A floresta estava viva. Sentia cada folha sussurrar, cada raiz pulsar com uma energia vibrante, como se todo o ecossistema estivesse alinhado comigo. O ar estava carregado, e mesmo com o medo latente em meu peito, havia uma força inexplicável crescendo dentro de mim.
Os dois homens à minha frente pareciam antagônicos até em sua postura. Meu pai, a sombra de quem ele fora um dia, parecia lutando contra si mesmo. Suas mãos tremiam, e seus olhos vagavam como se procurassem uma saída que não existia. Já meu tio exalava poder e arrogância. Ele sorria, como se cada segundo fosse um espetáculo pessoal para seu prazer.
— Interessante, — ele disse, com a voz transbordando desdém. — A pequena Lucia quer lutar. Vamos ver até onde vai sua coragem.
Sua presença parecia sufocar a luz ao nosso redor. O ar ficou mais frio, e a floresta ao nosso redor se contraiu, como se hesitasse diante dele.
Fechei os olhos por um momento, buscando dentro de mim a força que sabia existir. Quando abri, não era mais a garota assustada que ele conhecia.
— Você cometeu um erro ao vir até aqui, tio. Não está enfrentando apenas a mim, mas a força de tudo o que destruiu.
Ele riu.
— Palavras bonitas, mas vazias, — respondeu, avançando um passo.
Com um movimento rápido, canalizei a magia da terra ao meu redor. Raízes grossas emergiram do solo, avançando como serpentes famintas. Elas foram direto para ele, mas antes que pudessem alcançá-lo, ele ergueu a mão.
Um escudo negro se formou ao seu redor, quebrando as raízes em pedaços.
— Nada mal, — ele zombou. — Mas você precisará de mais do que árvores para me derrotar.
Ele lançou um ataque em resposta. Uma esfera de energia escura, densa e rápida, disparou em minha direção. Antes que eu pudesse reagir, Sul saltou à minha frente. Seu rugido foi ensurdecedor, e uma barreira brilhante se formou ao nosso redor, dissipando o ataque antes que ele pudesse nos atingir.
— Eu não estou sozinha, — murmurei para Sul, enquanto acariciava sua cabeça.
Sul rosnou baixo, seus olhos fixos no inimigo.
Com um gesto, canalizei o poder da cachoeira próxima. Um jato de água irrompeu das árvores, transformando-se em uma serpente líquida que avançou com velocidade contra meu tio. Ele mal teve tempo de reagir antes de ser atingido, sendo lançado alguns metros para trás.
— Você tem potencial, Lucia, — ele disse, levantando-se com dificuldade. Seus olhos agora brilhavam com uma mistura de raiva e diversão. — Mas ainda é uma criança. Não tem ideia de com quem está lidando.
Ignorando suas palavras, lancei outro ataque. Desta vez, ventos fortes varreram a clareira, arrancando galhos das árvores e os lançando como lanças em sua direção. Ele criou outra barreira, mas os ataques o mantiveram ocupado o suficiente para que Sul aproveitasse a oportunidade.
Sul atacou por trás, suas garras brilhando com energia mágica. Ele atingiu o escudo, que começou a rachar sob a pressão.
— Chega! — rugiu meu tio, liberando uma onda de energia que empurrou Sul para longe.
Sul caiu ao meu lado, mas rapidamente se levantou, ainda rosnando.
— Pai! — gritei, virando-me para o homem que estava imóvel ao lado de meu tio. — Por favor, lute! Ele não pode te controlar se você resistir!
Por um breve momento, os olhos de meu pai pareciam claros. Ele deu um passo em minha direção, mas meu tio ergueu a mão novamente, forçando-o a parar.
— Ele é meu, — declarou, com frieza. — Assim como você será.
Eu não podia permitir isso.
Com um grito, liberei todo o poder que tinha. A floresta respondeu imediatamente. Árvores gigantes começaram a balançar, e suas raízes surgiram novamente, desta vez ainda mais fortes e rápidas. A terra tremeu sob meus pés, e a clareira foi tomada por uma cacofonia de sons.
Meu tio foi cercado. As raízes o prenderam pelos tornozelos, enquanto galhos desciam em direção a ele como lâminas. Animais surgiram das sombras, seus olhos brilhando com uma fúria que refletia a minha.
