Na manhã seguinte, enquanto o sol nascia e o mar recuava, Sunny e Nephis foram os primeiros a acordar. O silêncio reinava, quebrado apenas pelo som distante da água desaparecendo no horizonte. Após acenderem uma fogueira, começaram a preparar um café da manhã simples, mais por necessidade do que por uma intenção social.
Ariandel estava sentado a uma curta distância, com os olhos fechados. Ele parecia tranquilo, como se estivesse em um estado de meditação. Nephis o observava de relance, mas não demonstrava curiosidade. Para ela, ele era apenas mais um enigma a ser mantido sob vigilância discreta.
Sunny, ao contrário, preferia se concentrar na conversa. Ele olhou para Nephis enquanto ela sugeria:
"A melhor opção seria nos movermos para o leste, longe da concentração de Carcaceiros a oeste. Norte e sul são possibilidades, mas não oferecem vantagens claras."
"Faz sentido." Sunny concordou, cruzando os braços. "Nós exploramos um pouco para o leste ontem, mas não o suficiente para garantir que alcançaríamos um ponto seguro antes do pôr do sol. Precisamos mapear o caminho antes de nos comprometermos."
Ele suspirou.
"Alguma ideia de onde estamos?" perguntou, quase retoricamente.
Nephis balançou a cabeça.
"Não. Esse lugar não corresponde a nenhuma descrição que eu conheça. Mas, seja onde for, o que importa é que continuemos nos movendo. Encontraremos uma Cidadela e conquistaremos seu Portal, ou morreremos tentando."
Sunny sorriu amargamente. A conversa era direta, mas longe de ser reconfortante.
Nesse momento, o som repentino de uma respiração ofegante chamou a atenção deles. Cássia sentou-se bruscamente, seu rosto pálido, com uma mistura de nervosismo e excitação. Ariandel abriu os olhos, sua expressão suave, mas atenta, ao se levantar de sua posição.
Ele caminhou até ela, os passos firmes, mas não apressados. Sua voz era baixa, porém clara.
"Você está bem, Cássia? O que aconteceu?" perguntou ele, os olhos caleidoscópicos fixos nela.
A garota cega virou o rosto na direção da voz. Suas mãos tremiam levemente, mas sua resposta veio carregada de animação.
"Uma visão! Eu tive uma visão!" exclamou ela, quase rindo.
Ariandel se ajoelhou próximo a ela.
"Uma visão?" Ele inclinou a cabeça ligeiramente. "Pode me contar o que viu?"
Ela respirou fundo antes de começar.
"Eu vi uma cidade em ruínas, feita de pedras gastas pelo tempo. Parecia desolada, com vários monstros vagando por suas ruas estreitas, mas no centro havia um castelo... cheio de pessoas! Havia despertos lá, vivendo em segurança, com comida e proteção. E... eu estava sendo guiada." Sua voz ficou mais suave. "Mas não tenho certeza de como chegar até lá."
Ela fez uma pausa, então se lembrou de algo mais.
"Tinha uma névoa ao meu redor. Estava em constante movimento... parecia seguir meus passos. Era quase como se fosse... parte de mim."
Ariandel franziu a testa levemente, mas manteve o tom gentil.
"Uma névoa? Essa névoa parecia ameaçadora?"
"Não. Era reconfortante, na verdade... como se me protegesse." Ela hesitou antes de continuar. "Também vi Sunny comigo... Era ele que estava me guiando."
Sunny arqueou uma sobrancelha, surpreso por ser mencionado. Ele se virou para Nephis, que permanecia em silêncio, ponderando sobre a revelação.
Ariandel deu um leve sorriso.
"Obrigado por compartilhar isso, Cássia." Ele se levantou. "Pode ser importante. Vamos discutir isso juntos."
O olhar de Cássia seguiu vagamente a direção de sua voz. Ela relaxou um pouco, reconfortada pela calma dele. Ariandel voltou para onde Nephis e Sunny estavam.
"O que acham?" perguntou ele, cruzando os braços. "Considerando a visão dela, deveríamos priorizar explorar essa direção?"
Sunny soltou uma risada curta, sem humor.
"Ela apontou para o oeste. Sabe o que isso significa? Um mar de Carcaceiros."
"Eu sei." Ariandel respondeu com serenidade. "Mas ter uma direção para seguir, por mais perigosa que seja, é mais seguro do que andar incerto por essa zona desconhecida. Se essa direção tem alguma estrutura que pode levar a um Portal, precisamos considerar."
Nephis, que ouvira em silêncio, deu um leve aceno.
"Vamos." disse ela simplesmente. "Nós iremos para o oeste."
