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Chapter 16 - Capítulo 16 - Sob a Luz da Lua de Sangue

O sol ainda nem tinha subido completamente quando Solaris acordou, espreguiçando-se na cama improvisada da velha e aconchegante casa da avó de Silvestre. Ele bocejou alto, alongando os braços.

— Aaahhh... Faz tanto tempo que não durmo assim... — disse, com um tom satisfeito.

Mas a memória da noite anterior veio à tona, como uma bigorna caindo sobre sua cabeça. Seus olhos se arregalaram.

— NIMBUS! — ele exclamou, sentando-se de repente e olhando ao redor, como se o alquimista fosse estar magicamente ali para receber sua bronca.

Vendo que a cama onde Nimbus deveria estar estava vazia, Solaris começou a vasculhar o quarto. Nada. Sua expressão passou de confusa para irritada em segundos.

— Onde aquele maníaco tá escondido?!

Com passos pesados, Solaris saiu do quarto, descalço e com os cabelos bagunçados, parecendo um furacão prestes a causar estragos. Ele passou pelo corredor e viu Silvestre sentado à mesa da cozinha, tomando café tranquilamente enquanto lia um velho jornal.

— Silvestre! — Solaris chamou, fazendo o cavaleiro levantar os olhos preguiçosamente.

— Que foi? — Silvestre perguntou, dando um gole em seu café com cara de quem não queria ser incomodado.

— Você viu o Nimbus? — Solaris perguntou, sem rodeios.

Silvestre apontou com o polegar para a porta dos fundos.

— Tá no jardim, brincando com os frasquinhos dele.

Solaris sorriu, mas não de um jeito amigável. Era aquele sorriso sinistro que antecede uma vingança bem planejada.

— Ótimo. Silvestre, faz um favor pra mim?

Silvestre ergueu uma sobrancelha, já desconfiado.

— Depende.

— Cava um buraco de oito palmos.

— Pra quem?

Solaris estalou os dedos.

— Pro Nimbus.

Silvestre o encarou, a xícara parada no meio do caminho até a boca. Depois soltou um longo suspiro e voltou a ler seu jornal.

— Você resolve isso sozinho.

Solaris bufou e saiu pela porta, marchando para o jardim.

No Jardim

Nimbus estava lá, de costas para a casa, rodeado por frascos e potes que brilhavam sob a luz da manhã. Ele usava seus óculos de proteção e assobiava despreocupado enquanto misturava líquidos que soltavam uma fumaça suspeita.

— Só mais um pouquinho... e voilà! — Nimbus murmurava para si mesmo, segurando um frasco com um líquido vermelho-vivo. Ele girou o frasco contra a luz, admirando sua obra.

De repente, uma sombra caiu sobre ele. Nimbus olhou para trás devagar e viu Solaris parado ali, com os braços cruzados e uma expressão que misturava cansaço e raiva.

— Bom dia, princesa! Dormiu bem? — Nimbus perguntou com um sorriso inocente, embora já soubesse a resposta.

Solaris apontou para ele, como quem acusa um criminoso.

— VOCÊ jogou aquele líquido na minha cara ontem!

Nimbus tirou os óculos com toda a calma do mundo e deu de ombros.

— Ué, você tava resistindo. Foi pelo seu bem.

— PELO MEU BEM?! — Solaris quase explodiu. — Você me derrubou como se eu fosse uma árvore podre!

Nimbus revirou os olhos, guardando o frasco recém-preparado.

— Ah, não dramatiza. Foi só uma poçãozinha leve. Você precisava dormir, e eu fiz um favor.

Solaris fechou as mãos em punho, mas respirou fundo, tentando se controlar.

— Se você acha que isso foi um favor, então talvez eu devesse te devolver na mesma moeda.

Nimbus deu um passo para trás, erguendo as mãos.

— Ei, calma aí. Sem violência, por favor. Lembre-se: sou o único aqui que sabe preparar poções de cura.

— Não vou te machucar. Só quero ter certeza de que você também descansa... — Solaris deu um sorriso perigoso e começou a avançar.

