Eu estava parado ali, no meio daquela rua congelada, enquanto minhas mãos ainda formigavam com a sensação estranha deixada pelo encontro com o homem encapuzado. Não fazia ideia de quem ele era, mas sua presença me incomodava. "Ele sabe mais do que quer mostrar", pensei, sentindo uma mistura de frustração e inquietude.
O vento frio passou, trazendo consigo um som abafado. Não sabia se era real ou parte do estranho silêncio que dominava a cidade. Decidi continuar andando, mesmo sem uma direção clara. A cidade, de alguma forma, parecia maior e mais labiríntica a cada esquina que eu virava.
Enquanto meus pés me guiavam por ruas desertas, vi um movimento repentino. Era a mulher de antes, aquela que havia saído do loop por um breve momento. Desta vez, ela não estava sozinha. Um homem a acompanhava, também com os mesmos passos automáticos e vazios. Mas havia algo diferente nela, nos olhos dela. Um brilho de consciência, ainda que frágil, tentava resistir.
Aproximei-me devagar, e dessa vez decidi tentar algo diferente.
— Ei — chamei, minha voz soando suave, mas firme. — Eu sei que você consegue me ouvir. Não deixe ele te controlar. Lute contra isso.
Ela parou, seus olhos se movendo lentamente em minha direção. O homem ao lado dela continuava andando, como se estivesse em outra dimensão. Aquela mulher, no entanto, piscou. Por um breve momento, parecia ter recuperado parte da sua consciência.
— Eu... — começou a dizer, sua voz fraca, como se algo estivesse sufocando suas palavras. — Ele... ele vai me ver... — Ela olhou ao redor, como se estivesse sendo observada de perto.
Dei um passo à frente, tentando ser o mais compreensivo possível.
— Quem vai te ver? O homem de capuz? — perguntei, minha voz baixa para não assustá-la.
Ela assentiu, trêmula.
— Ele nos mantém aqui... todos nós. Presos nesse ciclo... nesse pesadelo. — Lágrimas surgiram em seus olhos, mas ela tentava segurar o choro. — Eu... eu estava feliz antes... não entendo o que aconteceu.
A angústia em sua voz me atingiu de forma profunda. A cidade estava presa em um ciclo interminável, mas, pela primeira vez, percebi o peso emocional que isso representava para aquelas pessoas.
— Eu preciso que você me ajude — pedi, com mais urgência. — Eu quero acabar com isso, mas não consigo fazer isso sozinho. O que você sabe sobre ele? O homem de capuz?
Ela parecia estar lutando internamente, como se as respostas estivessem ali, mas escondidas debaixo de uma cortina pesada.
— Ele... ele era um de nós. Um cidadão. — Ela fez uma pausa, como se estivesse se esforçando para lembrar. — Um dia, ele encontrou... uma pedra. Algo que ele não deveria ter encontrado. Depois disso, tudo mudou. A cidade mudou. — Ela passou a mão pelo rosto, visivelmente angustiada. — Ele usou essa pedra para nos prender. Para nos manter aqui, nesse ciclo eterno.
A "pedra" que ela mencionou fez meu coração acelerar. "Isso deve ser o fragmento que estou procurando", pensei.
— E você sabe onde ele está agora? — perguntei, minha voz ficando mais urgente. — Onde está essa pedra?
Ela olhou ao redor novamente, como se temesse que suas palavras pudessem ser ouvidas por alguém invisível.
— Eu não sei... mas ele... — ela hesitou, apontando com a cabeça para a direção onde o homem encapuzado havia desaparecido. — Ele carrega isso com ele... ele controla tudo com essa pedra.
O alívio que eu senti por encontrar uma pista foi rapidamente substituído por um novo problema. "Se ele controla a cidade com o fragmento, isso significa que ele é ainda mais perigoso do que eu imaginava", pensei. Precisava descobrir como confrontá-lo.
— Vou acabar com isso — prometi, com mais convicção do que talvez tivesse naquele momento. — Vou libertar vocês. De alguma forma, eu prometo.
Ela sorriu, embora fosse um sorriso cansado e cheio de dor. E então, como se sua breve liberdade tivesse um limite, ela voltou a seu estado anterior, andando ao lado do homem como se nada tivesse acontecido.
Respirei fundo e me preparei para seguir em frente. Agora, eu sabia que o fragmento estava nas mãos do homem encapuzado, e ele era a chave para libertar a cidade daquele pesadelo.
