Após a intensa experiência de vislumbrar o passado, o peso daquilo que eu havia testemunhado continuava a me incomodar. A imagem de Sansão, aquela figura imponente, e o estranho rasgo de luz no céu, tudo isso permanecia em minha mente como um quebra-cabeça impossível de decifrar.
Eu estava de volta ao templo, sentado numa pedra próxima à mesa onde Eliakim havia depositado os mapas. O silêncio preenchia o espaço ao redor, mas dentro de mim, as perguntas cresciam como uma tempestade.
— Sansão... — murmurei, mais para mim mesmo do que para qualquer um. — O que ele tem a ver com a Ike do tempo?
A voz de Eliakim, sempre calma e segura, interrompeu meus pensamentos:
— Sansão foi um guerreiro marcado por uma bênção singular, uma força além da compreensão dos homens comuns. E como você viu, há mais sobre ele do que as histórias que nos contam.
Eu me virei para encará-lo, ainda tentando entender o que ele estava dizendo.
— Mas por que eu vi isso? O que aquela visão tinha a ver comigo ou com a Ike? — perguntei, sentindo a frustração crescer.
Eliakim permaneceu em silêncio por um momento, seus olhos penetrantes parecendo estudar cada detalhe da minha expressão. Finalmente, ele falou:
— Existem memórias no tempo que são fundamentais para entender o verdadeiro propósito das Ikes. O que você viu foi apenas um fragmento de algo maior. O tempo guarda segredos, Ezekiel. E conforme você se aproxima da verdade, essas memórias irão te guiar.
"Fragmentos... sempre fragmentos. Primeiro a Ike, agora memórias espalhadas pelo tempo. Tudo parece tão incompleto." Pensei, enquanto tentava assimilar o que Eliakim estava dizendo.
— Então, o que eu faço agora? — perguntei, sabendo que a resposta provavelmente traria ainda mais perguntas.
— Agora, você deve continuar sua jornada — respondeu ele. — Existem outros lugares no passado que você precisa visitar. Cada memória, cada fragmento de história, irá te trazer um passo mais perto de compreender o poder que você carrega.
Minha mente estava girando com tantas informações novas, mas algo dentro de mim sabia que Eliakim estava certo. O fragmento da Ike que agora habitava meu corpo não era apenas uma ferramenta; era um caminho para algo maior. "Mas como vou seguir em frente sem entender o que realmente estou enfrentando?", pensei.
Eliakim, como se lesse meus pensamentos, aproximou-se lentamente.
— O próximo passo será o mais difícil, Ezekiel. Você precisará aprender a confiar não só em seu poder, mas em si mesmo. A Ike do tempo escolheu você por uma razão. Mas descobrir essa razão... isso depende apenas de você.
— Mas onde eu devo ir agora? — perguntei. — Como posso encontrar os outros fragmentos?
Eliakim caminhou até a mesa de pedra, onde os mapas e pergaminhos ainda estavam espalhados. Ele pegou um dos mapas, velho e desbotado, e o estendeu para mim.
— Este mapa irá guiá-lo ao seu próximo destino — disse ele, com um tom de urgência em sua voz. — Mas lembre-se, Ezekiel: nem tudo será como parece. Haverá desafios... e não apenas físicos.
Peguei o mapa com cuidado, sentindo o peso das palavras de Eliakim. "Desafios... que tipo de desafios?", pensei enquanto examinava o pergaminho. O mapa mostrava uma rota que levava a uma antiga cidade, um lugar que eu nunca tinha ouvido falar antes. As marcas no papel eram detalhadas, mas havia algo estranho nelas, como se as linhas não permanecessem fixas no lugar.
— A cidade no mapa... — comecei a dizer, mas Eliakim me interrompeu.
— Você entenderá quando chegar lá. Confie no que verá e, mais importante, confie no que sentirá.
"Confie no que eu sentirei? Tudo isso é tão vago", pensei enquanto guardava o mapa.
— Há mais uma coisa — Eliakim acrescentou. — O fragmento que você carrega... ele não é apenas um símbolo de poder. Ele também é uma chave. Usá-lo requer compreensão e equilíbrio. Se você perder o controle, o tempo pode se voltar contra você.
Essas palavras me gelaram até os ossos. "O tempo pode se voltar contra mim?", pensei, enquanto olhava novamente para a marca na minha mão. Ela parecia tão pequena, tão insignificante, mas carregava um poder que eu mal conseguia começar a compreender.
— Quando devo partir? — perguntei, tentando esconder o nervosismo na minha voz.
— Agora — disse Eliakim simplesmente. — O tempo não espera por ninguém, nem mesmo por aqueles que o controlam.
