O sol brilhava intensamente do lado de fora. As conversas na sala principal da casa haviam diminuído, mas o peso das palavras ainda pairava no ar.
Silvestre entrou no quarto de Lyanna, onde a luz do dia banhava as correntes de prata que envolviam seus pulsos e tornozelos. Ele segurava a Lacrima Lunaris com cuidado, como se aquele objeto frágil fosse a última esperança que restava.
— Lyanna... eu trouxe algo que pode ajudar. — Sua voz era firme, mas carregada de emoção.
Lyanna levantou o olhar para o irmão, seu semblante cansado, mas ainda carregado de sarcasmo.
— Você sempre aparece com essas ideias malucas, não é? Vai me curar com uma flor agora?
Silvestre suspirou, sentando-se ao lado dela.
— Essa flor não é qualquer uma, Lyanna. É a Lacrima Lunaris. É a nossa chance de quebrar essa maldição.
Ela arqueou uma sobrancelha, claramente cética.
— E você acredita mesmo nisso? Já passaram oito anos, Sil. Talvez isso seja só... parte de quem eu sou agora.
Ele apertou a flor com força, como se a energia dela pudesse reforçar sua determinação.
— Não. Não vou aceitar isso. Não é quem você é, Lyanna. Você não merece viver acorrentada, com medo de si mesma.
Lyanna desviou o olhar, o sorriso desaparecendo.
— E se não der certo? E se você estiver se esforçando tanto por algo impossível?
Silvestre colocou uma mão sobre o ombro dela, obrigando-a a encará-lo.
— Se não der certo, vou continuar tentando. Não importa quantas vezes eu falhe. Você é minha irmã, Lyanna. E eu nunca vou desistir de você.
Por um instante, o silêncio dominou o quarto. Os olhos de Lyanna se encheram de lágrimas, mas um sorriso tímido surgiu.
— Você é tão teimoso... exatamente como o papai era.
Silvestre riu suavemente, secando uma lágrima teimosa.
— Alguém da família tinha que herdar isso, certo?
Depois de mais alguns minutos, Silvestre se levantou e deixou o quarto, carregando o peso da promessa feita. Ele seguiu pelo corredor e parou ao ouvir vozes vindo da sala.
— Desde então, prendemos Lyanna todas as noites — concluiu a avó. — Para protegê-la... e a todos ao redor.
Nimbus, com os braços cruzados, soltou um suspiro.
— Então, quer dizer que a Lyanna é um lobisomem.
Silvestre entrou na sala, interrompendo a conversa. Seu semblante era sério, mas decidido.
— Sim. Mas ela não é um monstro.
Solaris se inclinou levemente para frente, sua expressão solidária.
— Ninguém aqui acha isso, Silvestre. Vamos ajudar você a quebrar essa maldição.
Silvestre levantou a Lacrima Lunaris, mostrando a flor brilhante com confiança renovada.
— Esta é a nossa chance.
Nimbus franziu o rosto, um misto de descrença e curiosidade.
— Bom, parece que temos trabalho. Só não quero lidar com mais lobisomens famintos por aí.
A avó sorriu suavemente, com um olhar que misturava sabedoria e fé.
— Vocês têm coragem. Mas a coragem precisa ser acompanhada de fé.
Solaris colocou uma mão firme no ombro de Silvestre, transmitindo apoio.
— Não vamos falhar.
Nimbus deu de ombros, fingindo desinteresse.
— Melhor nos prepararmos. Espero que essa cura não envolva explosões... já tenho o suficiente delas nas minhas invenções.
Silvestre levou Solaris e Nimbus até o quarto onde Lyanna estava presa.
Os dois amigos ficaram em silêncio por um momento ao ver a jovem acorrentada. Seus olhos estavam cansados, mas ainda carregavam uma faísca de orgulho que não podia ser apagada pelas correntes de prata.
Lyanna ergueu o olhar ao ouvir os passos deles. Ela estudou os dois com cuidado, arqueando uma sobrancelha.
— Quem são esses? Seus novos colegas de aventuras, Sil? — perguntou, sua voz carregada de sarcasmo, mas com um toque de curiosidade.
Silvestre cruzou os braços, ficando ao lado da porta.
— Solaris e Nimbus. Eles vão me ajudar a quebrar essa maldição.
Nimbus, sempre com seu jeito descontraído, inclinou-se ligeiramente para frente e olhou para as correntes.
— Então, você é a famosa irmã lobisomem. Acho que imaginei alguém mais... feroz. — Ele sorriu, mas o olhar de Lyanna fez o sorriso desaparecer rapidamente.
— E você é o inventor de explosões? — retrucou Lyanna, com um leve sorriso irônico.