A Revelação Oculta
Eu continuei minha busca pela cidade, agora mais determinado do que nunca. Cada esquina parecia igual, como se a cidade estivesse presa em um constante déjà-vu. Era como estar preso em um labirinto, com cada rua levando de volta ao mesmo lugar. A sensação de estar sendo observado não me deixava.
Então, senti algo. Uma presença que se aproximava rapidamente. Quando me virei, o homem encapuzado estava lá, parado no centro da rua como se estivesse esperando por mim.
— Parece que você não sabe quando desistir, não é? — ele disse, com a voz fria e calma de sempre.
— Você é o responsável por isso. — Minha voz soou firme, ainda que eu soubesse que enfrentá-lo sem um plano era imprudente. — Essas pessoas... você as prendeu aqui.
Ele riu, uma risada baixa e cheia de desprezo.
— Você fala como se entendesse algo, mas não sabe nem metade da verdade. — Ele deu alguns passos na minha direção, e o ar pareceu se tornar ainda mais denso ao redor de nós. — Acha que pode simplesmente me enfrentar e tudo se resolverá?
Eu mantive minha posição, sem recuar.
— O que eu sei é que você encontrou algo... uma pedra. Ela é a chave para tudo isso, não é?
O homem parou de andar, e por um momento, o silêncio entre nós foi ensurdecedor.
— Vejo que você já está começando a entender. — Ele ergueu uma mão, e por um breve instante, uma luz brilhou sob o capuz, revelando algo que parecia uma pedra, mas apenas por um segundo. — Isso aqui? Sim, é a chave. Mas também é a sua ruína.
Eu sabia que aquela pedra era o fragmento que estava procurando, mas a questão era como recuperá-la sem cair nas armadilhas dele.
— Você está preso aqui também — arrisquei, tentando descobrir mais. — Mesmo com esse poder, você está preso nesse loop. Então, o que realmente quer?
O homem ficou em silêncio por um momento, e então soltou um suspiro cansado.
— O que eu quero? — Ele riu, mas dessa vez sua risada não parecia carregada de maldade. Havia algo mais, algo triste. — O que qualquer um quer. Libertação.
Aquilo me pegou de surpresa.
— Libertação? — perguntei, confuso. — Então por que você...
— Porque estou preso aqui, assim como eles. — Sua voz se tornou sombria novamente. — Eu não escolhi isso. Fui consumido por esse poder, e agora, não há como escapar.
De repente, ele começou a se afastar, andando para trás, lentamente desaparecendo nas sombras da cidade.
— Espere! — gritei, dando um passo à frente. — Como eu posso quebrar esse ciclo?
Ele parou, apenas por um momento.
— Encontre as outras partes. Talvez assim você descubra.
E então, ele se foi.
Fiquei parado por alguns instantes, tentando processar o que havia acabado de acontecer. "As outras partes...", pensei. Ele estava falando sobre os outros fragmentos da Ike do Tempo. Isso significava que havia mais do que apenas o que ele carregava.
Precisava continuar minha busca. E agora, tinha uma nova pista: libertar a cidade estava relacionado a encontrar os outros fragmentos.
"Isso é só o começo", pensei, enquanto a cidade congelada permanecia em seu loop eterno.
A Ampulheta Dourada
Comecei a andar pelas ruas da cidade, tentando ignorar as mesmas cenas repetidas ao meu redor. Mas foi então que algo diferente aconteceu. Um corpo esbarrou no meu, me fazendo quase perder o equilíbrio. Instintivamente, ergui a mão para me segurar, mas antes que pudesse me desculpar, percebi algo estranho.
O homem que havia trombado em mim parecia atordoado. Seus olhos, que antes estavam vidrados como os de todos os outros, piscavam em confusão, como se tivesse acabado de acordar de um longo sonho. "O que... onde estou?" ele murmurou, com a voz rouca.
Eu o observei por um momento, tentando entender o que estava acontecendo. "Ele saiu do loop", pensei. Mas como?
— Você está bem? — perguntei, cauteloso, sabendo que qualquer movimento poderia reverter esse estado.
Ele levou a mão à cabeça, ainda confuso, tentando se situar. — Eu... eu me lembro de algo... Algo estranho. Eu estava preso... — Seus olhos se arregalaram. — Preso nesse lugar, fazendo as mesmas coisas todos os dias, como se não houvesse saída.
Minha mente começou a trabalhar rapidamente. Será que eu tinha algo a ver com isso? Será que, de alguma forma, minha presença e o fato de eu carregar o fragmento haviam quebrado o ciclo dele, mesmo que temporariamente?