As palavras de Eliakim ecoavam em minha mente enquanto eu caminhava pelos corredores escuros do templo, o mapa firmemente guardado em minhas mãos. Cada passo que eu dava me levava mais fundo na sensação de que algo grande estava prestes a acontecer. Algo que eu não estava preparado para enfrentar.
"Mas por que eu? O que eu fiz para ser escolhido?" Essas perguntas se repetiam na minha cabeça, sem resposta, enquanto a saída do templo finalmente se revelava à minha frente.
A luz do sol me cegou momentaneamente quando pisei do lado de fora. O calor da tarde contrastava fortemente com o frio sombrio do interior do templo, e eu respirei fundo, tentando clarear minha mente. Olhei para o mapa mais uma vez, localizando a direção que eu deveria seguir.
"Agora, é apenas eu e o tempo", pensei.
Mas mal sabia eu que não estava tão sozinho quanto imaginava.
A cidade perdida
A jornada até a cidade marcada no mapa foi árdua, mas, finalmente, após dias de caminhada, avistei as primeiras construções. Ao longe, ela parecia uma cidade comum, embora antiga, como se estivesse congelada no tempo. As paredes de pedra cobertas por musgo, as ruas desertas, e o silêncio que pairava no ar criavam uma atmosfera de mistério. Mas logo que entrei, algo começou a parecer… errado.
As pessoas estavam lá, andando pelas ruas, mas seus movimentos eram estranhamente repetitivos. Vi um homem carregando um cesto de frutas que, após dar poucos passos, tropeçava, derrubando o conteúdo no chão. Ele se abaixava para recolher as frutas, ajeitava o cesto e repetia o processo novamente, exatamente do mesmo jeito. Ao lado dele, uma mulher entrava e saía de uma loja várias vezes, com a mesma expressão, como se estivesse presa a uma ação sem fim.
"Isso não faz sentido..." pensei, observando a cena. Dei alguns passos para mais perto, tentando chamar a atenção de alguém, mas parecia que ninguém me notava. "O que está acontecendo aqui?"
Continuei caminhando, tentando entender o que se passava. Cada rua que eu virava, a sensação de estar preso em um ciclo aumentava. Tudo parecia... previsível. Vi o mesmo homem com o cesto de frutas em outra rua, derrubando suas frutas exatamente da mesma maneira. "Um loop temporal?" A ideia surgiu de repente na minha mente, como uma resposta que eu relutava em aceitar, mas tudo apontava para isso.
"O tempo está preso aqui", pensei. "Essas pessoas estão repetindo as mesmas ações sem parar."
A marca na minha mão começou a brilhar de forma mais intensa, pulsando com uma energia que parecia reagir à estranheza da cidade. "O que a Ike está tentando me mostrar?", perguntei a mim mesmo, sentindo que aquilo era mais do que apenas uma visão aleatória. Havia algo maior acontecendo ali, algo ligado diretamente ao fragmento do tempo que eu carregava.
Me aproximei de uma construção maior no centro da cidade, uma espécie de torre que parecia ser o coração daquele lugar. Ao me aproximar, percebi que as pessoas ao redor começavam a desaparecer. Não literalmente, mas seus corpos ficavam mais translúcidos, como sombras projetadas pela luz, até que, em determinado ponto, sumiam completamente, para reaparecerem logo em seguida, repetindo as mesmas ações.
"Isso é... uma distorção temporal", conclui. "O tempo está literalmente desmoronando aqui."
Quando cheguei à base da torre, a sensação de ser observado ficou mais forte. As escadas que levavam até o topo eram íngremes, mas minha curiosidade me empurrava a seguir adiante. Cada passo me aproximava da verdade, mas o medo de estar entrando em algo muito além do meu controle me seguia de perto. "Eliakim me avisou que haveria desafios. Talvez esse seja o maior até agora."
Dentro da torre, a atmosfera era ainda mais estranha. O tempo parecia mais denso, como se o ar ao meu redor estivesse sendo distorcido. Havia uma energia diferente aqui, uma força que eu sentia em cada célula do meu corpo. As paredes da torre estavam cobertas por inscrições que pareciam antigas, e ao longo delas, relógios quebrados marcavam as horas, mas todos estavam parados no mesmo ponto: 03h15.
"O tempo parou", pensei. "Mas por que?"
Ao chegar ao topo da torre, deparei-me com uma sala ampla, cercada por janelas que ofereciam uma vista completa da cidade abaixo. No centro da sala, uma figura encapuzada estava parada, de costas para mim. "Finalmente...", sussurrei, sabendo que aquele encontro era inevitável. A figura virou-se lentamente, e uma sensação gélida percorreu minha espinha.
