Começou a nevar.
Não havia lua naquela noite e um humor proibitivo cobria a cidade imperial como o branco que cobria seus terrenos. As paredes imponentes, que eram de um rico carmesim durante o dia, tiveram sua cor esvaída pelas sombras. Dentro do salão do banquete, a festa continuava, mesmo após a retirada do imperador.
Porém, isso não era mais importante para Yan Zheyun, já que ele não fazia mais parte das festividades. Ele não reconheceu o jovem eunuco que fora enviado para guiá-lo, mas podia dizer que estava sendo conduzido cada vez mais para o interior do palácio, passando por portão após portão como se fossem grandes bocas apenas esperando para engoli-lo por inteiro.
Essa não era a primeira vez de Yan Zheyun numa cidade imperial, não exatamente. Ele havia visitado algumas durante férias em família e tinha gostado uma vez de ouvir recontagens da história no guia de áudio enquanto vagava de palácio em palácio dentro dos enormes complexos. Ele também havia se maravilhado com as altas paredes do palácio que se erguiam acima de sua cabeça e se perguntado como deveria ser viver como um membro da família imperial. Ou mesmo como um humilde escravo do palácio.
Ele tinha a resposta agora. Era sufocante.
"Pequeno Mestre Yan, por favor, siga." O prédio ao qual o eunuco guiou Yan Zheyun ficava em um canto isolado do palácio interno. Isso fez Yan Zheyun se perguntar se esse seria seu destino daqui em diante, escondido fora de vista e tirado apenas de vez em quando para ser admirado quando o imperador se lembrasse de que tinha esse brinquedo negligenciado em sua posse.
Devido a sua posição como um simples escravo na Família Wu, Yan Zheyun tinha um conhecimento limitado da política daquela época. Mas, baseado no que ele pôde interpretar da discussão do imperador com os oficiais anteriores, ele havia recebido uma posição relativamente baixa no harém. Isso estava bom, ele não esperava mais.
Na verdade, se isso lhe permitisse se esconder em um canto discreto para se recuperar e desenvolver mais seus esquemas, tanto melhor.
Ele leu a placa inscrita sobre a entrada. Palácio Zheshan ou 'Palácio dos Leques Dobrados'. Lá dentro, em vez de um hall principal e câmaras laterais, havia um pátio cercado por três edifícios de vários andares, cujos longos corredores se ligavam de um a outro. Se não fossem pintados de forma tão bonita, em tons vibrantes de turquesa, azuis e vermelhos, Yan Zheyun teria pensado que era um dormitório escolar.
Será que era... ele não tinha certeza de onde estava, mas tinha um pressentimento.
"Gonggong," ele perguntou educadamente, usando o termo respeitoso de propósito, embora fosse óbvio pela idade e vestimenta deste eunuco que ele ainda não havia conquistado o direito a esse título. "Que lugar é este?"
Como esperado, a bajulação era eficaz. O eunuco coçou a nuca, envergonhado. "Este servo não ousa responder a um título tão elevado," ele disse com um sorriso largo que traía seus verdadeiros sentimentos. Em resposta ao Pequeno Mestre Yan, este é o local onde residem os atendentes masculinos de Sua Majestade. Apenas após alcançarem um posto, lhes será designada uma nova residência do lado de fora."
A mensagem não dita era, que se Yan Zheyun não fosse mais do que um atendente, ele estaria preso ali pelo resto da vida?
Ele teria muito tempo mais tarde para decidir se isso era uma boa ideia ou não. Por enquanto, ele estava frio e exausto, procurando descanso.
"Obrigado," ele disse, procurando algo em sua manga para dar de gorjeta ao eunuco antes de perceber que estava mais pobre do que terra. Ele tinha dado a maior parte do seu dinheiro, mas ainda tinha os acessórios que faziam parte de sua fantasia. O Ministro dos Ritos não tinha poupado despesas tentando agradar o quarto príncipe e Yan Zheyun estava usando uma pequena fortuna em seu corpo.
Ele tirou uma pulseira e a colocou nas mãos do eunuco. Era feita de ouro. Ele não tinha certeza de quantos quilates, mas a cor era bonita, então não poderia ser ruim. Os olhos do eunuco se arregalaram.
"M-muito obrigado, Pequeno Mestre!" ele disse com uma reverência ansiosa. "Se o Pequeno Mestre precisar de algo no futuro, não hesite em pedir a este servo!"
