eram... idênticos.
Um deles estava encurvado, com os olhos vidrados e a expressão vazia. Parecia controlado, quase como uma marionete. O outro, em contraste, exalava uma aura de ódio e rancor.
— Querido irmão, — disse o homem que parecia estar no controle, sua voz cheia de sarcasmo. — Como você se sente sendo usado pelo seu próprio irmão e pelo seu melhor amigo, o rei? Sabe, eu nunca tive nada. Todas as coisas boas iam para você: a mulher que eu amava, o poder que eu almejava... Até o título de Grã-duque foi entregue a você.
Ele riu, uma risada amarga e cheia de desprezo.
— Mas veja só onde isso te levou. O seu poder, e até você, estão sob o meu controle. Com a ajuda do seu querido melhor amigo, eu controlo tudo. E logo sua preciosa filha terá o mesmo destino. O filho dele, mesmo sendo apenas uma criança, é muito ambicioso. Ele quer controlar sua pequena Lucia...
Quando ouviu meu nome, o homem encurvado pareceu reagir por um breve momento. Seus olhos, antes vazios, brilharam com uma fagulha de consciência.
— Aquele... é meu pai, — murmurei, sentindo um nó se formar em minha garganta.
Com um misto de emoções – medo, raiva e uma dor que parecia rasgar meu peito – senti algo dentro de mim se soltar, como uma barragem que rompe. Meu poder, até então controlado, explodiu em ondas. O ar ao meu redor ficou denso, quase elétrico, e a terra sob meus pés começou a tremer levemente.
Os dois homens viraram sua atenção para mim. O que parecia controlar a situação abriu um sorriso cheio de arrogância.
— Ora, minha pequena sobrinha Lucia, — disse ele, a voz carregada de ironia. — Veio ver seu tio e... seu pai.
Ele apontou para o homem encurvado, cuja expressão permanecia confusa e perdida.
— Ou pelo menos o que sobrou dele.
Ele riu, um som que me fez estremecer.
— Mas não se preocupe, querida. Logo você também será assim. Claro, eu preferia que você não soubesse sobre todo esse poder que tem. Mas, pelo visto, você herdou a esperteza da sua mãe. Ah, se ela tivesse me obedecido... Poderíamos ter sido uma família feliz. Eu até te aceitaria como minha própria filha.
Meu sangue gelou ao ouvir aquelas palavras. Ele continuou, o tom ficando mais sombrio.
— Mas ela foi teimosa. Não quis cooperar comigo. E eu... eu tive que matá-la.
Minhas pernas quase cederam.
— Você pode imaginar, Lucia, como foi difícil matar a mulher que eu amava?
Seu sorriso desapareceu, substituído por um olhar vazio e cruel.
— Foi doloroso, sabe? Mas necessário. Afinal, ela escolheu o lado errado. Agora... será que você fará o mesmo?
Meus olhos se encheram de lágrimas, mas não deixei que elas caíssem. Segurei firme, encarando aquele homem que dizia ser meu tio, enquanto a aura de magia ao meu redor se intensificava. Sul rosnava ao meu lado, os pelos eriçados, pronto para proteger.
Eu não sabia o que fazer, mas tinha certeza de uma coisa: não deixaria aquele homem sair impune por tudo o que fez.