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Chapter 3 - ︾︾Espelho encantado︾︾

—Você é muito boazinha — Cromu falou, enquanto Penelope esperava a bolsa de sangue encher— Como você se compromete a ajudar um vampiro? 

—É temporário. Pelo que parece ele ainda é um vampiro recém transformado— respondeu Penelope, finalizando com um curativo no braço — E além disso, teremos muitos clientes! 

Cromu olhou assombrado para a reação alegre de Penelope ao mencionar sobre a clientela. 

—Você ama sua loja, não é? 

—Sim… ela é a única memória que guardo da minha mãe. Toda minha infância foi aqui… na verdade, toda a minha vida foi aqui… e você, Cromu? Sempre morou na caverna? 

—Eh, ahn, então Penelope, acho que esse assunto fica para outra hora. 

—Você tem vergonha? 

—Vergonha do quê? — perguntou o camaleão com curiosidade. 

—De quem você é — explicou Penelope — Quando eu era criança tinha muita vergonha da minha mãe. Todos sabiam que havia algo de errado com ela. No final, ela só sabia mais que os outros. 

—As pessoas tendem a ter repulsa por aquilo que não acreditam. 

—Mesmo sabendo do perigo dos monstros, ela sabia que tinha uma missão com eles — disse a mulher — Por conta do auxílio dela, muitas almas foram libertas. E encantamentos quebrados. 

—Quebra de encantamentos? Ela era tão poderosa assim?

—Sim, ela era. — assentiu Penelope com orgulho — É uma maestria que tenho vontade de testar, caso tenha a oportunidade. Sinto que o meu destino está ligado a isso. 

Cromu ficou pensativo por um tempo, e o silêncio foi interrompido com a chegada de um cliente. Um homem negro, de corpo magro e aparência cansada entrou no estabelecimento segurando um enorme embrulho embaixo dos braços. 

—Preciso falar com Elizabeth — falou com a voz falha, olhando para os lados. 

—Elizabeth não está. Ela morreu há oito anos atrás. Mas, creio que posso lhe ajudar. — Penelope disse, mostrando o colar cintilante que pertencia a sua mãe. — Siga-me. 

O homem seguiu caminho, e chegaram no aposento destinado ao atendimento aos monstros. O homem colocou o pacote em cima da mesa, e soltou um suspiro de alívio. 

—Sinto cheiro de magia — Cromu disse, chegando perto do embrulho. 

—Saia já daí!— gritou o homem, espantando o animal e parando ao ver a reação brava da atendente — perdão. É um item muito valioso. 

Ele desembrulhou o pacote, que se revelou ser um enorme espelho oval com bordas douradas. No centro dele, estava uma mulher de cabelos cacheados e pele parda. 

—Um yushin* da floresta colocou um feitiço na minha esposa — começou — ela está presa neste espelho e só pode falar a verdade sobre os outros. 

—Só pode falar a verdade, é? — disse Penelope pensativa — Ela me lembra o meu primo. Certo, e por quê você quer tirar ela do espelho? 

O homem fechou a cara. 

—Por quê eu não iria querer tirar ela? 

—Bem, Yushins geralmente seguem a vontade do coração da pessoa. Algum de vocês pediu por algo, e recebeu este algo — Penelope disse, e o homem abaixou a cabeça — Estou certa? 

—Sim… Preciso explicar melhor o que aconteceu — Recomeçou o homem — Eu me chamo Argo, e minha mulher Luna. Somos de uma tribo distante, além das montanhas. Não temos comida, nem um lugar confortável para morar, por isso, em segredo, me listei na procura do príncipe perdido. Quando Luna soube, enraiveceu-se contra mim, e o Yushin pôs esta maldição após termos destruído sua toca enquanto brigávamos. 

—Você destruiu a toca dele — Luna disse no espelho — Enquanto correu atrás de mim para tentar se justificar. 

—Mas eu fiz isso por amor — Argo argumentou. 

