Os dormitórios dos estudantes não pertencentes ao Arcano se localizavam no quarto andar da ala leste do Cercado; eram os mais distantes das instalações de banho no térreo. As acomodações, como Leif descrevera, eram simples e sem luxo, mas a cama estreita estava coberta com lençóis limpos, e um baú com tranca me aguardava para guardar minhas poucas posses.
Todos os beliches inferiores já haviam sido tomados, então escolhi o superior no canto mais afastado do quarto. Ao olhar pela janela estreita, do alto do meu beliche, fui tomado por uma súbita lembrança dos telhados de Notrean, onde eu costumava me esconder. A semelhança, de maneira inesperada, trouxe-me um estranho consolo.
O almoço consistia em uma tigela fumegante de sopa de batata, finas fatias de toucinho gorduroso e pão integral fresco. As grandes mesas de madeira no refeitório estavam ocupadas por cerca de duzentos alunos, preenchendo o espaço com o baixo murmúrio das conversas, entrecortado por risadas e o som metálico de colheres e garfos raspando bandejas de latão.
Leif me guiou até um canto no final do longo refeitório, onde dois estudantes levantaram os olhos à nossa aproximação.
— Este é Vanitas, o mais novo calouro chorão do primeiro período — anunciou Leif, pousando sua bandeja na mesa enquanto apontava para mim. — Vanitas, estes são os piores alunos que o Arcano tem a oferecer: Monet e Alastor.
— Já o conheci — disse Alastor, o cealdamo de cabelos pretos que eu havia encontrado no Arquivo. — Então você realmente foi ao exame de admissão! — continuou, surpreso. — Achei que estava só me enrolando com uma conversa fiada. — Estendeu a mão para mim. — Seja bem-vindo.
— Ora, por Ardonai — murmurou Monet, me olhando de cima a baixo. Ele tinha pelo menos cinquenta anos, cabelos desgrenhados e uma barba grisalha. Sua aparência era desleixada, como se tivesse acabado de acordar. — Será que estou tão velho quanto me sinto, ou ele é tão jovem quanto parece?
— Ambas as coisas — respondeu Leif com um sorriso, enquanto se sentava. — Vanitas, Monet aqui está no Arcano há mais tempo do que todos nós juntos.
Monet bufou:
— Dê-me algum crédito. Estou no Arcano há mais tempo do que qualquer um de vocês tem de vida.
— E ainda é um mero A'lun — comentou Alastor, com seu sotaque kiaru, difícil de decifrar se estava sendo sarcástico ou não.
— Viva a condição de A'lun! — retrucou Monet, com ar sério. — Vocês, jovens, vão se arrepender de subir na hierarquia. Confiem em mim. Tudo o que ganham são mais preocupações e taxas escolares exorbitantes.
— Queremos nossos guilderes — disse Leif. — De preferência, um pouco antes de morrer.
— O guildre também é superestimado — retrucou Monet, cortando um pedaço de pão e mergulhando-o na sopa.
A conversa era descontraída, e percebi que aquele era um diálogo familiar entre eles.
— Como você se saiu? — Leif perguntou a Alastor, curioso.
— Sete e oito — resmungou Alastor.
Leif parecia surpreso.
— Mas o que aconteceu, pelo amor de Ardonai? Você socou a cara de um deles?
— Me enrolei com as cifras — respondeu Alastor, irritado. — E o Loran me perguntou sobre a influência da subenfiteuse na moeda de Serenia. O Kelvin teve que traduzir. Mesmo assim, não consegui responder.
— Minha alma chora por você — retrucou Leif, descontraído. — Você me superou nos dois últimos períodos, era inevitável que eu tivesse uma chance eventualmente. Consegui cinco crimos exatos neste período — acrescentou, estendendo a mão. — Pague.
Alastor enfiou a mão no bolso e entregou-lhe um iyane de cobre.
Virei-me para Monet e perguntei:
— Você não entrou na aposta?
O homem de cabelos revoltos deu uma risada e balançou a cabeça.
— Seria desvantagem para quem apostasse contra mim — respondeu, com a boca meio cheia.