— Você se lembra de mais alguma coisa? — perguntei, ansioso por respostas.
Ele hesitou, seu rosto uma mistura de medo e alívio. — Sim... havia um homem, um homem com um capuz. Ele... ele nos amaldiçoou. Ele trouxe o fragmento e, desde então, estamos presos.
A confirmação era tudo o que eu precisava. Estávamos no caminho certo.
— Quem é ele? Você sabe o nome dele? — insisti.
O homem balançou a cabeça lentamente. — Não, ele nunca revelou seu nome. Mas ele era um dos nossos... alguém que jurou proteger a cidade. Só que, depois que ele encontrou aquela maldita pedra, tudo mudou.
Eu queria saber mais, mas o olhar do homem começou a vacilar, seus olhos voltando a ficar vidrados, como se estivesse sendo puxado de volta ao ciclo.
— Ei, ei! Fique comigo! — tentei chamá-lo, mas era tarde demais. Em questão de segundos, ele havia retornado ao loop, seus olhos sem vida retomando as mesmas ações repetitivas que vi antes.
"Então há uma maneira de quebrar o loop", pensei. "Mesmo que temporariamente." Mas o que poderia fazer para libertar a cidade de uma vez por todas?
Depois de um tempo andando, decidi parar em um certo canto da cidade. Coloquei a mão em minha mochila. "Eu ainda não tinha entendido completamente como funcionava", pensei, enquanto segurava a ampulheta dourada em minhas mãos. Seu brilho era intenso, quase como se estivesse viva, pulsando em sincronia com meu coração. A sensação era a de segurar algo muito antigo e poderoso, mas ao mesmo tempo familiar, como se fôssemos feitos um para o outro.
A ampulheta foi a primeira pista real sobre o que o fragmento em meu corpo realmente era capaz de fazer. Eliakim mencionara que ela havia sido criada pelo primeiro portador da Ike do Tempo e servia como uma espécie de bússola, permitindo que eu navegasse pelo tempo. "Ela vai te guiar", ele dissera. Mas ele não havia mencionado o quão difícil seria controlar essa viagem.
Respirei fundo e deixei meus olhos se fecharem por um momento. Segurei firme a ampulheta, e sua areia dourada começou a se mover, girando mais rápido conforme minha conexão com o fragmento aumentava. Era como se eu pudesse sentir o tempo ao meu redor, fluindo, e, por um breve momento, tive a nítida impressão de que poderia tocar as linhas invisíveis que conectavam o passado ao presente.
A sensação era estranha, mas ao mesmo tempo empolgante. "Vamos ver onde isso vai me levar", pensei, concentrando-me nas imagens de eventos históricos que sempre estiveram em meu imaginário.
A primeira visão veio de repente.
O calor intenso era quase insuportável. Meus pés tocavam uma superfície áspera e vulcânica. Olhei ao redor e, por um momento, achei que meus olhos estavam me pregando peças. Estava no meio de uma cidade romana — Pompéia. O ar estava pesado, e a fumaça escura cobria o céu. Era o momento da grande erupção do Monte Vesúvio. Vi pessoas correndo, gritando, tentando escapar da destruição iminente. O tempo parecia congelado ao meu redor, mas eu sabia que, para elas, cada segundo era uma corrida pela sobrevivência.
Eu poderia sentir o peso da história sobre meus ombros. "Essas pessoas não têm ideia do que está prestes a acontecer", pensei. Mas esse pensamento foi breve, porque logo senti a ampulheta pulsar novamente.
A cena mudou, e desta vez me encontrei em um lugar completamente diferente.
O chão era árido, rachado, e uma praga assolava a terra. Estava no Egito, no meio da praga das rãs, uma das dez pragas que, de acordo com a história, haviam sido enviadas para castigar o Faraó. As rãs estavam por toda parte, cobrindo o chão, invadindo as casas. Eu via o desespero no rosto dos egípcios, tentando livrar-se dos anfíbios que pareciam ter surgido do nada. Esse momento, como os outros, durou apenas alguns segundos, mas foi o suficiente para sentir a intensidade da situação.
Antes que pudesse processar completamente o que estava acontecendo, o tempo começou a mudar novamente, como se a ampulheta tivesse seu próprio caminho traçado. Meu corpo foi envolvido por uma névoa fria, e a paisagem se transformou ao meu redor.
Agora, estava de volta ao lugar que tanto me intrigava: a cidade presa no loop temporal. Só que desta vez, eu não estava no presente.