Nimbus deu mais alguns passos para trás, até tropeçar em um dos frascos no chão.

— Tá bom, tá bom! Foi mal! Não precisava me agradecer com violência.

— Ah, mas eu vou te agradecer sim. Com um buraco de oito palmos. — Solaris disse, cerrando os dentes.

Antes que qualquer coisa mais drástica acontecesse, Silvestre apareceu na porta da cozinha, segurando um pedaço de pão.

— Dá pra vocês calarem a boca? Vocês tão acordando até as galinhas.

Solaris apontou dramaticamente para Nimbus.

— Esse daí vai me pagar pelo que fez ontem!

Silvestre deu uma mordida no pão, sem nenhum interesse.

— Tá, mas faz isso sem gritar. A minha avó tá tentando dormir, e se vocês acordarem ela, vai ser VOCÊS que vão pro buraco de oito palmos.

Nimbus soltou um riso nervoso.

— Acho que vou preparar um café pra Dona Ivone. Melhor ideia do dia.

Enquanto Nimbus corria para dentro da casa, Solaris gritou:

— ISSO AINDA NÃO ACABOU!

Silvestre apenas balançou a cabeça e voltou para dentro, deixando Solaris no jardim com os frascos abandonados de Nimbus.

Algumas horas depois…

O cheiro de café fresco invadia a casa, misturado ao leve aroma de pão assando no forno. Dona Ivone, uma mulher de cabelos brancos e olhar vivaz, já estava de pé, com seu avental florido e uma energia que contrastava com a letargia matinal dos jovens.

Ela adentrou a sala onde Solaris, Nimbus e Silvestre discutiam baixinho sobre os detalhes do ritual.

— Vocês não dormem mais, não? — disse Dona Ivone com um tom brincalhão, enquanto colocava uma xícara de café quente na mesa.

Solaris, ainda um pouco irritado com Nimbus, esfregou a nuca.

— Bom dia, Dona Ivone... Parece que o dia já começou por aqui, né?

Ela deu um sorriso sábio.

— Quando se tem uma casa cheia de jovens, a manhã nunca é tranquila. Mas o que vocês tanto cochicham aí?

Silvestre, que estava com um livro antigo nas mãos, suspirou e explicou:

— Estamos tentando decifrar os detalhes do ritual. Aquele que pode ajudar Lyanna...

Os olhos de Dona Ivone brilharam de preocupação ao ouvir o nome da neta, mas ela manteve o semblante sereno.

— Ah, o ritual para a Lua de Sangue... Eu já fiz um desses há muitos anos.

Solaris e Nimbus se entreolharam, surpresos.

— Você já fez? — perguntou Nimbus, inclinando-se para frente, claramente interessado.

Ela assentiu, caminhando até uma prateleira cheia de livros empoeirados. Passou os dedos delicadamente pelas lombadas, como se cada uma contasse uma história própria, até puxar um volume grande, encadernado em couro marrom escuro e com uma lua gravada na capa.

— Este aqui. — Dona Ivone colocou o livro na mesa com um leve thud.

Solaris o encarou com curiosidade, enquanto Nimbus já estendia a mão para abri-lo.

— O que é isso? — perguntou Solaris, olhando para as páginas amareladas repletas de símbolos estranhos e anotações detalhadas.

Dona Ivone sentou-se com calma, servindo-se de uma xícara de café.

— Esse é o Grimório Lunar, um guia que reúne todo o conhecimento que minha família acumulou sobre rituais relacionados às luas especiais. Ele descreve o que você precisa, o que esperar e até os perigos envolvidos.

Nimbus, folheando o livro com entusiasmo, resmungou:

— Por que você não mostrou isso antes? Teria economizado horas de debate...

Silvestre cruzou os braços.

— Talvez porque você nunca perguntou?

Dona Ivone riu.

— Vocês são todos muito apressados. Mas escutem bem, o que vocês estão tentando fazer não é brincadeira. O ritual exige não só os materiais certos, mas também equilíbrio entre magia e intenção.

Solaris franziu o cenho, atento às palavras dela.

— O que acontece se algo der errado?