—De nada vale dinheiro se você morrer. 

—Perdão por atrapalhar vocês dois, mas… quem é o príncipe perdido? — Penelope perguntou curiosa, e todos os olhares mudaram para ela. 

—O príncipe perdido é o príncipe desaparecido do país Yongo, depois do mar Linti. — Camu explicou — Já fazem mais de dez anos que caçadores o procuram, mas nada encontram. 

—A recompensa é grande — Argo disse ganancioso — O rei está nos últimos momentos de vida, e precisa encontrar o seu sucessor ao trono. 

—Mas o risco da missão também é grande — Luna retrucou.

 Penelope observou o cenário. Mesmo no espelho, Luna e Argo argumentam sem cessar, mas ambos os motivos eram para proteger um ao outro. Cromu andava pelas bordas do espelho, fazendo Argo bravo e provocando risadas em Luna. 

—Agora não importa quem está certo ou quem está errado — Penelope disse — precisamos achar uma forma de tirar a sua esposa do espelho o mais rápido o possível. 

Todos concordaram, e Penelope passou a vasculhar os livros da mãe. Os outros também se encarregaram de vasculhar papeis antigos, mas foi Cromu o responsável por encontrar algo. 

—Lena, o que é isso? — ele perguntou, encontrando uma caixinha preta com detalhes dourados e uma fechadura. 

—Eu… nunca vi isso por aqui— Penelope disse reflexiva, e tentou abrir. Estava fechado — Precisamos encontrar a chave. 

A busca pela chave foi falha. Em nenhum canto do chalé foi possível encontrar o objeto. Penelope observou a caixinha mais uma vez. Ela nunca havia visto tal coisa em todos aqueles anos, talvez por conta da vastidão de materiais que a mãe guardava naquele aposento. Na tampa da caixinha ela pensou ter visto algumas letras, e esfregou com as mãos para tentar ler, mas sua mão tremeu e uma luz a cegou. 

—Qual o seu desejo? — perguntou uma voz doce e gentil. 

Penelope abriu os olhos e viu uma mulher de pele parda, com roupas compridas e coloridas, com seus minúsculos pezinhos e corpo em cima da caixa. 

—O-oque? — ela perguntou assustada, derrubando o pequeno baú. 

—Ei, isso dói! — disse a mulher cruzando os braços, levantando-se na tampa. 

—D-desculpa… mas o que é você? — Penelope perguntou, e ouviu passos. Quando Argo chegou com Cromu em seus ombros, pulou para trás assustado. 

—Magia? O que é isso? — ele perguntou assustado, e Cromu caiu de cima dele. 

—Interessante, pensei que gênios estivessem extintos— disse o camaleão pensativo. 

—Ela é um gênio? É isso mesmo? — Penelope perguntou observando mais uma vez a pequena mulher, que assentiu. 

—Qual o seu desejo? 

—Peça que ela tire Luna do espelho. 

—Pera aí!— Cromu rapidamente falou —Não peça qualquer coisa. Você só tem três pedidos, e se fizer o pedido errado pode se arrepender. 

—Tirar minha mulher do espelho não é "Qualquer coisa" — Argo disse, enquanto Penelope refletia. 

—Se eu pedir para a gênia tirar ela do espelho, quando surgirem mais problemas e maldições eu não vou poder ajudar os outros… — Penelope murmurou. 

—Galina, meu nome não é gênia, é Galina. 

—Perdão senhorita Galina, a minha amiga nunca viu um gênio antes —Cromu disse cordialmente, e Galina fechou os olhos, analisando o camaleão. 

—Você tem envolvimento com nós, não é mesmo? 

—O que ela quer dizer com isso, Cromu? — perguntou Penelope, mas não obteve resposta. 

—Já conseguiu pensar no seu primeiro desejo? —Galina perguntou impaciente, e Penelope balançou a cabeça. 

—Preciso encontrar a chave deste baú — Penelope falou, e viu uma luz brilhando forte — Depois que encontrar, saberei o que pedi…. 