Solaris, por outro lado, se aproximou, mais sério. Ele olhou para Lyanna, depois para as correntes, e suspirou.
— Você não merece isso. Não é justo que tenha que viver dessa forma.
Lyanna deu uma risada curta, mas sem alegria.
— Ah, que fofo. O "herói" acha que pode consertar tudo. Silvestre já tentou de tudo, garoto. O que faz você pensar que será diferente desta vez?
Solaris não desviou o olhar, seu tom firme e confiante.
— Porque ele não está sozinho agora. E você também não. Vamos dar um jeito, mesmo que demore.
Nimbus deu um passo à frente, apontando para a flor que Silvestre segurava.
— Olha, eu não sou do tipo emocional, mas ele foi até o fim do mundo por essa flor. Acho que merece, no mínimo, uma chance.
Lyanna olhou para Silvestre, seus olhos suavizando. Por um momento, ela pareceu acreditar. Mas logo balançou a cabeça.
— Eu só espero que vocês saibam no que estão se metendo.
Silvestre colocou uma mão no ombro dela.
— Confie em mim, Lyanna. Estamos nisso juntos.
Silvestre saiu do quarto onde estava Lyanna, com Solaris e Nimbus logo atrás. A tensão ainda pairava no ar, mas ele parou no corredor, virando-se para encarar os dois companheiros.
— O ritual vai ser amanhã à noite, dia 13 de Lunaris. Amanhã, a magia da lua cheia será mais forte — anunciou, a voz firme.
Nimbus arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços com um sorriso cínico.
— Você sabe que lobisomens ficam mais fortes na lua cheia, né?
Silvestre assentiu, sem hesitar.
— Eu sei. E é por isso que será a noite perfeita.
Nimbus riu, mas o som estava carregado de ironia.
— É a noite perfeita para morrer, isso sim.
Solaris deu um passo à frente, tentando amenizar a tensão.
— Nimbus, confie no Silvestre. Ele conhece a irmã melhor do que ninguém. Se ele acha que podemos fazer isso, então podemos.
— Confiança é ótimo, mas eu prefiro planejamento — retrucou Nimbus.
Silvestre ignorou o comentário, virando-se e acenando para que o seguissem.
— Venham, vou mostrar onde vocês vão dormir esta noite. Amanhã será um dia longo, e precisaremos estar preparados.
Eles caminharam pelos corredores da casa, iluminados por lanternas mágicas que emitiam uma luz suave e oscilante. A cada passo, a atmosfera parecia mais pesada, o som dos sapatos ecoando como um lembrete do peso da responsabilidade que carregavam.
Silvestre parou diante de uma porta simples e a abriu, revelando um quarto com duas camas arrumadas e um pequeno baú no canto.
— Não é luxuoso, mas vai servir. Vocês vão dormir aqui esta noite.
Nimbus olhou ao redor, examinando o ambiente com uma expressão divertida.
— Melhor do que a maioria das tavernas onde já dormi. Só espero que a cama não tenha percevejos.
Solaris sorriu de leve, tentando aliviar o clima.
— Se tiver, o Nimbus provavelmente tem alguma invenção que explode eles.
Silvestre riu baixinho, a tensão suavizando um pouco.
— Descansem. Amanhã teremos trabalho.
Ele fechou a porta e deixou os dois no quarto, caminhando em direção ao próprio quarto.
Solaris observava Nimbus arrumando sua bolsa mágica, espalhando frascos e ingredientes pela mesa improvisada no quarto. Nimbus estava concentrado, misturando líquidos e pó com precisão, enquanto balbuciava para si mesmo.
Solaris cruzou os braços, curioso.
— Está se preparando para a guerra ou para o ritual?
Nimbus respondeu sem tirar os olhos do trabalho.
— Nunca se sabe. E considerando o histórico das nossas aventuras, prefiro estar preparado. Usei quase todas as minhas poções na Floresta dos Pesadelos. Só sobraram alguns frascos vazios.
Solaris riu de leve.
— Quantos frascos você carrega, afinal?
Nimbus levantou a cabeça e respondeu com naturalidade:
— Eu levo 90 frascos vazios e 80 frascos cheios.
Solaris arqueou as sobrancelhas, surpreso.
— E o que tem nesses frascos cheios?
Nimbus começou a enumerar enquanto verificava o conteúdo da bolsa:
— Gás do sono, ácido, fumaça de veneno, bomba de fumaça... ah, e algumas outras invenções que talvez você não queira saber.
Solaris soltou um suspiro teatral.
— Lembro quando os aventureiros só precisavam de uma espada e coragem.
Nimbus deu um sorriso sarcástico, voltando a misturar os ingredientes.
— Isso era antes de você encontrar um gênio da alquimia como eu. Agora, durma cedo, porque amanhã vamos descobrir se esse ritual é um milagre ou mais um desastre esperando para acontecer.
