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Chapter 42 - XLI. ARQUIVO

Passei a noite dormindo além dos limites de Torrente, em uma cama improvisada de torga macia. Na manhã seguinte, acordei tarde, lavei-me em um riacho próximo e, com o sol alto no céu, tomei meu caminho rumo à Academia.

Enquanto caminhava, meus olhos buscaram no horizonte o maior edifício da Academia. Pelas descrições de Marcy, eu sabia exatamente o que esperar: um prédio rígido, cinzento e quadrado como um bloco imponente. Imenso, maior que quatro celeiros empilhados, sem janelas, sem adornos, apenas uma solene entrada com enormes portas de pedra.

Ali estavam guardados dez vezes dez mil livros.

O Arquivo.

Eu tinha muitos motivos para ir à Academia, mas a essência de todos eles se resumia a isso: o Arquivo. Ele guardava respostas, e eu tinha muitas perguntas. Primeiramente, queria descobrir a verdade sobre o Sombraim e os Mayr. Precisava saber quanto da história de Cherryl era real.

A estrada cruzava o rio Methi através de uma velha ponte de pedra. Você conhece o tipo; uma dessas obras de arquitetura antigas e gigantescas, espalhadas por todo o mundo, tão vetustas e solidamente construídas que se tornam parte da paisagem, e ninguém se questiona sobre quem as ergueu ou por quê.

Essa ponte, em particular, era impressionante, estendendo-se por mais de 60 metros e larga o suficiente para que duas carroças passassem lado a lado, suspensa sobre o abismo cavado pela força incessante do Methi. No ponto mais alto, avistei pela primeira vez o Arquivo, erguendo-se como um sinal do viajante sobre as árvores a oeste.

A Academia estava no coração de uma cidadezinha que, verdade seja dita, reluto em chamar de cidade. Diferente de Notrean, com suas vielas tortuosas e cheiro de lixo, este lugar mais parecia um vilarejo, com ruas largas e ar puro. Gramados e jardins preenchiam os espaços entre as pequenas casas e comércios.

Contudo, esse vilarejo havia crescido para atender às necessidades peculiares da Academia, e um observador atento perceberia as sutis diferenças nos serviços oferecidos. Havia dois vidreiros, três boticários com estoques completos, duas oficinas de encadernação, quatro livrarias, dois bordéis e um número surpreendente de tabernas. Uma delas exibia na porta uma grande tabuleta de madeira que dizia: PROIBIDO FAZER SIMPATIAS! Imaginei o que os visitantes não arcanistas pensariam desse aviso.

A Academia, propriamente dita, era composta por cerca de quinze prédios, todos muito diferentes entre si: O Cercado tinha um eixo central circular com oito alas irradiando-se em todas as direções, parecendo uma rosa-dos-ventos. A Conclave era simples e quadrada, com vitrais que mostravam Preccam em uma pose clássica: de pé e descalço, na entrada de sua caverna, falando a um grupo de estudantes. O Magno, o mais singular de todos, ocupava quase um acre e meio e parecia uma colcha de retalhos, montado a partir de várias construções menores e desconexas.

Quando me aproximei do Arquivo, sua superfície cinza e sem janelas parecia um imenso monólito. Era difícil acreditar, após tantos anos de espera, que finalmente eu estava ali. Contornei-o até encontrar a entrada; um par de portas de pedra, imponentes e escancaradas. Acima delas, estavam entalhadas na pedra as palavras "Vanfelar Roenta Murial". Não reconheci a língua. Não era kiaru... talvez yliche ou tumânico. Era mais uma pergunta que eu precisava responder.

Ao atravessar as portas de pedra, encontrei uma pequena antecâmara com outro par de portas, agora de madeira. Abri-as, sentindo o ar frio e seco que vinha de dentro. As paredes de pedra cinzenta eram iluminadas pela luz suave e avermelhada dos candeeiros de simpatia. Havia uma grande escrivaninha de madeira, sobre a qual repousavam vários livros grandes, semelhantes a registros contábeis. Atrás dela, um jovem, que parecia um cealdamo puro, com tez rosada, olhos e cabelos escuros, me olhou com curiosidade.

— Posso ajudá-lo? — perguntou ele, com a pronúncia rude e gutural do sotaque kiaru.

— Estou aqui por causa do Arquivo — respondi, sentindo o coração acelerar. Borboletas agitavam-se em meu estômago, e as palmas das minhas mãos estavam suadas.

Ele me examinou, intrigado com minha idade.

— Você é estudante?

— Em breve — disse, tentando soar confiante. — Ainda não passei pelo exame de admissão.

— Terá que fazer isso primeiro — ele falou, num tom sério. — Não posso deixar ninguém entrar, a menos que esteja no livro. — Apontou para os registros sobre a escrivaninha à sua frente.

As borboletas morreram dentro de mim. Não escondi minha decepção.

— Tem certeza de que não posso dar só uma olhadinha? Fiz uma longa jornada para chegar aqui...

Olhei para as duas portas que saíam da antecâmara, uma com a tabuleta TOMOS e a outra marcada como ACERVO. Atrás da escrivaninha, uma porta menor exibia a placa SOMENTE ESCRIBAS.

A expressão dele suavizou-se um pouco.

— Não posso. Haveria problemas. — Ele me examinou novamente. — Você vai mesmo submeter-se ao exame de admissão? — perguntou, o ceticismo claro, mesmo com seu forte sotaque.

Assenti com a cabeça.

— Só vim aqui primeiro — expliquei, os olhos correndo pela sala vazia, espiando as portas fechadas, tentando pensar em alguma forma de convencê-lo a me deixar entrar.

Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ele falou:

— Se realmente pretende fazer isso, deve se apressar. Hoje é o último dia. Às vezes, eles não passam muito do meio-dia.

Meu coração disparou. Eu havia presumido que as admissões ocorreriam durante todo o dia.

— Onde eles estão?

— Na Conclave — respondeu o rapaz, apontando para a porta externa. — Em frente, depois à esquerda. Um prédio baixo com... janelas coloridas. Duas grandes... árvores em frente. — Fez uma pausa, pensativo. — Bordo? É essa a palavra para árvore?

Confirmei com a cabeça, agradeci rapidamente e saí.

Pouco depois, já estava correndo pelas ruas.