Se tudo já está traçado e não há um jeito das coisas mudarem, por que devo tentar? Por que devo fazer as coisas de uma forma que não acho justa?
Olhando para Dourado ele parece acreditar que há chances dás coisas serem diferentes do que ele viu, seus olhos parecem carregar uma nota de esperança, mas parece tão pequena que não sei se deve acreditar nele e apenas seguir com os planos, me conhecendo isso parece ser algo impossível. E por que ele acreditaria ou se importaria comigo?
Somos apenas semelhantes que se encontraram apenas por obrigação do destino e se não fosse por isso, provavelmente nunca estaríamos no mesmo espaço um do outro como agora.
Posso imaginar o que me acontecerá se eu falhar e é algo pior do que a morte para os humanos pois depois que seus corpos definham, suas almas vão para outro lugar e dão início a uma nova vida ou um novo aprendizado, ás vezes eles não voltam para seus mundos de origem preferindo ir para o reino astral, realmente não sei dizer o que se passa lá pois o único lugar que já visitei por lá onde minhas sombras tocavam, não era um bom lugar, pois geralmente as piores coisas se escondem na escuridão e isso não é diferente por lá. Não que eu goste disso, mas quem sou eu para mudar algo que não defini?
Se o que estou imaginando for real serei exterminada, meu eu pensante ou consciência se você preferir, tudo que vi, fiz ou vivi seria apagado e com certeza eles dariam um jeito de fazer com que eu nunca mais consiga ter uma existência além da escuridão.
Não sei dizer se essa seria minha morte ou se é algo muito além disso, queria poder dizer que não é esse o caminho que seguirei, mas provavelmente estaria mentindo.
No momento vou fingir que estou arrependida e que farei tudo que me pedem, pois o que restaria para mim nesse universo se eu apenas me ajoelhasse e vivesse do jeito que querem, isso iria diretamente contra as coisas que acredito e que estou aprendendo a ser.
Sei que vou conseguir sair desse buraco e muito mais forte do que eles conhecem, deixarei eles acreditarem que sou fraca e que eles podem fazer o que quiserem comigo, serei leal como um cão.
Se esse é meu destino irei criar outro e esse será um que apenas eu poderei ver e participar. Planos começam a surgir e guardo os mais possíveis de sucesso em um local especial na minha mente, traçando várias rotas e possibilidades, mas por agora tudo ficará guardado e aos poucos deixarei migalhas para não me perder.
Ainda não é o momento de agir, mas logo chegará.
E é com a mente um pouco mais organizada que finalmente volto minha atenção para Dourado, percebo que ele estava me olhando esse tempo todo e por algum motivo ele parece querer rir ou me chacoalhar não decidindo entre divertimento e exasperação, não entendo muito bem o que sua expressão quer dizer, mas acho que devo ter deixado algo transparecer em meu rosto.
E saber que ele pode ter uma ideia do que estava pensando não me assusta, fico um pouco mais animada, ele pode tentar imaginar, mas não tem a mínima ideia do que farei e saber disso me faz sorrir.
Ele me conhece tão pouco.
-Tudo certo? -pergunto ainda sorrindo, ele estreita os olhos para mim, mas consigo ver diversão no canto deles.
Não sei o que ele poderia achar engraçado, quando tudo se parece com uma tragédia preste a acontecer. Imagino que ele deva estar se sentindo igual a mim ou está esperando para ver o que farei a seguir.
Se for pra ser uma tragédia, que seja divertido.
-Você escolheu o caminho mais difícil, não foi? -pergunta sem tirar os olhos de mim, esperando por minha reação.
-Me pareceu a mais adequada para mim, a mais divertida. Tentei argumentar que não tinha necessidade disso tudo, mas ninguém me ouviu, então não há outro caminho para mim.
-Consigo entender você, mas não haverá diversão.
-Isso sou eu quem decide. -falo finalmente tirando meus olhos dele e apenas olhando para o teto de madeira.
Aproveitando os poucos momentos que me resta, pois já consigo sentir o chamado por ajuda chegando e apenas sei que esse realmente será minha provação, minha pele está arrepiada e consigo sentir os pequenos impulsos dentro de mim. Por um segundo fecho meus olhos e me lembro de como ajudar alguém me transformou, guardo esse sentimento em meu escuro coração e fortaleço minhas barreiras para aguentar o que está por vir.
Sua mão ainda está na minha e só agora percebo que esse tempo todo esteve aqui, sinto seu toque quente e no próximo segundo sem aviso tudo fica claro.
E eu só sei que o que está por vir é algo grande, mas nada poderia ter me preparado para o que eu vi ou senti.
E de fato não foi divertido.