— Você chegou ao ponto final do ciclo, Ezekiel — disse a figura, com uma voz baixa e ressonante. — Mas sabe por que está aqui?
A pergunta pairou no ar por alguns segundos antes de eu encontrar coragem para responder.
— O tempo... está distorcido aqui. Essas pessoas estão presas em um ciclo sem fim, e você... está no centro disso, não está? — perguntei, tentando manter a compostura.
A figura soltou uma risada fria.
— O tempo é uma prisão, um ciclo interminável. Essas pessoas já não vivem mais; elas são sombras de um passado distante. E eu estou aqui para garantir que esse ciclo continue, pois é assim que deve ser.
— Mas por quê? O que você ganha com isso? — perguntei, sentindo a urgência crescer em minha voz.
A figura deu um passo à frente, e sua presença se tornou ainda mais intimidante.
— Eu não ganho nada, Ezekiel. Eu sou apenas um guardião... do que restou do tempo. A Ike que você carrega é a chave para libertar este lugar, mas para isso, você terá que entender o poder que possui. O tempo não perdoa os imprudentes.
Minha mão começou a brilhar ainda mais forte, e o fragmento da Ike do tempo parecia reagir à presença do guardião.
— Então você é o guardião... desse fragmento? — perguntei, começando a entender a conexão.
— Sou o guardião do que resta — disse ele, sua voz ecoando pela sala. — O tempo fragmentado não pode ser restaurado até que você reúna todas as peças. Mas cuidado... as respostas que você busca podem destruir o pouco que resta da sanidade deste mundo.
"Fragmentos... é isso", pensei. "Eu preciso reunir todos os fragmentos da Ike do tempo. E este lugar, esta cidade presa no tempo, é o primeiro passo."
Antes que eu pudesse falar mais, o guardião deu mais um passo em minha direção, e o chão ao redor de nós começou a tremer.
— O ciclo está se fechando, Ezekiel. O tempo está se esgotando. Você não tem muito tempo para descobrir a verdade.
A sensação de urgência tomou conta de mim, e percebi que havia algo maior em jogo do que apenas libertar aquela cidade. O guardião não era apenas uma figura sombria; ele era a chave para entender como o tempo havia sido corrompido, e por que Sansão, e outros do passado, estavam conectados a essa jornada.
— Então me mostre o que eu preciso saber — desafiei, preparando-me para o que estava por vir.
A figura deu um sorriso enigmático.
— Você já sabe onde procurar. Mas esteja preparado... as respostas virão com um preço.
E, com isso, a figura se dissolveu no ar, deixando para trás um silêncio profundo e a sensação de que o verdadeiro desafio estava apenas começando.
O Encontro na Cidade Congelada
Caminhei pelas ruas vazias, sentindo o peso estranho no ar. As pessoas ao meu redor seguiam suas rotinas mecânicas, presas em um ciclo repetitivo, sem consciência de sua própria existência. Aquilo era mais do que um mistério. Era uma distorção temporal, algo muito além do que eu poderia explicar com o pouco conhecimento que possuía sobre a Ike do Tempo.
Olhei para a marca na minha mão, onde a esfera havia se fundido com meu corpo. Sentia seu poder latente, mas estava longe de entender seu potencial. "Ainda não sei como sair desse lugar", pensei. Minha cabeça latejava com a quantidade de perguntas sem respostas.
Em meio à monotonia da cidade, uma figura me chamou a atenção. Diferente das outras pessoas, que pareciam seguir um padrão invisível, ela se movia com hesitação, como se lutasse contra algo. "Isso não é normal", pensei. Me aproximei devagar, sentindo um frio estranho na espinha.
Era uma mulher, jovem, com os olhos arregalados e expressão de pânico. Diferente das outras pessoas, ela parecia... consciente.
— Ei... está tudo bem? — perguntei, tentando soar calmo, mas minha voz saiu tensa.
Ela piscou várias vezes, seus olhos se focando em mim como se estivesse vendo alguém pela primeira vez em anos.
— Você... não é como eles... — sussurrou, sua voz rouca.
— O que quer dizer? — me aproximei mais, tentando entender. — O que está acontecendo aqui?
Ela deu um passo para trás, assustada, como se minha simples presença estivesse quebrando algo.
— Eu não deveria estar falando com você... — murmurou, olhando ao redor, como se esperasse que algo ou alguém aparecesse. — Ele... ele nos vigia...
— Ele quem? — perguntei, confuso. O coração disparou, e a sensação de que algo maior estava em jogo cresceu.
