O tempo continuou ao nosso favor, o que significou que as carroças entraram em Torrente no momento em que o sol se punha. Eu estava taciturno e magoado; Arys havia compartilhado a carroça com Jon durante o dia inteiro. E eu, tolo e orgulhoso, mantive a devida distância.
Assim que as carroças pararam, um turbilhão de atividades tomou conta do ambiente. Rumi, sem sequer esperar a parada completa de sua carroça, já estava envolvido em uma acalorada discussão com um homem de barba bem aparada e chapéu de veludo. Após a barganha inicial, uma dúzia de homens se apressou em descarregar tecidos, barris de melado e sacas de café, enquanto Layla, com um olhar severo, supervisionava atentamente cada movimento. Jon corria de um lado para o outro, preocupado em proteger sua bagagem de qualquer dano ou roubo.
Minha própria bagagem era mais fácil de cuidar, já que consistia apenas em um saco de viagem. Resgatei-o de entre algumas peças de tecido e me afastei das carroças, pendurando-o no ombro enquanto procurava por Alys.
Porém, em vez dela, encontrei Layla.
— Você foi uma grande ajuda na estrada — disse ela, sua voz clara e firme. Seu domínio do aturano era impressionante, quase sem nenhum traço de sotaque kiaru. — É bom ter alguém por perto que saiba desatrelar um cavalo sem precisar de orientação — acrescentou, estendendo-me uma moeda.
Peguei-a sem pensar, um reflexo dos meus anos de mendigo, como o instinto de afastar a mão do fogo. Só depois que a moeda estava em minha mão percebi que era um iyane inteiro de cobre, metade do que eu havia pago pela viagem até Torrente. Quando levantei os olhos novamente, Layla já estava de volta às carroças.
Confuso sobre o que pensar, aproximei-me de Derick, que estava sentado à beira de um bebedouro para cavalos. Ele ergueu a mão para proteger os olhos do sol vespertino e me olhou.
— Já vai embora? — perguntou ele. — Quase pensei que passaria mais tempo conosco.
Balancei a cabeça.
— Layla acabou de me dar um iyane.
Ele assentiu, como se já esperasse isso.
— Não estou surpreso. A maioria das pessoas só atrapalha — disse ele, encolhendo os ombros. — E ela gostou da sua música. Já pensou em tentar a sorte como bardo? Dizem que Torrente é um bom lugar para isso.
Tentei mudar o foco da conversa de volta para Layla:
— Não quero que Rumi fique bravo com ela. Ele parece ser sério quanto ao dinheiro.
Derick riu.
— E ela não é?
— Eu entreguei meu dinheiro a Rumi — expliquei. — Se ele quisesse devolver uma parte, teria feito isso pessoalmente.
Derick concordou com a cabeça.
— Não é assim que eles fazem. Homem não dá dinheiro.
— É isso que estou dizendo. Não quero que ela tenha problemas.
Derick abanou as mãos, como se afastasse a preocupação.
— Talvez eu não tenha me explicado bem — disse ele. — Rumi sabe. Pode até ter sido ele quem mandou Layla fazer isso. Mas os homens cealdamos adultos não dão dinheiro. Isso é visto como coisa de mulher. Eles nem sequer fazem compras, se puderem evitar. Você não notou que foi Layla quem negociou nossos quartos e refeições na estalagem?
Quando ele mencionou, lembrei-me disso.
— Mas por quê? — perguntei.
Derick deu de ombros.
— Não há um motivo específico. É só o jeito deles. Por isso muitas caravanas cealdamas são formadas por marido e mulher.
— Derick! — a voz de Rumi soou por trás das carroças.
— O dever me chama — disse ele, levantando-se com um suspiro. — Até mais.
Coloquei o iyane no bolso e refleti sobre o que Derick havia dito. A verdade é que minha trupe nunca havia ido tão ao norte a ponto de alcançar o Chald. Era frustrante pensar que eu não tinha tanta experiência no mundo quanto havia imaginado.
Pendurando o saco de viagem no ombro, dei uma última olhada ao redor, pensando que talvez fosse melhor partir sem despedidas. Não vi Alys em parte alguma. Isso parecia resolver a questão. Virei-me para ir embora...
...E lá estava ela, parada atrás de mim, com um sorriso tímido, as mãos cruzadas nas costas. Ela era como uma flor encantadora, totalmente inconsciente de sua própria beleza. De repente, perdi o fôlego, esquecendo-me de minha irritação e mágoa.
— Você vai mesmo? — perguntou ela.
Confirmei com um aceno de cabeça.
— Poderia ir conosco para Ailen — sugeriu. — Dizem que as ruas de lá são pavimentadas com ouro. Você poderia ensinar Jon a tocar aquele alaúde. — Ela sorriu. — Perguntei a ele, e ele disse que não se importaria.
Por um breve momento, considerei abandonar meus planos, só para ficar um pouco mais com ela. Mas o instante passou, e sacudi a cabeça.
— Não faça essa cara — ela me repreendeu, risonha. — Vou ficar lá por um tempo. Caso as coisas não deem certo para você aqui... — disse, com uma esperança velada.
Eu não sabia o que faria se as coisas não dessem certo ali. Estava depositando todas as minhas esperanças na Academia. Além disso, Ailen ficava a centenas de quilômetros de distância, e eu mal tinha a roupa do corpo. Como poderia encontrá-la?
Alys pareceu ler meus pensamentos em meu rosto e sorriu, travessa:
— Nesse caso, acho que eu mesma terei que ir à sua procura.
Nós, os Therion, somos viajantes. Nossa vida é feita de encontros e despedidas, com breves e luminosos momentos entre um e outro. Por isso, eu sabia a verdade. Sentia-a, pesada e certa, em meu estômago: nunca mais veria Alys.
Antes que eu pudesse dizer algo, ela olhou nervosa para trás.
— Melhor eu ir andando. Procure por mim — disse, abrindo um sorriso travesso antes de se virar e se afastar.
— Procurarei — gritei. — Verei você onde as estradas se cruzam.
Ela olhou para trás mais uma vez, hesitou por um momento, depois acenou e correu em direção ao crepúsculo que anunciava a noite.