Eu estava cheio de dúvidas. Quem sou eu? Qual é o meu propósito? Nada fazia sentido. Sentia-me como um livro em branco no meio de uma biblioteca repleta de histórias, mas sem conseguir mudar aquilo.
Mais de dez anos preso aqui, e a loucura parecia cada vez mais próxima. Nunca acreditei que poderia escapar. Na realidade, nem tentei. Mesmo que fugisse, o que faria? Para onde iria? Eu não tinha respostas, apenas um vazio.
Mas tudo mudou no dia em que vi um estranho velho escavando um túnel à minha frente. "Por que diabos eu nunca pensei nisso antes?" A pergunta ecoou na minha mente, trazendo consigo um turbilhão de emoções: raiva, medo e vergonha. Todos esses sentimentos me cercavam naquele momento.
Lá estava ele, cavando a liberdade enquanto eu aceitava a minha própria prisão como inevitável. Mas agora? Não importava mais. O que importava era o presente: eu o estava segurando sobre meus ombros, ajudando-o a alcançar a última parte do túnel. O velho era pesado, ou talvez eu fosse apenas fraco. Não importava. A dor nos meus músculos atrofiados gritava, mas a minha vontade de escapar abafava tudo.
Eu sentia o peso do tempo e da oportunidade perdida, mas estava ali, finalmente agindo. Talvez tarde demais, talvez não. Eu segurava firmemente. Agora, nada me impediria de tentar.
— Háaa... finalmente... Eu não vejo o céu azul há 20 anos...
Senti algo úmido caindo no meu ombro. O velho... ele estava chorando?
Arregalei meus olhos ao olhar para meu ombro. Sim, ele realmente estava. Imaginei como seria passar duas décadas agonizando em uma cela escura, sem ver a luz do sol, apenas para agora vislumbrá-la, fraca, através das grades de um buraco no teto.
— Me deixe descer, me ajude a descer.
Com algum esforço, ajudei-o a descer do meu ombro. O risco de ele cair e se machucar era grande, e, se alguém nos visse, seria o fim. Provavelmente, eu seria morto sem cerimônia. Mas que diferença fazia? Eu não tinha muito pelo que viver, de qualquer forma.
Assim que o velho tocou o chão, ele colocou a mão no meu ombro novamente, seus olhos marejados, como se quisesse me agradecer silenciosamente.
— Obrigado, jovem... obrigado, meu deus, por colocá-lo no meu caminho...
Deus? Ele só podia estar brincando. Se aqueles que vi antes de vir para cá eram deuses, eu nunca agradeceria a nenhum deles. Bom, talvez a culpa de eu estar aqui fosse deles, no fim das contas.
— Deus não existe, velho...
Respondi, sem esconder minha decepção. Nunca acreditei que seres como deuses existissem. Pensava que esses "seres" não eram diferentes de nós, exceto por algo especial que fazia as pessoas terem fé neles, algo que nós não tínhamos. Mas, será que deveríamos mesmo chamá-los de deuses?
O olhar do velho vagou pelas paredes até se fixar em uma inscrição gravada na pedra. Ele apontou.
— É mesmo? Então, por que aquela inscrição na parede?
Segui a direção que ele indicava com o dedo. Era apenas um arranhão antigo, nada de mais. Eu sequer escrevi aquilo. Nada mudaria, mesmo se eu passasse horas observando aquele rabisco. Então, sim, aquilo era apenas...
— Apenas marcas. Não significam nada.
Era o que eu sempre pensei. Desde que cheguei ali, nunca soube o que aquelas marcas significavam. Talvez fossem rabiscos de outros prisioneiros enlouquecidos pelo desespero depois de anos naquela cela. Quem se importava?
— Mesmo? — O velho me olhou de forma inquisitiva. — Então, me diga... o que carrega em seu coração?
— Nada — respondi sem hesitar.
— Nada, mas adoraria ver as pessoas que me colocaram aqui sofrerem. Quero que os responsáveis por me prenderem paguem.
Essa era a verdade. Se, de fato, pessoas como eu eram vistas como problemas, então havia um motivo para me aprisionarem. Eu precisava saber quem havia feito isso e por quê. A raiva e a frustração eram tudo o que me mantinha vivo até aquele momento.
O velho sorriu, seus olhos brilhando de maneira perturbadora.
— Hahaha... talvez o Senhor tenha lhe dado o dom de resistir à morte por tanto tempo... para que sua vingança ou ou o desejo de justiça o sustentasse nesses dez anos...
—???.
Eu apertei minhas têmporas, ainda tentando processar o que estava acontecendo.
Que absurdo. Esse velho era louco? "Senhor"? Que "Senhor"? Onde estava esse tal "Senhor" enquanto eu apodrecia aqui?
Mas, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele já estava se arrastando de volta para o buraco que havia escavado. Tudo o que restava à vista eram suas pernas balançando enquanto desaparecia pela abertura estreita.
Fiquei parado por um momento, com o peito arfando e uma expressão vazia no rosto. Parte de mim queria apenas deixá-lo ir e continuar ali, afundando no mesmo ciclo de escuridão e desespero. Mas outra parte, a que ainda sonhava com esperança, começava a despertar.
Suspirei, vencido pelo impulso. Talvez não houvesse nada além de loucura no que ele dizia, mas o que eu tinha a perder?
Apertei os punhos e o segui pelo túnel. Era hora de descobrir o que realmente me aguardava além dessas paredes.
— E com que fim seu deus faria algo assim? — perguntei, me lembrando do que ele havia falado anteriormente.