Ela me lançou um olhar de desespero, segurando meu braço com força.
— O homem de capuz... ele nos prendeu aqui... todos nós. E agora, não há como escapar...
Antes que eu pudesse perguntar mais, ela soltou meu braço e voltou a se mover como as outras pessoas, sua expressão se tornando vazia novamente. Era como se o breve momento de lucidez tivesse desaparecido tão rápido quanto surgiu.
"O homem de capuz?", repeti em pensamento. Isso não podia ser uma coincidência. A cidade estava presa em um loop temporal, e esse tal homem parecia ser o responsável por isso. Mas por quê?
Olhei em volta, tentando encontrar alguma pista. As construções eram antigas, e o tempo parecia parado em cada detalhe. De repente, um calafrio percorreu minha espinha. Eu estava sendo observado.
Levantei os olhos e, no fim da rua, uma figura encapuzada surgiu, imóvel, como se esperasse por mim.
O Enigma do Homem Encapuzado
Meu coração acelerou. Quem era ele? Instintivamente, comecei a caminhar em sua direção, meus olhos fixos na figura misteriosa. O ar ao redor parecia mais denso, cada passo meu reverberava nas ruas vazias.
— Você... — comecei, mas fui interrompido por uma risada baixa que ecoou por entre os prédios.
— Então você finalmente chegou. — Sua voz era calma, quase debochada, mas havia um peso sombrio nela.
— Quem é você? O que está acontecendo aqui? — perguntei, mantendo uma distância segura. Não sabia o que esperar dele.
O homem se aproximou lentamente, seu rosto ainda oculto pelo capuz. Mesmo sem ver seus olhos, senti como se ele estivesse me examinando, avaliando cada parte de mim.
— Você não sabe nada, não é? — ele riu novamente. — Você está preso no meio de algo que não pode compreender.
"Não posso compreender?", pensei, sentindo a frustração crescer. Minha mão formigou com a energia do fragmento, mas ainda não sabia como controlá-lo plenamente.
— Essa cidade está presa em um loop temporal, não é? — continuei, tentando manter a voz firme. — Você é o responsável por isso?
O homem parou de caminhar e, por um breve momento, ficou em silêncio. Parecia ponderar sobre minha pergunta, como se estivesse decidindo o quanto revelar.
— Talvez eu seja, talvez não — respondeu ele, enigmaticamente. — Mas o que você realmente quer saber, Ezekiel?
A menção do meu nome fez meu corpo se enrijecer. "Como ele sabe meu nome?", pensei. Tentei não demonstrar surpresa, mas era impossível esconder o nervosismo.
— Estou procurando algo — disse, tentando mudar o rumo da conversa. — Uma esfera. Um fragmento de tempo. Você sabe onde está?
O homem sorriu, embora seu rosto permanecesse oculto.
— Ah, então é isso... a esfera. Claro, você está aqui por isso. — Ele deu mais um passo em minha direção, e o ar pareceu esfriar ainda mais. — Mas saiba, garoto, que o que você busca não está aqui. Não diretamente.
— O que quer dizer com isso? — perguntei, sentindo a frustração tomar conta. Cada resposta dele parecia criar mais perguntas.
Ele não respondeu de imediato. Ao invés disso, estendeu a mão, e um brilho estranho emanou de dentro de seu capuz.
— O tempo é uma força poderosa, Ezekiel. E aqueles que tentam manipulá-lo sem entendê-lo estão destinados a falhar. — Sua voz era grave agora, quase como um aviso. — Eu o observei desde o momento em que você entrou nessa cidade. Você carrega algo poderoso, mas é apenas o início de uma jornada muito maior.
Antes que eu pudesse reagir, ele virou as costas e começou a se afastar.
— Espere! — gritei, avançando para tentar alcançá-lo. — Quem é você de verdade?
Ele parou por um segundo, mas não se virou.
— Talvez, em breve, você descubra. Ou talvez nunca descubra. — Ele deu de ombros e desapareceu na esquina, deixando apenas o silêncio e o frio arrepiando a minha pele.
Fiquei ali, no meio da rua vazia, tentando processar tudo o que havia acabado de acontecer. "Quem ele realmente é?", pensei. E o que significava aquilo de que o fragmento não estava "diretamente" aqui?
As respostas ainda me escapavam, mas uma coisa era certa: eu precisava entender o que estava acontecendo com aquela cidade e encontrar o próximo passo da minha jornada.
Olhei para o céu. O tempo continuava parado. A cidade, congelada em um ciclo eterno, esperava pela próxima peça desse quebra-cabeça.