A chave apareceu magicamente nas mãos da mulher. Galina deu uma risadinha. 

—Penelope, cuidado! Você acabou de usar o seu primeiro pedido! — Cromu argumentou bravo, e Penelope olhou mais uma vez para a chave. Argo colocou a mão na cabeça indignado, e Luna gritou perguntando o que estava acontecendo. 

—Tomarei mais cuidado —Penelope falou, abrindo o baú e retirando a tampa em que Galina estava. 

Dentro, havia uma variedade de papeis, um anel e um frasquinho de perfume. 

—Não acredito que você gastou seu pedido para isso — Argo falou quando viu o que tinha dentro. 

—Você é meu cliente, não o meu chefe. Eu ordeno as coisas aqui, ou você não quer salvar a sua mulher? — Penelope disse ríspida, e o homem se calou. —Deixem-me um tempo sozinha. 

Cromu seguiu a mulher, mas quando ela entrou no quarto fechou a porta antes que ele entrasse. 

🪞🪞🪞

Carta 1 

Filha, hoje foi um dia especial. Pela primeira vez consegui mostrar para você como seria nossa vida sem monstros e esquisitices, como você fala. 

Fomos na sorveteria, e você amou. Pensamos em adotar um cachorro, mas seria problemático se ele fosse capturado por um monstro… olha eu falando de monstros de novo! 

Mas falar sobre como foi nosso dia hoje não é o motivo de minha carta. Imagino que você esteja crescida agora, e sei que não estarei do seu lado. Criadores de artefatos nunca vivem muito, essa é a realidade. 

Por isso vim lhe pedir um favor: desista da vida que eu te mostrei. Eu não quero que você não faça algo que não quer, mesmo sendo o seu destino. 

Agora, se você quiser… seja a melhor nisso. Não cometa erros como eu cometi. 

Com amor, mamãe 

18 de outubro de 2000

Carta 2

Hoje estávamos na feira e você quis uma goiaba. Falei que não, e você procurou a semana inteira por um pé para conseguir uma.

Eu sei que você é teimosa, então tenho conhecimento que não vai desistir dessa vida. Tudo bem então. 

Escrevi um glossário que vai te ajudar, e algumas cartas de encantamentos. Estão na caixa também. 

Com amor, mamãe 

29 de outubro de 2000

Carta 3

A profetisa me disse que não vou viver muito. Não sei qual é o meu destino, mas vou ajudar você com o seu. 

Há relatos de que uma gênia surgiu nas profundezas de uma caverna no oeste. Se eu encontra-la, quero que use seus poderes para trilhar o seu caminho. 

Uma parte minha não quer este destino para você, mas a outra sabe de seu amor por ele… 

Eu te amo eternamente

Com amor, mamãe 

13 de fevereiro de 2003

Penelope vasculhou a caixa mais uma vez e encontrou um caderno grosso e rústico, escrito "Glossário". Achou também as cartas que a mãe mencionou, e se empenhou a procurar pelos Yushin. 

—Você é igualzinha ela — Galina mencionou com uma risada. — Quando ela procurou por mim, até mesmo colocou a vida em risco só para guardar os desejos para você. 

—Nossa missão é ajudar quem precisa —Penelope falou — Seja humano ou monstro. 

—Isso é nobre, sim, sim. Mas… parece que você não ficou muito feliz de ter me recebido. 

—Você não poderia trazer ela de volta para mim, de qualquer forma. 

—Não mesmo… — Galina disse envergonhada — O mundo dos mortos não está no meu dominio. Mas posso te dar qualquer coisa que você pedir. 

—De que adianta, se o que eu quero já partiu? 

Nesse momento, a gênia adquiriu uma expressão sombria. No decorrer dos séculos, todos ficaram alegres ao receber seus poderes, afogando-se em ganância com as riquezas pedidas. Mas aquela mulher era diferente. Penelope não precisava da gênia, pois ela não tinha mais nada. 

