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Chapter 2 - Um Sonho que Chegou ao Fim

Ariandel se aninhou sob as cobertas, cercado pelo perfume suave do amaciante e pelo calor aconchegante da cama. O quarto estava mergulhado na penumbra quando a tela de um celular brilhou de repente, tingindo tudo com uma luz azulada. Um toque insistente vibrou na mesa de cabeceira, arrancando-o do conforto do sono.

'Um despertador?' pensou, confuso.

Ainda relutante, estendeu a mão e desligou o alarme. A tela exibia: 05:05 – 20 de maio de 2025.

Terça-feira. Dia de trabalho.

Com um suspiro, espreguiçou-se, tentando se livrar do torpor da madrugada. Sua mente ainda vagava nos resquícios de um sonho — 'Shadow Slave'. Um sorriso escapou-lhe sem querer. Era uma de suas histórias favoritas, e ele conhecia aqueles personagens como se fossem velhos amigos.

Levantou-se e seguiu para o banheiro. Escovou os dentes de maneira automática, cada movimento um reflexo das incontáveis manhãs anteriores. Enquanto se preparava, flashes do sonho o assaltavam: ele havia "estado" naquele mundo, conversado com Sunny, observado Nephis, e, no meio disso tudo, havia Cássia, ao seu lado.

A água quente do chuveiro dissipou o resto do sono. Mas o que mais o intrigava era a intensidade da experiência. Sabia que sua memória era boa, mas aquilo... aquilo parecia real.

Ao se vestir, os detalhes começaram a se dissolver, evaporando como neblina ao sol. Restavam apenas fragmentos dispersos, misturando-se à realidade. Tomou café lentamente, o aroma forte ajudando a ancorá-lo na rotina. A sensação do sonho esmaeceu, substituída pela monotonia das manhãs habituais.

Antes de sair, pegou o celular e checou o horário. Um leve vestígio de empolgação ressoou dentro dele — uma nostalgia quase infantil pelo universo que habitara por algumas horas.

Sorriu.

'Imaginar tanta coisa em um sonho... foi divertido.'

Fechou a porta e sentiu o ar frio da manhã envolver seu rosto. No caminho até o metrô, os passos ritmados e o burburinho das vozes o trouxeram de volta à realidade. Mas, ao descer as escadas da estação, um pensamento insistente surgiu.

E se eu pudesse voltar?

***

Os dias passaram.

Na cidade grande, o metrô era um desfile de rostos estranhos, ruídos incessantes e uma poluição visual que escondia até as estrelas. Havia noites em que nem mesmo a Lua ousava brilhar. Ele se sentia um estranho na multidão — um espectador silencioso, sempre deslocado.

E então, os sonhos começaram.

Não apenas sonhos comuns, mas fragmentos de algo que parecia mais real do que sua própria vida. Vislumbres de uma casa simples, de uma mãe sorridente, cujo olhar transbordava amor e uma preocupação sempre mascarada por doçura.

'Estou enlouquecendo?'

A dissonância começou com aquele primeiro sonho inexplicavelmente vívido. Ele já nem se lembrava dos detalhes, apenas da certeza avassaladora de que aquilo tinha sido real.

Mas como poderia ser?

Se aquele mundo realmente existisse, estaria ele no Primeiro Pesadelo? Como podia conhecer o futuro da história? Como algo assim surgiria em sua mente, travestido de simples fantasia literária?

"E essas memórias? Elas... não pertencem a mim."

E se estivesse doente? Se fosse esquizofrênico?

Os dias continuaram a passar.

Então veio o pesadelo.

Foi horrível. Ele viu sua vida humilde ruir em caos absoluto. Gritos ecoavam ao redor, e a sombra da mãe... dissolveu-se diante de seus olhos.

Acordou arfante, o coração disparado.

E, como se um véu fosse rasgado, a verdade o atingiu em cheio:

Ele não tinha família. Nenhuma lembrança genuína da infância. Apenas lacunas.

Eram apenas... fragmentos. Fragmentos que só existiam em seus sonhos.

Em pânico, buscou por registros, documentos, qualquer coisa que confirmasse sua existência. Mas não havia nada. Nenhuma foto. Nenhuma certidão. Nenhum rastro.

Nada.

Horrorizado, sussurrou para si mesmo:

"Estou vivendo em um pesadelo..."

Com o tempo, a ideia de buscar respostas tornou-se um fardo. A desesperança se infiltrou em seus pensamentos, e a rotina transformou-se em prisão. O mundo ao seu redor perdeu o brilho.

E então, numa manhã como qualquer outra, enquanto esperava o metrô, um pensamento deslizou para dentro de sua mente.

E se eu apenas…?

O trem se aproximava, cortando o ar como uma flecha prateada.

Ariandel observou os trilhos brilhantes à sua frente.

Acabar com isso seria tão simples.

Sentou-se no banco da estação. O barulho ao redor tornou-se um ruído abafado, como se estivesse submerso. Uma parte de si gritou para que parasse, mas outra o encorajava a dar aquele passo final.

Então, no último instante, uma lembrança fugidia atravessou sua mente:

O sorriso da mãe. A risada suave. O calor de um abraço.

O que é real?

O trem se aproximava. O chão vibrava sob seus pés. O frio mordia sua pele.

A adrenalina percorreu seu corpo. A linha entre a dor e a libertação tornou-se tênue.

E então... ele saltou.

O impacto foi brutal.

O choque do metal rasgando a carne distorceu sua percepção.

Houve apenas um clarão, seguido pelo silêncio.

Ele flutuou.

O tempo se desfez.

***

Ariandel despertou num lugar sem forma.

Uma caverna escura, envolta em uma névoa densa. Seu corpo estava preso em algo viscoso, como um casulo de seda negra. Ao redor, outras pessoas dormiam em envoltórios idênticos, seus olhos abertos e sorrisos vazios.

Acima deles, uma criatura grotesca pairava, se alimentando dos sonhos daqueles que jamais acordariam.

Um terror.

Uma manifestação de seus medos mais profundos.

De alguma forma, ele se libertou. E, ao encarar a criatura, algo dentro dele mudou.

***

E então, ele sonhou.

Nos braços da mãe, sentiu o calor de um amor genuíno. O peso sutil da preocupação oculta em seus gestos. A infância foi tranquila, mergulhada em livros que o transportavam para outros mundos.

Ali, as histórias ofereciam uma fuga — e, ao mesmo tempo, uma promessa.

Lembrou-se do primeiro emprego, da alegria de ajudar com as contas, de provar à mãe que podia retribuir seus cuidados. Mas, no fundo, uma dúvida sempre existiu:

E meu pai? Quem foi ele?

As memórias avançaram como uma tempestade.

O primeiro abalo não veio de uma escolha sua, mas de um fardo herdado. Seu pai, um homem envolto em crimes, havia sido uma sombra na vida deles.

E por erros que não eram seus, Ariandel e sua mãe tornaram-se alvos de vingança.

"Que ato inútil... Ele nunca se importou conosco."

Mas o passado estava selado.

E agora, ele tinha que seguir em frente.