Yan Zheyun sabia que tinha dado uma gorjeta exagerada. Ele fez isso de propósito. Ele tinha recursos limitados aqui e ainda menos acesso a quaisquer criados importantes. Um eunuco humilde como aquele pode não parecer muito, mas ainda era um par extra de mãos e olhos com mais mobilidade do que Yan Zheyun tinha. Além disso, apesar de saber que Yan Zheyun era apenas um dançarino que usou seu talento para seduzir o imperador, esse eunuco não havia desprezado Yan Zheyun.
Talvez ele pudesse ser útil.
"Qual é o seu nome?" Yan Zheyun perguntou.
"Este servo se chama Xiao Fu."
'Pequena Fortuna'. Yan Zheyun esperava que pudesse considerar esse encontro casual com Xiao Fu como um presságio.
"Xiao Fu," ele reconheceu. "Obrigado por me mostrar meus aposentos."
Com ainda mais entusiasmo do que antes, Xiao Fu ajudou Yan Zheyun a se instalar. Os quartos que ele recebera eram pequenos, aproximadamente metade do tamanho do seu quarto em seu apartamento tipo cobertura. Mas era completo com uma pequena área de estar principal, uma mesa redonda para refeições e uma câmara adjunta com uma cama atrás de um biombo.
Para não mencionar, era cerca de um milhão de vezes melhor do que compartilhar aquela longa cama com sete garotos de volta às cozinhas ou aquela cabana nos estábulos que constantemente cheirava a esterco de cavalo.
Sem mesmo se dar conta, Yan Zheyun havia se virado por quase um ano agora.
Ele não tinha nenhum pertence consigo, então não havia muito o que arrumar. Mas Yan Zheyun percebeu que o quarto ainda estava empoeirado, apesar de bem iluminado.
Xiao Fu atirou-lhe um olhar desculposo. "Pedindo perdão, Pequeno Mestre," ele disse. "Este servo vai arrumar tudo agora, é só que ninguém estava esperando..." ele interrompeu, mas Yan Zheyun entendeu sua intenção. Ele já havia percebido ao entrar que todo o Palácio Zheshan estava vazio, exceto por ele. Havia uma desolação no local que lhe dava um ar assombrado. Se fossem seus irmãos mais novos, a ideia de ficar ali sozinho teria sido aterrorizante, mas felizmente, Yan Zheyun não era do tipo que se assustava facilmente.
Embora, depois de transmigrar, ele achasse mais difícil dizer com certeza que o sobrenatural não existia...
Passos ecoavam freneticamente pelo corredor externo antes de um eunuco ainda mais jovem irromper pelas portas. "Irmão Xiao Fu!" ele gritou. "O novo pequeno mestre já chegou? Eu só consegui encontrar um conjunto de vestes e roupas de baixo de primeiro assistente, o estúpido Departamento de Vestuário se recusou a me dar mais alguma coisa—"
Xiao Fu lançou-lhe um olhar severo. "Pare com esse alarido," ele repreendeu. "Que tipo de comportamento é esse, você não vê que o Pequeno Mestre Yan já chegou e está sendo feito esperar por sua incompetência?"
O recém-chegado congelou, com os olhos arregalados em pânico. Fez com que se assemelhasse a um veado capturado pelos faróis de um carro, e Yan Zheyun não pôde deixar de sorrir um pouco ao ver quão cômica era sua expressão.
Uma cor vermelha tomou as bochechas do novo eunuco. "P-Pequeno Mestre é tão bonito," ele murmurou. Yan Zheyun ergueu uma sobrancelha e Xiao Fu quase morreu de um ataque de irritação.
"É algo que um simples servo como você deveria dizer?!" Perdendo a calma, Xiao Fu estendeu a mão e puxou o menino mais novo pela orelha, arrastando-o em frente de Yan Zheyun e forçando-o a ajoelhar-se antes de se juntar a ele no chão.
"Pequeno Mestre Yan," Xiao Fu disse seriamente, já não sorrindo como no início. "Este servo humildemente implora que você perdoe meu irmãozinho, Xiao De, só desta vez. Este servo promete que levará Xiao De à tarefa—"
"Vocês são irmãos de verdade?" Yan Zheyun perguntou de repente.
Xiao Fu trocou olhares com Xiao De, que já estava a meio caminho de uma reverência profunda.
"Em resposta ao Pequeno Mestre, não, mas compartilhamos o mesmo padrinho," ele disse.