Solaris balançou a cabeça, rindo, enquanto se deitava em sua cama. Nimbus continuou mexendo em suas poções, preparando-se meticulosamente para qualquer surpresa que pudesse surgir.
No meio da noite, Solaris foi abruptamente despertado por um barulho alto e um rugido profundo e aterrorizante que ecoou pela casa. Ele abriu os olhos, confuso, piscando contra a escuridão do quarto. Levantou-se rapidamente e notou Nimbus dormindo profundamente na cama ao lado, completamente alheio ao som.
Solaris começou a balançar o ombro de Nimbus, tentando acordá-lo.
— Nimbus... Ei, Nimbus, acorda!
Quando isso não funcionou, ele revirou os olhos e deu um leve tapa no rosto do amigo.
Nimbus, com os olhos semicerrados e a voz arrastada, murmurou:
— O que foi? Por que você tá me batendo?
Solaris, visivelmente agitado, respondeu:
— Você não está ouvindo esse barulho?
O rugido soou novamente, mais forte dessa vez, como se algo estivesse tentando se libertar. Nimbus arregalou os olhos e imediatamente se levantou da cama, agora completamente desperto.
Nimbus, franzindo a testa:
— Onde está vindo esse rugido?
Solaris, já indo em direção à porta:
— Não faço ideia, mas precisamos descobrir.
Eles saíram do quarto, passando pelo corredor silencioso. Ao passarem pelo quarto de Silvestre, Solaris parou e começou a bater na porta.
Solaris, chamando por ele:
— Silvestre? Ei, você está aí?
Nenhuma resposta. Solaris franziu o cenho, sentindo um calafrio na espinha, e abriu a porta. O quarto estava vazio.
Nimbus, de braços cruzados, resmungou:
— Ótimo. Ele desaparece justo quando monstros começam a rugir no meio da noite.
Solaris, ignorando o comentário, deu um passo para trás.
— Vamos seguir o som.
Os dois continuaram pelo corredor, guiados pelos rugidos, até chegarem a uma porta que levava ao porão. O som era ensurdecedor agora, cada rugido reverberando nas paredes de madeira da casa.
Nimbus abriu a porta, revelando uma escadaria estreita e sombria que descia para o porão. Uma fraca luz tremeluzia no final do corredor.
Nimbus, olhando para Solaris com um sorriso sarcástico:
— As damas primeiro.
Solaris, revirando os olhos:
— Sério? Esse é o momento pra piadas?
Nimbus, com um encolher de ombros:
— Sempre é o momento pra piadas.
Solaris bufou e começou a descer as escadas, com Nimbus logo atrás. Ao chegarem ao fundo, eles pararam ao ver a cena diante deles.
No centro do porão, Silvestre estava parado ao lado de sua avó. Diante deles, uma criatura monstruosa rugia e se debatia. Seus olhos brilhavam em um vermelho intenso, e seu corpo estava coberto de pelo escuro e eriçado. Correntes grossas de prata envolviam seu corpo, prendendo-a contra a parede de pedra.
Solaris, com os olhos arregalados:
— O que... o que é isso?
Nimbus, olhando para a criatura com uma expressão de espanto misturado com curiosidade:
— Isso, meu amigo, parece um pesadelo ambulante.
Silvestre, sem desviar o olhar da criatura, respondeu com firmeza:
— É a Lyanna.
Solaris, chocado, deu um passo à frente:
— Isso é... ela?
A criatura rugiu novamente, se debatendo com força. As correntes tremeram, mas seguraram firme. Silvestre apertou os punhos, o rosto endurecido.
Silvestre, com a voz grave:
— Aguenta, Lyanna. Apenas mais uma noite.
Nimbus, levantando uma sobrancelha:
— Então... é isso que vocês fazem para passar o tempo em família?
Silvestre, finalmente se virando para eles:
— Isso não é uma piada, Nimbus.
Nimbus, levantando as mãos em rendição:
— Certo, certo. Sem piadas. Mas você não acha que ela está ficando um pouco... inquieta?
Solaris, com a voz preocupada:
— Silvestre, ela vai conseguir segurar até amanhã?
Silvestre assentiu lentamente, embora a tensão em seu rosto o traísse.
— Ela precisa. Amanhã à noite, com a magia da lua cheia, faremos o ritual.
Nimbus, inclinando-se contra a parede, com os braços cruzados:
— Você sabe que lobisomens ficam mais fortes na lua cheia, né?
Silvestre, com os olhos fixos na irmã:
— Eu sei. Mas também é a única noite em que a magia da lua será forte o suficiente para quebrar a maldição.
Nimbus, com um tom sombrio:
— É a noite perfeita para morrer, então.