—Encontrei! — exclamou Penelope, e saiu correndo com a caixinha até os outros, mas não achou ninguém. 

—Penelope, cuidado! — Ouviu Cromu dizer, antes de apagar. 

🪞🪞🪞

Quando Penelope abriu os olhos, viu-se no seu local de trabalho. Suas mãos e pernas estavam presas, e Cromu também estava ao seu lado. 

—Então você acordou— Argo falou, afiando uma faca — Já decidiu como vai utilizar o seu desejo? Ou precisa de minha ajuda para escolher? 

—Argo, pare, você está indo longe demais!— Luna gritou no espelho, mas o homem apenas o tampou. 

—Você não precisa ver isso, amada esposa — Disse ele com a voz sombria. 

—Não vou escolher nada através de ameaças — Penelope falou nervosa, o que só provou a ira do homem. 

—Talvez o seu amigo então responda… — Argo falou, aproximando-se de Cromu com a faca. 

—Espera! — Penelope gritou — Eu encontrei como reverter o feitiço! Por favor, deixe-me sair. 

—Mentira! — Argo gritou, e bateu na mesa — Vocês criadores de artefatos são todos iguais. Prometem uma salvação, mas agem indiferente quando não a encontram. Estou cansado disso! 

Cromu tremia quando Argo pegou o camaleão pelas pernas, mas um estrondo fez com que todos se assustassem. Em questão de segundos Lincon estava ao lado de Argo, com olhos vermelhos, presas alongadas e cabelo bagunçado, tomando o seu sangue. 

—Lincon!—Penelope gritou, mas o vampiro não deu importância. Ele estava em abstinência, precisava se alimentar. A verdade é que Lincon tinha ido buscar a sua cota diária de sangue, mas notou o cenário ao seu lado transformando se alertou. 

Penelope mordeu forte os lábios, até que sangrassem. A atenção de Lincon foi desviada, e ele conseguiu se reconstruir. 

—O que fizeram com você?— Perguntou enquanto desamarrava a mulher, após prender Argo — Esse é o seu trabalho? 

—Sim — Penelope disse envergonhadamente — É o que eu nasci para fazer. 

—Penelope, olha, me desculpa — Falou Lincon, de cabeça baixa —Eu não acreditei em você. Pensei que tudo fosse uma mentira, ou loucura de sua cabeça. Mas eu encontrei o vampiro que me transformou. Ele… me contou tudo. A algumas semanas eu estava a beira da morte, quando fui transformado. Iria morrer em batalha, mas ele resolveu me dar uma chance de viver. E eu vou salvar muitos com essa chance. O nome dele é Laerte, o soldado aposentado que vive no topo das colinas do norte. Nunca imaginaria que ele fosse um monstro… nem que eu fosse virar um. 

—Lincon, tá tudo bem —Penelope disse com um olhar gentil — Não precisa se descullpar.,.. 

—Penelope, espera, não é só isso…— Lincon retrucou, mas falhou. 

Penelope se aproximou do espelho e pegou o papel em seu bolso. 

Encantamento para libertação de objetos ou runas 

Liberte-se agora 

Não chore mais

Brilhe com a aurora

Ou como os grãos de sais

O espelho sumiu em pequenos fragmentos de cristal, e uma mulher surgiu aonde ele estava. Luna era ainda mais bonita pessoalmente que no espelho, e abraçou Penelope. 

—Obrigada, obrigada! E… me desculpa pelo Argo! Ele é uma pessoa boa, eu juro! Tudo que ele fez foi para me proteger. 

Passos fortes marchavam e se aproximavam, e um exército apareceu no local. O guarda puxou o papiro para ler, quando encontrou a dona da loja. 

—Penelope Arqueni, filha de Pérola Arqueni, você está presa pelo uso de magia negra. O condenamento é a morte. 

Penelope olhou assustada para Lincon, que manteve a cabeça baixa. 

—Desculpa…