Com o passar dos dias, a quantidade de coisas que podíamos fazer dentro da cela diminuiu. Nossas rotinas monótonas ficaram ainda mais restritas e, como se não bastasse, a comida, que já era pouca, começou a rarear de forma alarmante.
Trabalhar no serviço pesado do túnel com o estômago vazio era uma tortura, o tipo de sacrifício que só nos deixava mais debilitados e lentos.
Até o pobre velho Nathan estava começando a sentir os efeitos disso.
Uma vez, enquanto dois guardas passavam pelo corredor, ouvi algo que explicava nossa situação. Um deles mencionou que os selvagens haviam incendiado grande parte das colheitas durante as incursões deste ano.
Isso significava que mesmo dentro da prisão, onde nossas vidas valiam pouco, estávamos sendo afetados pelo caos lá fora. A escassez de comida não era só um problema nosso, mas parecia atingir toda a região.
"Não importa o que aconteça, eles não querem que morramos… ainda," pensei, tentando entender os motivos. Talvez nos mantivessem para ser usados como cobaia de algum cientista maluco, afinal não havia muitas razões para que eles nos mantivessem presos aqui. Eles matam pessoas como eu que são problemáticas e capturam e predem os pacíficos. Porque ? será que tem um numero limitado de pessoas como eu nesse mundo ?. Não sei não importa pelo menos não agora.
—Grrrrrrrr* Meu estômago roncou irritado.
Mas essa "vida" estava ficando dolorosamente insuportável.
Foi então que encontramos uma solução inusitada andando pelos corredores pequenas bolas de pelos com rabos podiam ser vistas sim isso mesmo, ratos!.
Sim, os ratos eram a nossa única esperança de sobrevivência.
— Hoje vamos caçar um !
Disse Nathan, o velho prisioneiro enquanto ajeitávamos a armadilha improvisada.
— Eles são rápidos, mas somos mais espertos.
—Somos é ?
Eu perguntei brincando, o velho ergueu os cantos dos lábios e balançou a cabeça querendo rir mas não disse nada.
A tática era simples, mas exigia paciência. Primeiro, deixávamos a pequena portinhola por onde vinham nossas míseras refeições entreaberta. Com uma pedra, montávamos uma armadilha, amarrando um fio que tínhamos tirado de nossas roupas. Afinal de onde mais poderíamos tirar algo como um fio de cabelo.
Quando o rato passava pela porta, puxávamos a pedra, fechando a passagem e prendendo-o dentro da cela.
— Vamos, vamos, pequeno… Sussurrei, observando a movimentação do rato. — E… peguei!
Assim que a armadilha funcionou, o velho Nathan deu um sorriso satisfeito. Mas nossa tarefa estava longe de acabar. Agora, precisávamos preparar o animal para que se tornasse nossa refeição. Com uma pedra afiada, começamos a tirar a pele do rato. Era um processo desagradável, mas a fome nos tornava insensíveis a isso.
— Não faz essa cara de nojo — disse Nathan enquanto limpávamos a carcaça. — Basta assá-lo bem para que a carne não fique crua. Se fizer direito, até parece com uma galinha.
Eu forcei um sorriso. Talvez ele estivesse certo. Ou talvez a fome estivesse nos tornando lunáticos. Mas, para minha surpresa, preparar o rato era apenas metade do desafio.
Não tínhamos lenha ou qualquer outro material inflamável, então improvisamos, queimando algumas mechas de cabelo e velhas cartas que foram enviadas a Nathan como a maioria delas eram cartas perguntando sobre o tesouro Nathan as estava queimando sem olhar duas vezes.
O cheiro era horrível, invadindo a cela de forma sufocante, não havia problema com os guardas já que a maioria estava dormindo, a única parte ruim era o cheiro .
A chama se erguia lentamente, o suficiente para aquecer o pequeno corpo do rato preso no espeto que havíamos montado.
Nathan entregou-me um espeto com a carne assada, enquanto ele já começava a comer o dele, mastigando com uma calma surpreendente. Olhei para o espeto em minha mão, sentindo uma mistura de repulsa e resignação. Eu pisquei os olhos algumas vezes me imaginando como comer aquilo.
Nunca, em toda a minha vida, imaginei que estaria em uma situação como essa. Anos atrás, se alguém me dissesse que eu comeria um rato assado em uma cela fétida, eu teria rido na cara da pessoa.
