O vórtice de tempo ao meu redor era algo que eu nunca havia experimentado antes. O chão que antes era sólido, agora parecia girar em um ritmo caótico, distorcendo minha percepção da realidade. A ampulheta dourada, em minha mão, vibrava em resposta ao poder que Osric emanava. O ar ao meu redor estava pesado, quase como se o próprio tempo estivesse tentando me esmagar.
"Esse lugar... está fora de qualquer controle", pensei, apertando ainda mais a ampulheta em minhas mãos. Eu sabia que o poder que Osric exercia sobre a cidade era forte, mas vê-lo em ação era algo completamente diferente. O fragmento da Ike do Tempo, corrompido e distorcido, havia transformado esse lugar em uma prisão temporal. A cidade, as pessoas... estavam todas aprisionadas em um ciclo que parecia impossível de quebrar.
— Você ainda pensa que pode escapar disso? — Osric perguntou, sua voz ressoando como um eco no vórtice. Ele avançou em minha direção, o capuz ainda cobrindo parcialmente seu rosto, mas eu podia ver o brilho mortal em seus olhos.
— Eu não vou só escapar — retruquei, tentando manter a confiança em minha voz. — Eu vou libertar todos daqui. Inclusive você.
Osric parou, rindo baixinho, um riso amargo que ecoava nas paredes da cidade distorcida. — Libertar? Você acha que pode me libertar? Eu já estou além de qualquer salvação. Este fragmento — ele apontou para o peito, onde o brilho sinistro da Ike estava localizado — me consumiu há muito tempo. E agora... somos um só.
Dei um passo para trás, tentando calcular minhas opções. Eu não podia lutar diretamente contra ele; o poder que ele possuía era vasto demais para eu controlar, pelo menos por enquanto. "Preciso ser inteligente", pensei. "Ele não pode estar ciente de tudo o que aconteceu. Deve haver alguma fraqueza que eu possa explorar."
De repente, o vórtice ao nosso redor começou a se acalmar, e a cidade voltou ao normal, mas com uma leve distorção, como se estivéssemos suspensos entre diferentes momentos do tempo. A energia ao redor de Osric, porém, continuava intensa. Ele me observava com olhos frios, e eu sabia que ele estava esperando o próximo movimento.
O Sacrifício de Osric
Eu sabia que a luta contra Osric não seria uma batalha convencional. O fragmento da Ike do Tempo estava enraizado dentro dele, corrompendo tudo ao seu redor. Mesmo assim, não podia ignorar a chance de libertar a cidade daquele ciclo temporal. Para isso, eu precisava me aproximar de Osric, entender suas fraquezas, e tentar arrancar o poder que o consumia.
Osric estava diferente. Algo no seu comportamento havia mudado após eu confrontá-lo. Ele parecia mais vulnerável, sua postura, menos rígida. A insanidade ainda cintilava em seus olhos, mas havia momentos em que, por breves segundos, ele parecia... cansado.
"É agora ou nunca", pensei. Respirei fundo e comecei a me aproximar. Cada passo era uma combinação de cautela e determinação. Sabia que ele era volátil, mas eu não podia perder essa chance.
— Osric, você não precisa continuar assim — falei, tentando manter minha voz calma. — Eu vi o que aconteceu. Você não quis que as coisas fossem desse jeito.
Osric riu, mas sua risada soou mais como um gemido de dor do que escárnio. Ele estava sentado numa rocha, os ombros caídos e os olhos perdidos no horizonte, como se estivesse observando algo que não podia mudar.
— Eu quis... eu quis salvar a cidade — disse ele, a voz carregada de remorso. — Tudo o que eu fiz foi para proteger o meu povo, mas o tempo... o tempo é cruel. Ele não pode ser controlado. Não por mim, não por ninguém.
— Mas você ainda pode consertar isso — insisti, tentando avançar mais um pouco. — Não vai ser fácil, mas... o fragmento que você carrega está te matando. Ele não te escolheu, Osric. Ele só está te consumindo. Se me deixar, eu posso...
Ele ergueu a mão, me silenciando com um gesto frágil.
— Não... eu não posso ser salvo, Ezekiel. Você não entende. Eu... eu sou o tempo aqui agora. Estou preso nele, assim como a cidade. Isso se tornou parte de mim, e eu, parte dele. Arrancar o fragmento de mim não vai consertar nada.
Eu podia sentir a frustração crescendo em mim. As palavras dele faziam sentido de uma maneira distorcida, mas eu precisava tentar. Havia uma pequena janela de oportunidade, e se eu deixasse isso passar, estaria condenando a cidade para sempre.
— Osric, eu vou fazer o que for preciso — declarei, avançando um passo mais decidido. — Mesmo que você não acredite que pode ser salvo, eu vou tentar. Vou libertar você desse sofrimento, e se eu não conseguir... pelo menos saberei que tentei.
Ele ergueu os olhos, e por um breve momento, a insanidade deu lugar a uma expressão de profunda tristeza. Era como se uma parte dele, a parte que ainda se importava, estivesse suplicando para que eu acabasse com tudo.
— Então faça — ele murmurou, a voz vacilante. — Termine isso.
Eu estava a poucos metros dele agora, a ampulheta dourada nas minhas mãos tremendo em resposta à proximidade com o fragmento em seu peito. O ar ao redor ficou pesado, quase sufocante. As distorções temporais se intensificaram à medida que me aproximei ainda mais, e Osric começou a tremer, como se estivesse lutando contra uma força invisível.
"É agora."
Com um movimento rápido, ergui minha mão e segurei a Ike que pulsava dentro do corpo de Osric. O fragmento estava fundido à sua pele, sua energia irradiando uma luz dourada e sombria ao mesmo tempo. Senti a resistência no momento em que tentei puxá-lo.