Padrinho. Yan Zheyun sabia um pouco sobre isso das novelas de sua mãe, mas não tinha certeza da precisão. Ele tinha visto alguns dramas que focavam na ascensão ao poder de eunucos no palácio interno. Como todos em uma sociedade como essa, eles também faziam parte de uma estrita hierarquia e eunucos influentes frequentemente adotavam afilhados na forma de afilhados, já que eles mesmos não podiam ter filhos. E em troca de piedade filial, eles treinariam esses eunucos mais jovens e os ajudariam a subir a maiores alturas.
Isso era provavelmente o que Xiao Fu queria dizer.
Yan Zheyun deu um longo olhar para Xiao Fu. Ele não parecia muito mais velho que Xiao Ma, mas era difícil dizer se ele havia sido castrado antes da puberdade. Enquanto a voz de Xiao Ma quebrava de forma estranha a cada outra palavra, a voz de Xiao Fu era um tenor agradavelmente andrógino e seu rosto era liso e macio sem sinais de pomo de adão embaixo.
Algo dizia a ele que Xiao Fu era jovem, mas valia a pena formar uma aliança. Ele manteve isso em mente e olhou para o irmão mais novo.
Este... dava-lhe uma vibração oposta. Poderia ser usado para tarefas diárias e para mimar como um irmão mais novo, mas... Yan Zheyun teria que esperar um tempo antes de confiar nele com algo importante.
"Xiao De é meu servo pessoal?" ele perguntou.
Xiao De fez uma reverência profunda. "Em resposta ao Pequeno Mestre," ele cantarolou. "Este servo agora cuidará pessoalmente de suas necessidades."
Xiao Fu também fez uma reverência. "Pequeno Mestre Yan," ele disse. "Este servo foi designado para o Departamento do Erário Privado, o senhor pode encontrar este servo lá se necessário." Ele não estava vestido com roupas de patentes, mas Yan Zheyun podia dizer que ele era alguém cujo padrinho o estava treinando para assumir uma posição importante mais tarde. O Departamento do Erário Privado ficaria encarregado das mesadas da família imperial.
Ele não se alongou sobre por que alguém designado a este departamento teria vindo escoltar Yan Zheyun, essencialmente ninguém, para seus novos aposentos. Mas Yan Zheyun poderia imaginar que era por preocupação com este pequeno irmão de padrinho dele.
Yan Zheyun acenou com a cabeça e disse-lhes para se levantarem. "Eu não tenho muito comigo no momento," ele disse, desafivelando a pulseira no outro pulso antes de entregá-la a Xiao De. "Eu não estou pedindo muito de você, apenas lealdade. Você pode fazer isso?"
Xiao De radiou. "Este servo jura ser leal enquanto viver e se eu mentir que um raio—"
"Não faça esse tipo de juramento inauspicioso," seu irmão mais velho resmungou. "Você não deve falar dessas coisas ominosas na frente do pequeno mestre—"
Yan Zheyun deixou-os discutir em segundo plano enquanto limpavam o lugar. Ele se sentou na mesa redonda, que logo tinha um bule fumegante de chá quente sobre ela.
'Pequeno Mestre'. Era assim que o chamavam agora, o título de tratamento para uma concubina de baixo escalão. Ele também tinha ouvido isso na TV, geralmente dos episódios de 1 a 15 ou mais, onde a protagonista feminina era nova no harém. Naquela época, ele havia dito a sua mãe que toda aquela intriga de harém onde as mulheres do palácio interno conspiram e apunhalam umas às outras pelas costas era muito exagerado.
Ele esperava não estar errado.
Parecia que o imperador não ia solicitar sua presença naquela noite. Ele afastou todos os pensamentos sobre o Mestre Jovem Huang de sua cabeça e caminhou decididamente em direção ao quarto adjacente.
"Xiao De, eu gostaria de me lavar."
"Imediatamente, Pequeno Mestre!"
Ele ouviu o barulho de um bacia de bronze, presumivelmente enquanto Xiao De corria para buscar água quente. Era tarde demais para preparar um banho agora, mas Yan Zheyun havia passado meses em condições menos que higiênicas, ele podia tolerar dormir uma noite após simplesmente se limpar com um pano.
Ele se sentou sob o dossel de madeira entalhada de sua cama e, no silêncio da noite, admirava o vibrante canário amarelo costurado na tela dobrável que o escondia da vista.