Solaris, lançando um olhar de reprovação para Nimbus:
— Não ajuda.
Silvestre, ignorando o comentário, virou-se para os dois:
— Vocês vão precisar descansar. Amanhã será uma longa noite.
Nimbus, olhando para a criatura mais uma vez antes de se afastar:
— Só espero que essa ideia de ritual não termine com a gente sendo jantar.
Solaris, ainda olhando para Lyanna com uma expressão triste:
— Ela parece estar sofrendo...
Silvestre, com a voz baixa:
— Ela está. Mas amanhã tudo vai acabar.
Com isso, Silvestre conduziu os dois de volta para o andar de cima, deixando a criatura rugindo no porão, enquanto a fraca luz tremulava, iluminando a esperança e o desespero que pairavam no ar.
Após subir para o andar de cima, Nimbus e Solaris retornaram ao quarto que dividiam. Mas, enquanto Nimbus começou a organizar seus frascos vazios e planejar suas próximas poções, Solaris não conseguia parar de pensar no que havia visto no porão.
Ele se mexia na cama, inquieto, os rugidos abafados de Lyanna ainda ecoando em sua mente. A preocupação por Silvestre e sua irmã pesava como uma pedra em seu peito.
Solaris, virando-se novamente:
— Nimbus, como você consegue ficar tão calmo depois de tudo isso?
Nimbus, enquanto examinava um dos frascos vazios à luz da vela:
— Calmo? Não estou calmo. Só sou bom em fingir. — Ele colocou o frasco vazio ao lado de uma fileira de outros e deu de ombros. — E, sinceramente, pensar nisso agora não vai ajudar ninguém.
Solaris, suspirando, esfregou os olhos cansados:
— Mesmo assim... não consigo parar de pensar no que pode acontecer amanhã. E se não der certo? E se...
Nimbus, interrompendo-o:
— E se, e se... Você vai acabar enlouquecendo se continuar assim. — Ele pegou um pequeno frasco com um líquido translúcido de uma das bolsas que carregava.
Solaris, desconfiado:
— O que é isso?
Nimbus, com um sorriso travesso:
— É o remédio perfeito para quem não consegue dormir.
Solaris, estreitando os olhos:
— Nimbus... isso é uma poção do sono, não é?
Nimbus, balançando o frasco de leve e observando o líquido brilhar à luz da vela:
— Bingo. Agora, beba isso antes que eu tenha que derramar na sua boca à força.
Solaris, cruzando os braços:
— Não vou beber isso.
Nimbus, suspirando dramaticamente:
— Claro, porque perder uma noite inteira de sono vai te ajudar amanhã, não é? — Ele andou até Solaris, balançando o frasco na frente dele. — Você precisa estar descansado. Especialmente se as coisas ficarem feias.
Solaris, relutante:
— E se isso me deixar inconsciente por horas?
Nimbus, revirando os olhos:
— É uma dose leve, não vou te colocar em coma. Confie em mim, já testei isso centenas de vezes.
Solaris, levantando uma sobrancelha:
— Testou em quem?
Nimbus, desviando o olhar com um sorriso inocente:
— Ah, detalhes. Não importa.
Sem aviso, Nimbus abriu o frasco e jogou o conteúdo direto no rosto de Solaris. O líquido brilhou levemente antes de ser absorvido pela pele.
Solaris, surpreso e irritado:
— Nimbus! O que foi isso?
Nimbus, com um sorriso satisfeito:
— Poção de aplicação rápida. Você devia saber que discutir comigo é perda de tempo.
Solaris, sentindo as pálpebras pesarem:
— Você... isso... é injusto...
Antes que pudesse continuar, ele caiu de volta na cama, respirando profundamente enquanto o sono o dominava.
Nimbus, cruzando os braços e olhando para Solaris com um sorriso vitorioso:
— Boa noite, princesa. — Ele voltou para sua mesa improvisada, pegando mais alguns frascos vazios e resmungando para si mesmo. — Agora posso trabalhar em paz.
Enquanto Solaris dormia profundamente, Nimbus começou a preparar novas poções, murmurando:
— Usei quase todas na Floresta dos Pesadelos... Ainda bem que sobraram esses frascos vazios. Agora, um pouco de gás do sono aqui, uma dose de ácido ali...
Ele parou por um momento, segurando um dos frascos cheios, e sorriu para si mesmo.
— Amanhã vai ser interessante, com certeza. — Olhando para o amigo adormecido, ele acrescentou baixinho: — Espero que você esteja pronto, Solaris.
O silêncio da noite foi quebrado apenas pelo som dos frascos sendo preenchidos e do líquido borbulhando, enquanto Nimbus se preparava para o que estava por vir.
Continua.