Ele tentou absorver a energia ao seu redor, mas algo começou a dar errado. Sua magia, que antes parecia invencível, começou a vacilar. Ele recuou, os olhos arregalados.
— O que é isso?! — ele gritou, tentando se livrar das raízes que o seguravam.
Eu avancei, canalizando o poder da floresta e da cachoeira em um único ataque. Uma luz intensa começou a se formar em minhas mãos, crescendo a cada segundo.
— Você nunca deveria ter vindo aqui, — declarei, minha voz carregada de determinação.
— Não! — ele gritou, enquanto a luz em minhas mãos se intensificava.
Com um grito final, liberei toda a energia. A clareira foi tomada por uma explosão de luz, que engoliu tudo ao nosso redor.
Quando a luz desapareceu, meu tio não estava mais lá.
Eu caí de joelhos, ofegante. Meu corpo estava exausto, mas não podia descansar ainda.
Olhei para meu pai, que estava caído no chão. Corri até ele, ignorando a dor que atravessava meu corpo.
— Pai, por favor, — murmurei, segurando sua mão. — Está tudo bem agora. Ele se foi.
Meu pai abriu os olhos lentamente. Por um momento, vi algo familiar em seu olhar, algo humano.
— Lucia... — ele sussurrou, sua voz rouca e fraca. — Você é tão parecida com sua mãe...
Essas palavras me cortaram como uma lâmina... E então ele agarrou meu pulso, e por um instante, achei que meu tio ainda estava no controle.
— Corra! — ele gritou, com uma força que parecia impossível para alguém tão debilitado. — Ele ainda está aqui... Ele está vindo!
Antes que eu pudesse responder, um vento frio atravessou a clareira. A floresta, que antes parecia viva e protetora, agora estava quieta, quase como se estivesse observando.
De repente, uma sombra começou a se formar no centro da clareira. Meu coração parou.
— Você realmente achou que seria tão fácil? — a voz de meu tio ecoou, fria e cheia de ódio.
Ele reapareceu, mas algo estava diferente. Seu corpo estava coberto de marcas negras, e seus olhos brilhavam com uma fúria insana.
— Você pode ter me enfraquecido, mas não pode me destruir, — ele disse, avançando em minha direção.
Sul rosnou, colocando-se entre nós.
— Você não vai machucar mais ninguém, — declarei, levantando-me com dificuldade.
Meu tio riu, mas desta vez, havia algo de desesperado em sua voz.
— Você não entende, — ele sibilou. — Não sou apenas um homem. Sou o resultado de séculos de poder. Você nunca poderá me derrotar.
Canalizei todo o poder restante, reunindo a força da terra, da água e do ar. Ao meu lado, Sul rugiu, sua energia se unindo à minha.
Apesar de toda a minha magia, eu sabia que precisaria da ajuda do meu pai para derrotar meu tio de uma vez por todas. Ele estava ferido, mas ainda lutava contra o controle imposto pelo próprio irmão, com uma força que parecia vir do amor que sentia por mim.
Ele, com o rosto marcado pela dor e pela angústia, me olhou e, com a voz rouca, disse:
— Seu tio... Ele sempre teve pouca magia. Foi o rei quem o ajudou a se tornar mais forte, dando-lhe acesso à magia negra. Com ela, ele passou a absorver a magia de outras pessoas, e foi assim que ficou tão poderoso.
Meu coração se encheu de ódio ao ouvir aquilo. Não bastava o que ele já havia feito com minha mãe, ele também roubava a vida e o poder de outros para saciar sua ganância.
Olhei para meu pai, determinada, e disse:
— Se ele quer magia, então que pegue tudo isso!
Meu pai, mesmo fraco, levantou-se e colocou uma mão em meu ombro.
— Estou com você, — ele disse, sua voz firme apesar da dor.
Juntos, lançamos o ataque final. A clareira foi tomada por uma luz tão intensa que parecia queimar.
Ondas de energia explodiam de nós dois, convergindo em direção ao homem que nos havia causado tanto sofrimento. Eu via seu corpo tremer enquanto ele tentava absorver toda a magia que enviávamos. Por um momento, pensei que ele poderia conseguir, mas então algo começou a mudar.
