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A criadora de Artefatos para Monstros

Anafantasia
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Synopsis

Chapter 1 - ︾︾Faça-me um Chapéu︾︾

— Boas-vindas — disse a mulher no balcão. Ela tinha cabelos longos e negros, olhos intensos e lábios finos. Sua característica mais marcante era uma pintinha abaixo dos olhos, que dava um ar sério ao seu rosto.

— Bom dia — respondeu a cliente, que entrava apressada na loja. — Eu preciso de um chapéu... diferente.

A balconista encarou a cliente. Ela tinha cabelos ruivos e encaracolados, muitas sardas e um olhar assustado. Seus olhos azuis tremiam, como se temesse algo.

— Diferente? — perguntou à recém-chegada. — Pode ser mais clara? Preciso entender que tipo de chapéu você procura.

— Bem... — a ruiva tremia. Depois de olhar assustada para os lados, encontrou o que procurava. — Eu preciso de um chapéu parecido com aquele no topo da parede.

A atendente olhou e sorriu. O chapéu que a moça havia apontado era preto e pontudo, com um aspecto grotesco. Muitas crianças procuravam por aquele modelo no período do Halloween, mas era raro um adulto querer algo assim. Contudo, aquele chapéu era muito mais do que um simples adorno; era um código que poucos entenderiam.

— Siga-me — ela disse, guiando a cliente para outra sala. As duas caminharam até chegarem a um aposento diferente. Tudo era escuro, exceto por algumas lamparinas que piscavam com o brilho de suas chamas.

— Então é realmente esta a loja... — murmurou a ruiva, e a outra sorriu.

— Novamente, boas-vindas — começou a balconista. — Meu nome é penelope e estou aqui para servi-la. Sou a dona deste antiquário e vou criar o chapéu que você procura. Agora, diga-me, como posso ajudá-la?

— Patrícia. Pode me chamar de Patrícia, por favor — falou a cliente com um sorriso. — Há algumas semanas perdi meu chapéu. Preciso de um novo, com algumas especificações.

Ela tirou da bolsa um papel, onde havia o desenho de um chapéu curioso. Era um chapéu de bruxa, com um cinto no meio e um ornamento no topo que lembrava um olho.

— Consegue fazer? — perguntou, receosa. penelope riu. Aquele era o modelo mais simples que faria nos últimos dias, e ver a bruxa tão ansiosa a deixou entusiasmada para concluir o trabalho.

— Três dias — disse, pegando o desenho das mãos da cliente. — Olho de... camaleão?

— Sim... — respondeu Patrícia. — Se possível, camaleão assombrado, por favor.

— Humm... certo, manterei o prazo — penelope concluiu, conduzindo a mulher de volta à sala principal. Ao chegarem, uma mulher da alta sociedade esperava para ser atendida.

— Estou contando com você — disse Patrícia antes de sair. penelope assentiu e voltou à sua rotina.

Ao entardecer, penelope fechou a loja. O estabelecimento também era sua casa, com uma pequena suíte e cozinha nos fundos. O quarto secreto era onde a verdadeira "mágica" acontecia. A mulher apagou as luzes e começou a trabalhar em seu novo projeto.

— Humm... olho de camaleão... seria ela uma bruxa do sul? — pensou enquanto costurava. Já havia feito chapéus para bruxas antes, e o molde era quase sempre o mesmo. Contudo, uma ou outra cliente pedia detalhes diferentes, e ela as ajudava.

As bruxas eram monstros horripilantes na Primeira Era do mundo. Por causa desses seres, a Primeira Guerra ocorreu, unindo várias regiões para barrar seu poder. Seus poderes foram selados em seus chapéus, assim como suas memórias. No presente, as bruxas não arquitetam crueldades, já que não têm acesso aos seus poderes e pensamentos selados.

Cada ornamento no chapéu simbolizava algo importante. Na maioria das vezes, os pedidos eram simples, como laços e fitas. A última vez que algo estranho foi requisitado foi nos tempos antigos, quando penelope era apenas uma criança e presenciou sua mãe construindo um chapéu.

— Preciso me concentrar — murmurou penelope, passando cuidadosamente cada ponto no lugar marcado.

Quando o dia amanheceu, o chapéu estava pronto. Restavam os ornamentos, que precisariam ser "caçados". penelope fechou a loja e vestiu-se adequadamente para a trilha: manto longo, botas e arco. Era tudo que precisava.

