Solaris e Nimbus continuaram a subir a montanha em um silêncio quebrado apenas pelo som de seus passos sobre a terra e pedras soltas. De repente, Solaris parou, franzindo o cenho, como se estivesse captando algo ao longe. Ele ergueu a mão, indicando para Nimbus parar.
— Nimbus, você está ouvindo? — Solaris perguntou, olhando ao redor.
Nimbus arqueou uma sobrancelha e soltou um suspiro pesado. — O que, a minha esperança indo embora? É claro que sim.
Solaris revirou os olhos. — Não, não isso. Escuta.
Nimbus inclinou a cabeça, tentando ouvir, mas não captou nada além do som do vento. — Eu não tô ouvindo nada. Tá imaginando coisas agora?
Solaris bufou impaciente. — Só me segue.
Nimbus cruzou os braços, mas acabou cedendo, seguindo Solaris com passos hesitantes. — Se tiver monstro, eu juro que vou ser o primeiro a correr, murmurou ele.
— Tá bom, só não reclama depois, — respondeu Solaris, irritado.
Enquanto seguiam pela trilha, o som de água corrente foi ficando cada vez mais audível. Nimbus parou abruptamente e arregalou os olhos. — Agora eu tô ouvindo.
Os dois falaram ao mesmo tempo, apontando na mesma direção: — É uma cachoeira!
Chegando mais perto, avistaram a queda d'água cristalina caindo em um pequeno lago cercado por grandes rochas e musgo brilhante. Raios de luz atravessavam as árvores ao redor, criando um cenário quase mágico.
Solaris olhou ao redor, seus olhos brilhando com entusiasmo. — Aqui vai ser o lugar perfeito para o ritual. O som da água vai ajudar a concentrar a energia. Eu vou começar desenhando o pentagrama. Quando eu terminar, você coloca as runas.
Nimbus suspirou, mas acenou com a cabeça. — Certo. Só não demore muito, estou ficando ansioso com isso tudo.
Solaris imediatamente começou a trabalhar. Ele tirou um pequeno saco de pó brilhante da bolsa e se ajoelhou no chão. Suas mãos se moviam com precisão, criando linhas perfeitas que formavam o pentagrama. A cada traço, Solaris murmurava palavras arcanas, e o pó começava a brilhar com uma tonalidade roxa.
Nimbus observava de braços cruzados, batendo o pé no chão com impaciência. — Você tá demorando uma eternidade aí. Dá pra fazer mais rápido?
— Se você quiser o ritual funcionando direito, tem que ter paciência, — respondeu Solaris sem sequer desviar o olhar. — Isso não é só desenhar linhas, é canalizar magia. Se eu errar, a energia pode sair descontrolada.
Nimbus bufou, mas não respondeu. Ele sabia que Solaris tinha razão, mas isso não o impedia de resmungar mentalmente.
Finalmente, Solaris terminou o pentagrama e se levantou, limpando as mãos no manto. — Pronto. Sua vez agora, Nimbus. Pegue as runas e coloque-as nas extremidades do círculo.
Nimbus pegou os pequenos pedaços de pedra rúnica de sua bolsa mágica. Ele caminhou em direção ao pentagrama, parando diante de uma das pontas. Ele olhou para Solaris, hesitante. — Tá, mas eu só coloco ou preciso dizer alguma coisa?
Solaris cruzou os braços. — Coloca na ordem certa e fala as palavras que eu te ensinei antes.
Nimbus olhou para ele, confuso. — Palavras que você... espera, você disse antes?! Eu não lembro nada disso!
Solaris deu um longo suspiro, pressionando os dedos contra a testa. — Nimbus, pelo amor dos deuses, eu te ensinei isso hoje de manhã! Tá, repete comigo: 'Kaelor Ashtar Vi'.
Nimbus fez uma careta, tentando repetir: — Kalor... Ash... tá, Vi... Isso aí, certo?
— É melhor você levar isso a sério, — avisou Solaris. — Se errar, o ritual pode ser inútil.
Nimbus rolou os olhos, mas começou a posicionar as runas, murmurando as palavras enquanto ajustava cada pedra com cuidado. Uma leve energia começou a pulsar pelo pentagrama, com as linhas brilhando mais intensamente.
Após alguns minutos, todas as runas estavam no lugar. Nimbus deu um passo para trás, olhando para sua obra. — Tá aí. Se isso não funcionar, eu culpo você.
Solaris ignorou o comentário e se aproximou, analisando cada detalhe do pentagrama e das runas. Ele assentiu, satisfeito. — Bom trabalho, Nimbus. Agora só precisamos esperar Silvestre e Dona Ivone voltarem com Lyanna.