— Quem diria… — murmurei, ainda fitando o espeto, incapaz de dar a primeira mordida.
Nathan notou meu desconforto e arqueou uma sobrancelha.
— O que foi? Não gosta de rato?
— Depende — respondi, tentando aliviar a tensão com uma brincadeira. — Vai me dizer que tem gosto de galinha?
O velho sorriu, mas seu olhar se tornou subitamente estoico. Era estranho ver aquela mudança abrupta em sua expressão, como se, por um momento, ele estivesse ponderando sobre algo muito mais profundo.
— Não...
Disse ele, com a voz grave e um tom estoico que me surpreendeu.
— É rato !Tem que ter gosto de rato !.
Por alguma razão, essa simplicidade crua me fez rir. Não consegui me conter. Desviei o olhar para o teto, tentando sufocar a risada, mas quando voltei a encará-lo, Nathan estava com um sorriso malicioso, de orelha a orelha. Isso foi o suficiente para me fazer explodir em gargalhadas.
— Pffft… Hahahahaha! Você… você é impossível! — exclamei, entre risadas.
Nathan também começou a rir, e lá estávamos nós, dois prisioneiros desolados, rindo como tolos no meio da prisão. Claro, mantínhamos nossas risadas abafadas para não atrair a atenção dos guardas, mas por um breve momento, esquecemos onde estávamos. Naquele instante, a cela escura e fria parecia menos sufocante, e o peso de nossas misérias parecia mais leve.
Assim que as risadas diminuíram, olhei novamente para o espeto em minha mão. Nathan já havia devorado o dele, como se fosse um banquete. Suspirei e dei a primeira mordida. O gosto? Bem, era exatamente o que ele havia dito: Era um rato, tem gosto de rato.
****
Naquela manhã, quando chegou minha vez de continuar cavando o túnel, percebi que o velho Nathan havia dado um mal jeito nas costas. Mas é claro que isso não o impediu de tentar me ensinar enquanto eu escavava.
— Vinte e cinco centímetros cúbicos de rocha por dia — começou ele, a voz arrastada e paciente, como se estivéssemos em uma aula.
— Três metros e meio por ano, talvez quatro, se não formos lentos.
Ele calculava com precisão. Mesmo preso, sua mente não estava enferrujada. Cada pedacinho de pedra retirado tinha que ser imperceptível aos guardas. Eram brutamontes, sim, mas não podíamos abusar da sorte.
— Trinta e dois centímetros por mês, oito por semana...
Eu respondi a conta e ele acenou com a cabeça
Ele continuava, os olhos cansados, mas aguçados.
— Agora diga isso em Élfico .
Revirei os olhos. Élfico. Nathan insistia que eu aprendesse aquela língua estranha, cheia de símbolos e sons que mais pareciam rabiscos. Quem, em sua sanidade, criaria algo tão complicado? Mas naquele lugar, tempo era o que não faltava.
— {Só mais três metros...} —, já em élfico,
Enquanto Anor fazia o que fazia de melhor.
Ninguém ao nosso redor entendia aquela língua, e era melhor assim. Os guardas me lançavam olhares estranhos , como se eu fosse um louco.
Mas o que eram mais três anos, perto do tempo em que eu já havia suportado? Cada dia mais me aproximava da liberdade, e a dor das chicotadas de Anor, o carcereiro, já não me incomodava tanto. Meu foco estava em algo maior.
À noite, quando não podíamos cavar por medo de atrair atenção, o que nos restava era ler. Eu aproveitava cada segundo da pouca luz que se infiltrava pelas frestas, sabendo que logo o breu tomaria conta da cela.
— Aproveite enquanto ainda tem luz — murmurou Nathan, antes de deitar no chão duro e frio, usando os trapos da camisa como travesseiro.
Foi então que reparei nas cicatrizes que marcavam seus braços e peito, visíveis na penumbra. Eram cicatrizes de batalha, não de prisão. Uma ideia me ocorreu.
— Você disse uma vez que foi do exército, certo?
Perguntei, tentando não soar curioso demais.
Nathan lançou-me um olhar fatigado, como se já soubesse para onde eu estava indo com aquela pergunta, mas eu ignorei.
— Você entende de armas. Poderia me ensinar a lutar?