Ela apontou para uma página específica no livro, onde uma gravura mostrava uma figura sendo envolta por sombras enquanto a lua brilhava ao fundo.

— Se a intenção for errada ou a magia se descontrolar, o ritual pode atrair coisas piores do que uma maldição.

O ambiente ficou pesado, e até Nimbus, sempre sarcástico, parecia refletir sobre o aviso.

Silvestre, determinado, segurou o livro com firmeza.

— Não importa o risco. Eu vou fazer o que for preciso para salvar Lyanna.

Dona Ivone colocou uma mão no ombro do neto, transmitindo conforto.

— Eu sei que vai, meu querido. E é por isso que estou aqui para ajudar.

Solaris pegou o livro e começou a examinar as páginas, absorvendo cada detalhe.

— Com isso, temos uma chance melhor. Obrigado, Dona Ivone.

Ela sorriu, seus olhos brilhando com orgulho.

— Só não me decepcionem, rapazes. Agora, vão comer algo antes de continuarem com isso. Ninguém salva o mundo de estômago vazio.

Nimbus, com um sorriso de canto, murmurou enquanto se levantava:

— Nunca subestime uma velha de idade...

Na cozinha, o café da manhã estava servido.

Solaris, com o Grimório Lunar aberto sobre a mesa, estava tão absorvido nas páginas que mal percebeu o cheiro delicioso vindo da comida. Enquanto isso, Nimbus comia como se não houvesse amanhã, claramente encantado com os dotes culinários de Dona Ivone.

— Dona Ivone — Nimbus falou entre uma mordida e outra de pão caseiro —, a senhora já pensou em abrir uma taverna? Porque, olha, essa comida tá melhor que qualquer coisa que já comi nas viagens com esse grupo maluco.

Dona Ivone riu, enquanto servia um pouco mais de café.

— Ora, menino, você é fácil de agradar, hein?

— Só quando é comida boa — Nimbus respondeu, piscando para ela.

Silvestre, com um prato nas mãos, levantou-se da mesa.

— Vou levar algo para Lyanna. Ela precisa comer também.

Dona Ivone o observou sair, com uma mistura de carinho e preocupação no olhar. Enquanto isso, Solaris virou mais uma página do Grimório Lunar, seus olhos fixando-se em algo que chamou sua atenção. Ele se inclinou para mais perto do livro, franzindo o cenho.

— Nimbus — Solaris chamou, quase num sussurro, mas suficiente para ser ouvido.

— Hm? — Nimbus respondeu, com a boca cheia.

Solaris empurrou o livro na direção dele, apontando para uma página onde símbolos rúnicos e um complexo desenho de pentagrama estavam detalhados.

— Acho que achei... aqui. A maldição do lobisomem. E o ritual para desfazê-la.

Nimbus engoliu rapidamente, limpando as mãos na calça antes de se inclinar sobre o livro. Ele olhou para a página com interesse, mas logo franziu a testa.

— Ah, isso parece... fácil demais.

Solaris ergueu uma sobrancelha, lançando um olhar cético para o amigo.

— Fácil? É sério que você acha isso? Estamos falando de runas mágicas, um pentagrama complexo e um ritual que pode atrair coisas se der errado.

Nimbus deu de ombros, com um sorriso convencido.

— Fácil. Olha, as runas são básicas, o pentagrama... tá, admito, é um pouco trabalhoso, mas nada fora do normal. Já vi rituais mais complicados.

Solaris bufou, fechando o livro com um leve thud.

— Você faz parecer que é tão simples quanto preparar uma poção de cura.

Nimbus, fingindo indignação, colocou uma mão no peito.

— Ei, eu sou um alquimista de renome! Isso aqui? — Ele apontou para o livro. — Isso é nível iniciante pra mim.

Solaris cruzou os braços, encarando Nimbus.

— Tá, gênio. Então como você faria isso?

Nimbus pegou o livro novamente, analisando os detalhes das runas e o posicionamento do pentagrama.

— Simples. Eu desenho as runas. Não é minha primeira vez lidando com magia rúnica, sabe? Eu sou praticamente um artista quando se trata de traçar símbolos mágicos.