Nimbus suspirou, jogando-se no chão para descansar. — Esperar... A parte que eu mais odeio. Isso e os monstros.
Solaris revirou os olhos, mas manteve o foco no ritual que estava prestes a acontecer. A energia ao redor já começava a se intensificar, como se o ambiente sentisse que algo poderoso estava para ser feito.
Solaris franziu a testa, olhando em volta com preocupação. — Espera aí, como Silvestre e Dona Ivone vão encontrar a gente?
Nimbus, com um sorriso confiante e uma mão no bolso, deu de ombros. — Deixa comigo.
Solaris arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços. — E o que exatamente você vai fazer?
Nimbus revirou os olhos dramaticamente. — Por favor, eu sou um gênio, lembra? Só confia.
Solaris suspirou, mas não conseguiu esconder um leve sorriso. — Tá, mas se eles se perderem, a culpa é sua.
Silvestre abaixou-se perto das pegadas deixadas no solo úmido da floresta. Ele passou a mão na terra, observando os detalhes com olhos atentos.
Ivone, parada ao lado, cruzou os braços. Sua expressão era séria, mas havia um brilho de preocupação em seus olhos envelhecidos.
— Ela não está muito longe. Essas pegadas são recentes — disse Silvestre, levantando-se e limpando as mãos na calça.
Ivone suspirou, segurando seu bastão com firmeza.
— Você sabe que a transformação dela está ficando mais violenta, não sabe? Cada vez mais difícil de controlar.
Silvestre lançou um olhar decidido para a avó.
— Eu sei. É por isso que temos que encontrá-la antes que algo pior aconteça.
Ivone o observou por um momento, os lábios se apertando em uma linha fina.
— E se não conseguirmos? E se ela…?
Silvestre interrompeu-a, com os punhos cerrados.
— Nós vamos conseguir. Eu não vou deixar isso acontecer.
Ivone inclinou a cabeça, analisando o neto como se procurasse alguma fraqueza escondida. Depois de um momento, ela assentiu lentamente.
— Então vamos fazer isso do meu jeito. Vou usar as correntes para segurá-la.
Silvestre franziu o cenho, visivelmente desconfortável com a ideia.
— Suas correntes podem machucá-la… ou pior.
Ivone ergueu uma sobrancelha.
— E você prefere que ela mate alguém? Não temos escolha, Silvestre. As correntes não são apenas para contenção. Elas podem neutralizar a magia que corre pelo corpo dela durante a transformação.
Silvestre hesitou por um instante, mas finalmente assentiu.
— Tudo bem. Só... tenha cuidado.
Um uivo agudo e profundo ecoou pela floresta, interrompendo a conversa.
Silvestre virou-se imediatamente na direção do som.
— O uivo está vindo de lá — disse ele, apontando para frente.
Ivone apertou o bastão com mais força, suas correntes metálicas começando a deslizar em volta de seu braço como serpentes vivas.
— Então é lá que devemos ir.
Eles começaram a correr pela floresta, Silvestre liderando com passos rápidos e determinados, enquanto Ivone o seguia de perto, as correntes cintilando com um brilho ameaçador à luz da lua.
Quando se aproximaram de uma clareira, avistaram uma figura agachada entre as árvores. A lua cheia iluminava o rosto parcialmente transformado de Lyanna, seus olhos brilhando em um amarelo feroz e garras cravadas no solo.
Silvestre deu um passo à frente, estendendo a mão em direção à irmã.
— Lyanna... sou eu. Você consegue me ouvir?
Ivone se posicionou atrás dele, com as correntes prontas para agir.
— Não se aproxime demais, Silvestre. Ela ainda não está no controle.
Lyanna ergueu a cabeça, os olhos piscando por um instante como se reconhecesse o irmão, mas logo um rosnado baixo escapou de sua garganta.
Silvestre respirou fundo, mantendo a voz firme.
— Estou aqui para te ajudar, Lyanna. Não vamos deixar isso te consumir.
Ivone levantou o bastão, as correntes ao redor dele brilhando intensamente.
— Seja rápido, garoto. Eu só posso conter a fera por um tempo limitado.
Lyanna se levantou lentamente, tremendo entre a forma humana e bestial. Seus olhos amarelos brilhavam com uma fúria selvagem, enquanto garras afiadas arranhavam o chão. Ela rosnava baixo, um som ameaçador que reverberava pela clareira.
Silvestre manteve a postura firme, embora seu coração batesse rápido. Ele deu um passo à frente, estendendo a mão em direção à irmã.
— Lyanna... sou eu. Consegue me ouvir? É o seu irmão.
Lyanna hesitou, a respiração irregular. Por um instante, seus olhos pareceram reconhecer Silvestre, mas a fera dentro dela rugiu mais alto. Num piscar de olhos, ela avançou em alta velocidade.