Ela adentrou a floresta proibida. Os humanos daquele vilarejo não permitiam que ninguém saísse da muralha protetora, pois fora dela havia um vasto mundo de monstros. Ao passar pelos portões principais, foi barrada.

— Ei, você! — gritou um dos guardas, enquanto outro a segurava pelo braço. — Volte antes que cause problemas!

penelope olhou para o guarda com um olhar gélido. Atrás dele, surgiu o capitão. Era um homem alto e forte, aparentando não ter mais que quarenta anos. Tinha longos cabelos loiros e uma barba rala. Seus olhos azuis olharam para penelope com piedade.

— Deixem-na passar — disse ele. Quando os guardas tentaram retrucar, silenciaram ao ver o semblante de seu capitão.

penelope agradeceu e partiu. Aquele era Lingon, seu amigo de infância. Embora ele não soubesse do trabalho secreto da antiga amiga, sempre a protegia quando necessário.

— Eu não posso te contar... — disse penelope uma vez, com lágrimas nos olhos. — Eu prometi à mamãe. Agora que ela se foi, preciso manter esse segredo.

Lingon abraçou a menininha.

— Tudo bem, Lena — disse ele, afastando-se. — Eu sei que você não faria nada de ruim. Só fiquei preocupado ao te ver fora da cidade. Se meu pai descobrir que você sai, podem te banir. Só tenha mais cuidado.

Lena retribuiu o abraço. Anos se passaram, e o tempo os afastou. penelope olhou para trás mais uma vez. Lingon parecia diferente da última vez que o viu. Carregava um olhar mais cansado e amedrontador.

A floresta proibida era imensa e sem fim conhecido. Para alguns, Vahah era a única cidade do mundo. Nunca houve comércio com outros continentes ou proximidades, e tudo sempre permanecia o mesmo. Mas penelope sabia que havia outras cidades além das muralhas. A vasta quantidade de monstros que ela encontrou provava isso.

Encontrar o cipó para a produção do cinto foi tarefa fácil. As árvores daquela região eram antigas, e o material era abundante. Mas, quando chegou a vez do camaleão assombrado, penelope se arrepiou. Teria de entrar numa caverna assombrada para capturá-lo.

O dia escureceu, e ela montou uma barraca para dormir. A noite passou sem incidentes. Ao amanhecer, caçou um coelho para se alimentar e, em seguida, partiu para a caverna.

Sabia da existência de uma não muito longe, pois quando era criança acompanhava sua mãe em suas tarefas. Ao avistá-la, verificou os arredores. Tudo limpo. Avançou cautelosamente, e não demorou para encontrar o camaleão. Ele cintilava como um vagalume e dormia profundamente. penelope o capturou rapidamente, jogando-o em um saco. Ele gritou durante todo o caminho.

— Deixe-me sair! Deixe-me sair daqui! — implorava o camaleão enquanto penelope caminhava em silêncio. Depois de um tempo, ele desistiu ao perceber que ela não mudaria de ideia.

Ao retornar à cidade, Logon a observava com seriedade, mas a deixou passar. Chegando em casa, penelope preparou tudo no aposento secreto e voltou ao trabalho. Moldou o cinto perfeitamente, e chegou a hora do camaleão.

penelope nunca havia matado nenhum animal, mas sabia que camaleões assombrados traziam infortúnios. Quando retirou o animal do saco, ele respirou fundo.

— Ah, posso respirar! — disse aliviado, até ver a faca na mão da artesã. — O quê? Você pretende fazer algo com isso?

— Uma faca. Preciso do seu olho — disse simplesmente, fazendo a criatura pular.

— É verdade que muitos dos camaleões assombrados trazem o mal, mas eu sou diferente! Eu só quero paz, ao contrário dos outros.

penelope parou por um momento e analisou o camaleão mais uma vez.

— Se é assim, tenho certeza de que não se importaria de sacrificar sua vida pela sua causa — disse ela, arqueando as sobrancelhas. O animal concordou, tremendo. Quando ela se aproximou mais com a faca, ele falou.

— Então você realmente entregaria sua vida para limpar a reputação da sua família? Interessante.

— Não somos todos maus como dizem. Apenas nos defendemos de ameaças. Os humanos destroem nossos brejos, então temos que nos esconder. Alguns ficaram irritados e passaram a atacar, como você, por exemplo.