Solaris revirou os olhos, mas um sorriso irônico se formou em seus lábios.

— Claro, e quem vai ativar tudo isso com magia?

Nimbus olhou para Solaris, com um sorriso astuto.

— Você, obviamente. Eu faço as runas, você usa sua magia para ativá-las. Trabalho em equipe, sabe?

Solaris pensou por um momento antes de assentir.

— Certo, mas se alguma coisa der errado...

— Relaxa — Nimbus interrompeu, acenando com a mão como se afastasse qualquer preocupação. — Eu tenho tudo sob controle.

Solaris apoiou o queixo na mão, olhando para Nimbus com desconfiança.

— Não sei o que me assusta mais: o ritual ou sua confiança excessiva.

Nimbus apenas riu, voltando a comer como se nada demais estivesse acontecendo. Enquanto isso, Solaris voltou sua atenção para o livro, estudando cada detalhe novamente. Ele sabia que, apesar da aparente despreocupação de Nimbus, o ritual seria um grande desafio.

Dona Ivone, observando a interação dos dois, sorriu de canto.

— Vocês dois são uma dupla e tanto. Espero que saibam o que estão fazendo.

Solaris e Nimbus se entreolharam, e Nimbus respondeu com sua habitual irreverência:

— Confie em mim, Dona Ivone. Quando tudo isso acabar, a senhora vai ter uma história pra contar aos seus bisnetos.

Dona Ivone riu, mas Solaris apenas suspirou, já antecipando o caos que Nimbus certamente traria ao ritual.

Enquanto ainda examinavam o Grimório Lunar, Solaris fechou o livro e apoiou os cotovelos na mesa, olhando fixamente para Nimbus. Ele respirou fundo e abriu um sorriso irônico.

— Sabe, eu fiquei pensando no que você disse ontem à noite.

Nimbus, que estava enfiando mais um pedaço de pão na boca, olhou para ele com as sobrancelhas arqueadas.

— O quê? Que você devia parar de reclamar?

Solaris revirou os olhos.

— Não, o que você disse antes de apagar a luz: "Se tudo der errado, pelo menos hoje é um belo dia para morrer."

Nimbus parou de mastigar, segurando o pedaço de pão no ar, e piscou algumas vezes, como se tentasse lembrar.

— Ah, é... Isso foi poético, né? Meio dramático também, mas combina com o clima.

Solaris cruzou os braços, inclinando-se para frente.

— Dramático não, irresponsável. Eu quase não dormi pensando nisso. Que tipo de incentivo é esse pra quem tem que encarar um ritual perigoso?

Nimbus deu de ombros, com um sorriso despreocupado.

— Ei, só estava tentando aliviar a tensão. Além disso, tem algo de libertador em aceitar as possibilidades... mesmo as ruins.

Solaris balançou a cabeça, incrédulo.

— Você é impossível.

Nimbus riu, pegando outro pedaço de pão.

— E você é muito sério. Relaxa, Solaris. Vai dar tudo certo. Mas se não der... — Ele abriu os braços dramaticamente. — Pelo menos a gente vai embora deixando um belo espetáculo.

Solaris encarou Nimbus com uma mistura de exasperação e diversão. Por mais que ele não quisesse admitir, havia algo na confiança despreocupada de Nimbus que sempre acabava o tranquilizando – ou irritando ainda mais.

— Sabe, você realmente é o pior tipo de amigo — Solaris disse, mas o tom brincalhão em sua voz entregava que ele não estava completamente sério.

Nimbus piscou para ele, com um sorriso travesso.

— E você adora isso.

Dona Ivone, ouvindo a conversa enquanto terminava de arrumar a mesa, não conseguiu conter uma risada.

— Vocês dois me lembram meu falecido marido. Ele dizia coisas parecidas. Só tomem cuidado para não exagerar nessa confiança, meninos.

Solaris suspirou, lançando um olhar cansado para Nimbus.

— É exatamente isso que eu tô tentando fazer ele entender, Dona Ivone.

Nimbus, como sempre, apenas riu e deu mais uma mordida no pão.

Continua.