***
O mar ainda não se retirara totalmente, mas o grupo já se reunira para tomar o café da manhã e organizar os planos para a jornada. O cenário ao redor, da ilha de corais imponentes, era silencioso, mas tenso, como se o próprio lugar estivesse esperando o que viria a seguir. Sunny aproveitou o momento para tentar entender um pouco mais sobre as pessoas ao seu redor.
Foi então que ele fez uma descoberta que o deixou perplexo. Algo que, em sua mente, não se encaixava nas primeiras impressões que tivera. Ele havia formado uma imagem de Nephis como uma pessoa imperturbável, quase distante, cheia de uma aura de mistério que ele agora percebia ser… bem, errada.
Nephis sempre parecera uma figura intocável. Confiante e serena em sua postura, sua presença silenciosa fazia as pessoas ao seu redor sentirem uma estranha pressão. Sunny tinha a sensação de que ela sabia mais do que falava, que suas palavras eram sempre uma armadilha de intencionalidade enigmática. Ela era uma guerreira implacável, mas suas interações… essas nunca faziam sentido.
Com o tempo, Sunny percebeu algo desconcertante: Nephis não era a pessoa calculista e distante que ele pensava. Ao contrário, ela era… desconcertantemente desajeitada. Sempre tropeçando nas palavras, falhando em expressar seus pensamentos, e, quando o fazia, a forma como seu tom soava era completamente fora de sintonia com a intenção por trás. Seu rosto, habitualmente impassível, escondia uma confusão evidente sobre como se comportar com os outros. Era como se, embora tivesse o coração firme, a arte da comunicação fosse um território desconhecido para ela.
Isso tudo fez Sunny repensar sua visão sobre a garota. A "princesa de gelo" que ele imaginava agora parecia ser apenas uma introvertida com dificuldades para se conectar, mas ainda assim capaz de tudo o que já havia alcançado. Ainda tão mortal quanto faz parecer.
Enquanto pensava nisso, Nephis o olhou com seus olhos gélidos. Depois de uma longa pausa, ela simplesmente perguntou:
"…O que?"
Ele piscou, forçando seus pensamentos de volta à realidade. "Nada. Só queria saber quando vamos partir."
Ela o observou por um momento, como se ponderasse suas palavras. Depois, finalmente, respondeu com sua voz baixa e direta: "Em breve."
Sunny tentou se recompor, disfarçando sua surpresa com um sorriso. "Ah, tudo bem, então."
***
Logo os Adormecidos do grupo de desajustadas estavam prontos, o campo de visão se expandia para o oeste, onde uma jornada perigosa os aguardava. Nephis estava caminhando na frente, seu braço com a espada pronto para atacar a qualquer momento. Seus impressionantes olhos cinzentos refletiam a luz pálida da manhã.
Ariandel seguia um pouco mais atrás, observando a dinâmica do grupo com atenção curiosa. Seu foco estava em Cássia, a quem guiava pela mão com uma eficiência quase inexplicável. Ele caminhava ereto, com passos tranquilos, e um leve sorriso determinado no rosto. Usava seu sexto sentido para se manter vigilante enquanto o grupo avançava.
Cássia, por sua vez, mantinha uma postura corajosa, mas uma ansiedade sutil se escondia por trás de seu sorriso. Ela confiava mais em Ariandel do que nos outros, e isso era evidente. Embora tentasse esconder suas inseguranças, ele estava claramente ciente delas, mas nunca a pressionava. Seu apoio era constante, sem consolos vazios, apenas uma presença firme e tranquila ao seu lado.
À medida que o caminho se desenrolava diante deles, Sunny começava a perceber que suas próprias impressões sobre Ariandel estavam se moldando. Ele se mostrava uma presença sólida no grupo, calmo e confiante, sem ostentação. A sensação de que Ariandel sabia mais do que os outros, mas sem jamais demonstrar isso, fazia Sunny sentir uma crescente confiança nas decisões que tomava.
Com o grupo se movendo para o oeste, o labirinto de corais se estendia novamente diante deles, com as lâminas vermelhas das plantas se projetando da lama negra como facas afiadas. A tensão no ar era palpável; algo estava diferente ali hoje. A sombra de Sunny, como sempre, avançava à frente, explorando os perigos do caminho.
O que quer que estivesse à frente, o grupo agora parecia mais unido em sua busca, e as alianças se formavam com uma naturalidade que ainda se desvelava, peça por peça. Logo, ao virarem uma esquina do labirinto, o som do movimento de monstros imponentes se fez ouvir. Carcaceiros estavam próximos.
O grupo se preparava para enfrentar o que estava por vir, na esperança de que, juntos, poderiam encarar até os maiores desafios que o Reino dos Sonhos oferecia.