— Cuidado! — gritou Ivone, batendo seu cajado no chão.
Correntes brilhantes emergiram da terra, como serpentes de metal, perseguindo Lyanna. A fera, ágil, desviou com movimentos rápidos, quase dançando entre os ataques. Ela saltou para o lado, escapando por pouco de uma corrente que quase a prendeu pelo tornozelo.
— Ela está mais rápida do que antes! — disse Ivone, com suor escorrendo pela testa.
Lyanna rugiu e se lançou em Silvestre, golpeando com as garras. Silvestre levantou os braços, bloqueando o ataque, mas a força do impacto o jogou para trás. Ele aterrissou de pé, mas deslizou alguns metros pelo chão.
— Isso é tudo que você tem, Lyanna? Já enfrentei coisa pior do que você quando éramos crianças! — gritou ele, com um sorriso desafiador.
Lyanna respondeu com um rosnado profundo e avançou novamente.
— Fique atento, garoto! — gritou Ivone, mais correntes emergindo do solo ao seu redor. Elas se retorciam no ar, prontas para capturar a fera.
Lyanna, no entanto, era implacável. Ela se movia com uma velocidade impressionante, desviando de cada corrente que tentava alcançá-la. Seus olhos selvagens focaram em Ivone, e ela avançou em linha reta, um salto poderoso que a colocou contra o brilho da lua.
Por um instante, a silhueta de Lyanna ficou destacada pela luz prateada da lua cheia, sua figura bestial parecendo um predador em sua forma mais feroz.
— Ivone, cuidado! — gritou Silvestre.
Antes que Lyanna pudesse alcançar a avó, Silvestre correu em sua direção e acertou uma voadora diretamente na lateral da cabeça da fera. O impacto fez Lyanna cair no chão, rolando algumas vezes antes de parar.
— Ainda sou mais rápido que você, irmãzinha! — disse Silvestre, com um sorriso.
Ivone aproveitou o momento. Com um movimento rápido do cajado, as correntes se enrolaram ao redor do corpo de Lyanna, prendendo seus braços e pernas. A fera começou a lutar, debatendo-se como um animal selvagem.
Lyanna rosnava e puxava as correntes com toda a força, mas elas eram resistentes. Ivone, no entanto, estava visivelmente exausta, o suor pingando de sua testa. Ela caiu de joelhos, ainda segurando o cajado com firmeza.
— Lyanna! Controle-se! Lute contra isso! — gritou Ivone, a voz carregada de emoção.
Lyanna rugiu mais alto, os músculos tensionados enquanto puxava as correntes. Por fim, com um último movimento, as correntes se partiram, se desfazendo no ar como poeira.
— Não... — murmurou Ivone, caindo no chão.
Lyanna voltou seus olhos selvagens para Silvestre e avançou novamente. Silvestre puxou sua espada, mas hesitou ao ver o rosto de sua irmã. Ela estava rindo, um sorriso estranho em seu rosto bestial. Com os braços estendidos, ela parecia mais uma criança correndo para um abraço do que uma fera tentando atacar.
Silvestre largou a espada no chão e estendeu os braços.
— Venha, Lyanna.
Quando Lyanna alcançou Silvestre, ela mordeu seu ombro com força. Silvestre gemeu de dor, mas não a afastou. Em vez disso, ele a abraçou, passando os braços ao redor dela com cuidado.
— Está tudo bem. Eu estou aqui — disse ele, sua voz suave e cheia de amor.
Os olhos de Lyanna se encheram de lágrimas. Ela afrouxou a mordida, liberando o ombro de Silvestre, e murmurou com uma voz rouca, ainda tingida pela transformação.
— Ir...mão...
Silvestre sentiu os próprios olhos se encherem de lágrimas. Ele segurou o rosto de Lyanna entre as mãos, olhando-a nos olhos.
— Sim, irmãzinha. Sou eu. Estou aqui.
Lyanna piscou, a expressão confusa.
— O...nde... eu... estou...?
— Isso não importa agora, Lyanna. Você está segura. Estou aqui com você. — Silvestre sorriu, ignorando o sangue que escorria de seu ombro.
Ivone, ainda no chão, suspirou aliviada ao ver a transformação de Lyanna começar a regredir.
De repente, um som estranho ecoou pelo céu. Ambos, Silvestre e Ivone, olharam para cima e viram algo grande e redondo flutuando entre as árvores. Um balão gigante de gás hélio apareceu, iluminado pela lua.
— O que diabos é isso? — perguntou Ivone, franzindo o cenho.
Silvestre balançou a cabeça, sem acreditar no que via, mas acabou abrindo um sorriso.
— Nimbus... só podia ser ele.