— Hehe... para cav... escapar, eu digo.
Nós dois rastejávamos pelo túnel estreito, mas espaçoso o suficiente para que uma pessoa pudesse se virar para os dois lados, se necessário. O túnel havia sido escavado com precisão. A escuridão era sufocante e o ar, denso. Eu não esperava que o velho tivesse construído algo tão extenso. Se minha noção de espaço ainda estivesse intacta, esse túnel devia ter pelo menos algumas dezenas de metros.
Nathanael, como ele se chamava, foi o primeiro a emergir do túnel, levantando-se com alguma dificuldade. Quando saí, olhei em volta e notei que estávamos em uma cela semelhante à minha, mas com algumas diferenças. O teto era mais escuro, as paredes pareciam ainda mais úmidas e, pelo menos ali, havia algo que eu não tinha: uma mesa, uma cadeira e... livros? O lugar também era escuro, iluminado apenas o suficiente pelas velas para evitar que tropeçássemos.
— Venha, deixe-me ajudá-lo. — O velho estendeu a mão, me puxando para fora do túnel.
Eu aceitei o gesto, mais por curiosidade do que por necessidade. Aquela cela era maior, e os poucos objetos que havia ali chamavam minha atenção.
Havia uma cadeira velha e uma mesa de madeira gasta, e sobre a mesa, alguns livros, seus títulos empoeirados e indecifráveis para mim.
Caminhei pelo lugar, estudando cada detalhe — uma pequena goteira no canto, musgo crescendo ao redor. Nada ali sugeria conforto, mas parecia, de certa forma, melhor que minha cela vazia.
Apontei para a cadeira, indicando se poderia me sentar. O velho assentiu. Quando me sentei, um estranho alívio me invadiu. Era a primeira vez em anos que algo diferente acontecia, e, inconscientemente, deixei escapar uma expressão satisfeita.
O velho parecia notar minha expressão, mas não disse nada.
— Você tem um plano para escapar? — perguntei, lembrando nossa conversa anterior.
Nathanael sorriu, seus olhos brilharam por trás das bandagens enquanto ele pegava uma pedra afiada e começava a riscar a parede com precisão.
— Sim, meu jovem. Só há dois caminhos para sair deste lugar. Eu pensei que, cavando em direção à sua cela, poderia alcançar o exterior. Mas, como vimos, acabei apenas chegando até você.
Ele continuava riscando, rabiscando cálculos e símbolos como se elaborasse um grande esquema. Pausou por um momento, contando nos dedos.
— Mas agora que somos dois... — Ele me olhou com um brilho de esperança. — Se cavarmos na direção oposta, talvez, em quatro ou cinco anos, possamos finalmente fugir.
Ele me encarou, esperando que eu comprasse sua ideia. Eu não consegui segurar. Meus ombros subiram e desceram antes que eu soltasse uma gargalhada.
— Pffftttt! Hahahaha! — Não pude evitar. Não era uma risada de zombaria, mas de pura descrença.
— O que foi? Já está pensando em outro plano de fuga? — perguntou o velho, visivelmente confuso.
Minha risada era reflexo do quão absurda aquela ideia soava. Fugir? Daquela ilha, que era praticamente uma fortaleza esculpida em pedra?
— Nathanael... esse plano... — Respirei fundo, tentando me acalmar.
— É impossível!
— Impossível? — Ele levantou uma sobrancelha, mas, em vez de se ofender, sorriu como se já esperasse minha resposta.
— Nesse caso, ofereço algo inestimável em troca de sua ajuda.
Sua postura mudou. O tom brincalhão desapareceu, e o velho à minha frente falava com uma seriedade que eu não esperava de alguém como ele.
— Liberdade? — perguntei. Não havia muitas coisas que eu desejava naquele momento.
— Não... — respondeu ele calmamente, como se a palavra o deixasse entediado.
— Liberdade pode ser tirada de nós a qualquer momento por pessoas cruéis e poderosas, como você já sabe.
Aquilo fazia sentido. Ele continuou, com um leve brilho nos olhos.
— Eu lhe ofereço algo que ninguém poderá tirar de você. — Ele apontou para a própria cabeça.— Conhecimento...
Eu pisquei algumas vezes, confuso.
— Perdão?
— Conhecimento? — repeti, com uma expressão complicada, tentando compreender.
— Sim, o único bem que realmente é seu e apenas seu. Eu passarei a você tudo o que aprendi ao longo da vida.
Seus olhos azuis brilharam com intensidade, e então ele começou a enumerar algumas áreas.
— Matemática, filosofia, ciência, geografia... tudo.
Minha atenção foi atraída de volta para a mesa e os livros sobre ela. Levantei-me, curioso, e abri um dos diários desgastados.
Eu não entendia nada daquilo, mas queria aprender.
— Ler e escrever? — perguntei, com uma ponta de esperança. Não adiantaria aprender ciência, matemática ou filosofia se eu não soubesse sequer ler ou escrever. Era o básico, o fundamento de tudo.
O velho sorriu, satisfeito com minha pergunta, e assentiu lentamente.
— Sim. Eu lhe ensinarei desde o início, jovem. Vamos começar pelo básico.
Fechei o diário, devolvendo-o à mesa com cuidado. Minhas mãos ainda tremiam levemente. Eu conseguiria fugir dali? Que se dane se sim ou não, aquilo era muito melhor do que apodrecer em uma cela.
— Quando começamos? — perguntei, sentindo um sorriso brotar em meu rosto.
O velho Nathanael sorriu de volta com os olhos, satisfeito.