Sua pele, antes com um tom arrogante e cheio de confiança, começou a ficar roxa, quase negra. Suas mãos, que antes eram fortes e controladas, começaram a tremer violentamente. Ele caiu no chão, e eu continuei, sem parar, despejando cada gota de poder que eu tinha.
Então, tudo terminou. Ele não conseguiu suportar. Seu corpo, agora sem vida, repousava imóvel no chão.
Eu fiquei ali, ofegante, olhando para ele. O homem que tanto sofrimento havia causado estava morto, consumido pela própria ganância. Mas, mesmo assim, eu sabia que aquilo não apagava as cicatrizes que ele havia deixado — não apenas em mim, mas no mundo ao meu redor.
Quando tudo finalmente ficou em silêncio, meu corpo cedeu, e caí de joelhos. Sul veio até mim, lambendo meu rosto, enquanto minha visão começava a escurecer. A última coisa que vi foi o rosto do meu pai, que ainda estava vivo, mas parecia distante, preso entre o mundo que conhecia e as trevas que o consumiam.
E então, tudo ficou preto.
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A escuridão era densa, mas havia algo familiar nela. Um vazio acolhedor, mas ameaçador. Eu não sabia se estava viva ou morta...
— Lucia...
A voz de meu pai ecoou, cortando o negrume. Meus olhos se abriram lentamente, e percebi que ainda estava na clareira. A luz da lua atravessava as árvores, iluminando o corpo imóvel de meu tio e o rosto exausto de meu pai.
— Pai! — chamei, tentando me levantar, mas minhas pernas tremiam como se fossem ceder.
Ele estava ajoelhado, sua figura curvada, mas ainda lutando para se manter consciente. Sangue escorria de um corte em sua testa, misturando-se ao suor que cobria sua pele. Ainda assim, ele me olhava com ternura.
— Você... é forte, Lucia, — ele disse, sua voz rouca, quase sumindo. — Mais forte... do que eu jamais fui.
Engoli em seco, lutando contra as lágrimas que ameaçavam cair.
— Pai, por favor, não fale assim. Está tudo bem agora. Ele se foi. Você está seguro.
Ele balançou a cabeça lentamente, um sorriso melancólico surgindo em seus lábios.
— Ele nunca se vai completamente... — sussurrou, os olhos se fechando brevemente. — Mas você fez o impossível. Você venceu.
Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, ele desabou no chão, inconsciente.
— Pai! — gritei, arrastando-me até ele.
Sul estava ao meu lado, rosnando para algo invisível, mas a clareira parecia quieta, como se a própria floresta estivesse esperando.
Segurei o rosto de meu pai, verificando seu pulso. Ele ainda estava vivo, mas sua respiração era irregular, seu corpo claramente exausto tanto física quanto magicamente.
— Vai ficar tudo bem, — murmurei, mais para mim mesma do que para ele.
Olhei ao redor, tentando pensar no que fazer. Sul rosnou novamente, me puxando de volta à realidade. Ele fixava seu olhar no corpo de meu tio, ainda imóvel no chão.
O medo rastejou pela minha espinha, mas eu me forcei a encarar a cena. Meu tio estava derrotado, mas eu sabia que aquele não era o fim. A magia negra que ele havia cultivado por anos ainda pairava no ar, como uma sombra que se recusava a desaparecer.
Toquei a cabeça de Sul, tentando acalmá-lo, e disse:
— Ele não pode nos machucar mais agora. Precisamos levar meu pai a um lugar seguro.
Sul me olhou, seus olhos brilhando com determinação, como se prometesse proteger tanto a mim quanto ao meu pai. Com sua ajuda, consegui erguer o corpo pesado do meu pai. Cada movimento era um esforço, mas eu não podia deixá-lo ali, vulnerável.
Enquanto nos afastávamos da clareira, algo dentro de mim mudou. Eu sabia que aquela não era apenas uma vitória; era o início de uma batalha ainda maior. Meu tio pode estar derrotado, mas o mal que ele semeou no mundo ainda estava lá.
E eu precisava estar pronta para enfrentá-lo.
Olhei para Sul, que caminhava ao meu lado com passos firmes, e depois para meu pai, cuja vida ainda resistia.
Eu não estava sozinha. E por eles, por minha mãe e por tudo o que perdi, continuaria lutando.