— Não, não — penelope balançou a cabeça. — Estou apenas atendendo uma cliente. Preciso fazer um chapéu com olho de camaleão assombrado. Desculpe, pelos boatos não sabia da sua índole.

O camaleão se aproximou do desenho do chapéu. Ao vê-lo, abriu a boca assustado.

— Isso... — começou ele. — Faz séculos que não vejo algo assim. Este chapéu tem um potencial maligno, garota.

— Maligno? Não existem mais bruxas más desde que o Rei selou seus poderes.

— O selo está enfraquecido. Já se passaram mais de trezentos anos, e Mahah ainda não chegou... — o camaleão suspirou. — Sua amiga solicitou esse chapéu com algo em mente, tenho certeza.

penelope observou o desenho mais uma vez. Era diferente dos que havia feito, mas não muito diferente dos que sua mãe fazia. Pensou por um momento, tentando lembrar o que aconteceu com o último artefato feito por sua mãe, o que causou sua morte. Bem, não era um chapéu, disso ela tinha certeza. Aos poucos, sua memória clareou, e ela viu um relógio. Sim, sua mãe criara um relógio antes de morrer. Feito com espinhos venenosos de um reino distante.

Depois que as bruxas tiveram seus poderes selados, os pedidos passaram a ser simples: laços, fitas, doces, uma vassoura... Mas aquele relógio foi encomendado por uma bruxa. Depois que ela o obteve, parte de seu poder selado foi libertado, mas não completamente. Irada, a bruxa atacou a mãe de penelope, que morreu em combate.

— Você está certo. Tem algo errado nisso — disse enfim penelope. — Pode me ajudar? Preciso que faça algo por mim antes de partir.

— Claro! Para derrotar as forças do mal, estou à disposição!

— Então ouça... — cochichou penelope para o camaleão. Depois de planejarem tudo, ambos dormiram um sono inquieto.

⋆⋆⋆

— Está perfeito! — exclamou Patrícia, vendo o chapéu sobre a mesa. Ele tinha o cinto de cipó e o tão requisitado olho de camaleão assombrado. Quando se aproximou para pegá-lo, penelope a barrou.

— Que bom... aqui na minha loja, o pagamento sempre vem antes — disse penelope, e a ruiva fechou a cara.

— Você é só uma simples humana. Por que eu me importaria com isso? — disse, empurrando penelope e vestindo o chapéu.

— Agora! — ordenou penelope, e o camaleão mordeu a orelha da bruxa, que gritou de dor. Nesse momento, a lojista tentou cobrir a bruxa com um saco, mas falhou miseravelmente.

— Vou fazer você pagar com sua vida, assim como fiz com sua mãe! — gritou Patrícia, e penelope congelou. Era ela. Todas as memórias dos tempos antigos voltaram, e penelope lembrou-se dos cabelos ruivos da última cliente de sua mãe. Sua mãe havia libertado parte dos poderes de Patrícia ao criar o relógio, e perdeu a vida por isso. Um poder surgiu no íntimo de penelope. Precisava lutar e vingar sua mãe.

Nesse momento, o padre abriu a porta, arqueando as sobrancelhas. Ele havia sido convocado para selar os poderes da bruxa, mas penelope já avançava sobre Patrícia, esquecendo-se do plano.

— Eu vou me vingar! — gritou penelope, empunhando uma adaga. Era a adaga de ouro e prata de sua mãe. penelope sempre a carregava consigo, pois era eficaz contra a maioria dos monstros.

Patrícia ria, o padre rezava, e o camaleão chorava.

— E eu selo você, criatura perversa! Volte para onde veio! — disse o padre, direcionando sua bengala para Patrícia. A luz que o objeto emitiu cegou a todos, e quando abriram os olhos, no chão havia apenas uma rocha. A bruxa havia sido selada.

— penelope, minha filha! — exclamou o padre, correndo em direção à mulher, que estava parada em frente à rocha. — Não guarde ressentimentos, ou se tornará como eles. Sua mãe não iria querer isso.

penelope se virou, com lágrimas nos olhos. Pegou a rocha e entregou-a ao padre.

— Você tem razão, padre — disse ela, saindo com fúria e dor no coração. 

"Preciso encontrar um jeito de conseguir essa rocha de volta. Vou conseguir a minha vingança, e entender o que realmente aconteceu na morte de minha mãe".