Eu sabia brigar , já tinha levado e dado uns bons socos na vida, mas aquilo era diferente. Balançar uma faca em uma briga de bêbados não fazia de mim um guerreiro. E, no fundo, eu sabia que, se um dia saísse daquela prisão, precisaria estar preparado. Mas Nathan hesitou. Seu rosto demonstrava cansaço, como se ensinar-me algo tão simples fosse um fardo.
— Caramba, filho, alguém da minha idade precisa descansar de vez em quando — resmungou ele, com um misto de resignação e desdém.
Mas eu não podia aceitar um "não". O velho estava me enrolando, e ambos sabíamos disso. Então decidi arriscar.
— Ensine-me, ou eu paro de cavar.
O silêncio que se seguiu foi carregado de tensão. Nathan me olhou com uma expressão que dizia claramente: "Você não faria isso, faria?"
Respondi apenas com um olhar decidido. "Faria sim."
Ele suspirou pesadamente, balançando a cabeça, como se estivesse desistindo de argumentar.
— Haaa... esses jovens de hoje — murmurou, exasperado. — Não respeitam mais os velhos.
Apesar de sua resistência, Nathan se levantou lentamente e, com um movimento cansado, se pôs de pé. e olhou em direção a goteira na parede.
***
Naquela manhã, Nathan parecia pensativo. Suas rugas se aprofundavam enquanto ele observava os pingos de água que caíam ritmicamente na cela. Finalmente, ele se levantou com uma expressão resoluta, como se tivesse chegado a uma conclusão improvável.
— Isso é algum tipo de piada?. Perguntei, incrédulo.
Estávamos de frente um para o outro, encarando os pingos d'água que caíam no chão úmido da cela. Eu mal podia acreditar no que estava prestes a fazer. Quando pedi para aprender a lutar, jamais imaginei que acabaríamos aqui, tentando transformar gotas de água em uma lição de combate. Afinal, o que havia naquele lugar que pudesse ser usado como uma verdadeira arma?
— Ouça…
Começou Nathan, com aquele tom grave de sempre
—Você tem força, apesar da desnutrição e dos músculos atrofiados. Mas, garoto, a força sozinha não vence uma luta.
— Então o que vence? — retruquei, frustrado.
— Quem acerta primeiro. Velocidade e precisão. Às vezes, só isso é necessário. Não é a força do golpe que importa, mas sim a rapidez e a exatidão com que ele é desferido. A mão veloz e a mente afiada decidem tudo.
Eu tentei processar suas palavras. Ele estava certo, até certo ponto. Mas como isso me ajudaria a derrubar alguém maior e mais forte?
— Agora
Disse ele, com um leve sorriso de desafio
—Tente passar sua mão entre os pingos de água sem se molhar.
Olhei para ele, perplexo. Isso não podia ser sério. Meus olhos seguiam a sequência constante dos pingos, como se estivessem zombando da minha hesitação.
— Você quer que eu coloque minha mão entre os pingos? — perguntei, descrente.
Nathan assentiu, os olhos brilhando de diversão.
Eu tentei uma, duas, três vezes, mas cada movimento resultava no mesmo fracasso: minhas mãos ficavam molhadas. A cada tentativa frustrada, minha paciência se esvaía.
— Isso é impossível! —
Declarei, com uma careta de derrota.
— São muito rápidos!
Nathan começou a rir. E não era um riso contido. Era um riso genuíno, como se ele estivesse se divertindo às minhas custas.
— Tente assim — disse ele, ainda rindo.
Nathan então juntou o punho direito próximo ao queixo, os olhos fixos na queda d'água. Num movimento rápido, ele passou o punho pelo meu rosto, foi um movimento rápido, que foi e voltou sem se molhar.
Eu pisquei, surpreso. O movimento foi ágil, preciso, mas... depois de algumas vezes vendo aquilo parecia mais um truque que um golpe propriamente .
— Isso é uma piada? — perguntei, incrédulo.
— Não
Ele respondeu, sério por um breve momento, antes de deixar escapar um suspiro cansado.
— Haa... jovens. Vocês têm tanta energia, mas tão pouca paciência. Eu vou voltar a cavar. Divirta-se aí com os pingos.
— O quê?
Antes que eu pudesse protestar, Nathan se afastou em direção ao túnel, deixando-me sozinho, encarando as gotas de água que continuavam a cair, zombando da minha frustração.
E lá estava eu. Sozinho. Desviando de gotas de água e socando o vento. Por alguma razão aquilo parecia vergonhoso.