— ARGH! — Osric gritou, seu corpo se contorcendo em agonia. A força do fragmento lutava contra a minha tentativa de extraí-lo. As ondas de energia temporal me atingiram como uma tempestade, e cada segundo que passava parecia um esforço monumental.
Mas eu continuei. Não podia desistir.
A luz ao redor do fragmento começou a piscar, como se algo estivesse se quebrando. Usando toda a força que restava em mim, dei um último puxão, e finalmente o fragmento se desprendeu do corpo de Osric. Ele gritou, um som de dor e alívio misturados, antes de cair no chão, exausto e vulnerável.
Ele estava fraco, muito fraco. Seu corpo tremia descontroladamente, e seus olhos, que antes estavam cheios de fúria e insanidade, agora pareciam vazios, sem qualquer resquício de razão.
— O... o tempo... — ele sussurrou, com dificuldade. — Ele... ele ainda está aqui. Eu... eu não posso sair... o ciclo...
Eu conseguira. O fragmento do fragmento estava em minhas mãos. Mas a sensação de triunfo que eu esperava... não veio. Senti seu peso, frio e distante, como se mesmo tendo chegado até ele, algo ainda me escapasse. O ar da cidade parecia mais denso, carregado com um silêncio incômodo. Osric estava diante de mim, exausto, frágil. Seus olhos, antes nublados pelo tormento do loop temporal, agora brilhavam brevemente com uma lucidez que não combinava com a loucura que o havia consumido por tanto tempo.
"Você conseguiu... libertar...?" Osric murmurou, sua voz fraca como o eco de uma vida que se esvaía.
"Não... Eu..." — tentei responder, mas a verdade me sufocava. Eu não sabia como.
Olhei para o fragmento em minha mão, sentindo seu poder pulsar fracamente, como se zombasse de minha inexperiência. As Ikes eram misteriosas, sim, mas eu pensara que, ao encontrar o fragmento, tudo se encaixaria. Que o loop se desfaria, que a cidade seria libertada. Mas agora eu entendia que, embora tivesse o fragmento, não sabia o que fazer com ele.
"O loop... ele ainda está aqui..." — Osric forçou um sorriso triste, sua mente voltando lentamente à névoa que o consumia. — "Você não... não pode pará-lo, pode?"
Essas palavras me atingiram como um golpe. Não, eu não podia. Eu estava tão perto de completar aquela parte da jornada, mas tão longe da solução verdadeira. O poder do tempo, que eu pensava estar sob meu controle, se mostrava ainda mais indomável do que eu poderia imaginar.
"Desculpa..." — sussurrei, minhas mãos tremendo enquanto seguravam o fragmento. "Desculpa, Osric, eu não consigo..."
A cidade ainda estava presa, os mesmos rostos repetindo os mesmos passos, infinitamente. Cada pessoa ali, vivendo e morrendo no mesmo ciclo, sem fim, sem propósito. E eu, com o poder de mudar isso em minhas mãos, era incapaz.
Osric se contorcia no chão, os olhos vidrados olhando para o nada. O tempo havia se entranhado nele de tal forma que, mesmo sem o fragmento, ele continuava preso. Pude ver que ele estava lutando, tentando manter alguma sanidade, mas era tarde demais. O poder da Ike havia corroído sua mente por completo.
— Osric! — gritei, segurando seus ombros, tentando mantê-lo no presente. — Fique comigo! Você está livre agora!
Ele soltou uma risada fraca, quase sem vida.
— Livre...? Não... eu... estou perdido... sempre estive...
E, com essas últimas palavras, Osric sucumbiu à loucura final. Seu corpo estremeceu uma última vez antes de se tornar inerte, e ele morreu nos meus braços, o olhar perdido no horizonte. O homem que um dia tentara salvar sua cidade agora estava para sempre marcado pelo tempo, preso em uma existência que ele nunca pôde controlar.
A tristeza pesou sobre mim como uma montanha. Havia conseguido libertar Osric do fragmento, mas a cidade... o loop temporal que a aprisionava ainda estava ativo. Eu olhei ao redor, vendo os habitantes presos naquela repetição sem fim, suas vidas congeladas em um ciclo interminável.
Por mais que eu tentasse, não conseguia entender como remover o comando do loop. O fragmento estava fora de Osric, mas o poder que ele havia deixado naquele lugar era mais profundo, mais enraizado do que eu poderia desfazer sozinho.
"Falhei."
O pensamento me atingiu como uma lâmina. Eu sabia que tinha feito o melhor que podia, mas não era o suficiente. As vidas presas na cidade continuariam nesse ciclo, e eu, frustrado e incapaz de mudar isso, teria que seguir em frente.
Guardei o fragmento da Ike do Tempo comigo. Ainda havia mais partes desse poder espalhadas pela floresta, e talvez, se eu conseguisse reuní-las, pudesse finalmente quebrar o ciclo e libertar a cidade. Mas, por enquanto, tudo o que eu podia fazer era sair em busca dos outros fragmentos.
Deixei o corpo de Osric onde estava, o último remanescente de sua luta contra o tempo. Sua morte era um lembrete doloroso do quão implacável esse poder podia ser.
Antes de partir, olhei uma última vez para a cidade. Mesmo com o coração pesado, sabia que essa jornada estava apenas começando. Havia muito mais em jogo do que apenas a libertação de uma cidade. O poder do tempo era vasto, e eu precisava descobrir como controlá-lo antes que ele destruísse tudo.
Com os punhos cerrados e a ampulheta dourada brilhando em minhas mãos, parti em direção à floresta, em busca dos outros fragmentos.
E a promessa de que, de uma forma ou de outra, voltaria para libertar aquela cidade.