— Diga lá — perguntou Leif, suspirando. — Quanto foi este período?
— Um e seis — disse Monet, com um sorriso lupino.
Antes que alguém me perguntasse sobre a minha taxa escolar, decidi intervir.
— Ouvi dizer que chegaram a cobrar trinta crimos de alguém. As taxas são sempre tão altas?
— Não se você tiver o bom senso de permanecer nos níveis inferiores — resmungou Monet.
— Só para os nobres — disse Alastor. — Aqueles serenianos arrogantes que vêm estudar aqui. Acho que as taxas altas são só para eles terem algo do que reclamar.
— Não me incomodo — disse Monet. — Que tirem o dinheiro deles. E mantenham minha taxa baixa.
Fiquei surpreso quando uma bandeja foi colocada com força do outro lado da mesa.
— Presumo que estejam falando de mim.
O dono da bandeja era um rapaz bonito, de olhos azuis, com uma barba bem aparada e as altas maçãs do rosto dos serenianos. Suas roupas eram de cores ricas, mas discretas. Na cintura, ele carregava uma faca com cabo ornamentado, a primeira arma que vi alguém portar na Academia.
— Balken? — disse Leif, perplexo. — O que faz aqui?
— Pergunto-me o mesmo — respondeu Balken, olhando para o banco. — Não há uma cadeira decente neste lugar? — comentou, enquanto se sentava com uma combinação de graça e dignidade. — Excelente. Logo estarei comendo em um tabuleiro e jogando ossos para os cães por sobre os ombros.
— A etiqueta manda que seja sobre o ombro esquerdo, Alteza — disse Monet, sorrindo com a boca cheia de pão.
Os olhos de Balken brilharam de raiva, mas antes que ele pudesse responder, Leif interveio:
— O que aconteceu?
— Minha taxa do bimestre custou 68 strahlauns — respondeu ele, indignado.
Leif franziu o cenho:
— Isso é muito?
— Sim. É muito — disse Balken, sarcasticamente. — E sem razão alguma. Respondi todas as perguntas. Isso é pura implicância. O Mondrag não gosta de mim. Nem o Hilme. Além disso, todos sabem que eles extorquem os nobres, cobrando o dobro do que cobram de vocês.
— E Leif? — apontou Monet, com a colher. — Ele parece lidar muito bem com isso.
Balken bufou:
— O pai de Leif é um duque de papel que se curva perante um rei de lata em Aturia. As linhagens dos estábulos do meu pai são mais antigas do que metade da nobreza aturense.
Leif ficou tenso, mas manteve os olhos no prato. Alastor encarou Balken com uma expressão endurecida, mas antes que pudesse falar, Balken suspirou e esfregou o rosto.
— Desculpe-me. Leif, minha casa e meu nome estão ao seu dispor. É só que... as coisas deveriam melhorar neste bimestre, mas só pioraram. Minha mesada não cobrirá nem a taxa escolar, e ninguém mais quer me dar crédito. Você sabe como isso é humilhante? Tive que abrir mão das minhas acomodações na Pônei Dourado. Estou no terceiro andar do Cercado, quase tive que dividir um quarto. O que meu pai diria se soubesse disso?
Leif deu de ombros, indicando que não se ofendera.
— Talvez as coisas corressem melhor se você não entrasse lá parecendo um pavão — comentou Monet. — Deixe as sedas em casa quando for aos exames.
— Ah, é assim? — disse Balken, inflamado de raiva. — Devo me rebaixar? Esfregar cinzas no cabelo? Rasgar minhas roupas? — A raiva acentuava seu sotaque. — Não. Não preciso me curvar diante deles.
Um silêncio incômodo caiu sobre a mesa. Notei que vários estudantes ao redor nos observavam.
— Halta tiame — continuou Balken. — Não há nada que eu não deteste neste lugar. O clima de vocês é selvagem e incivilizado. Sua religião é bárbara e pudica. Suas prostitutas são ignorantes e descorteses. Sua língua não tem a sutileza necessária para expressar quão deplorável é este lugar...
Conforme falava, sua voz foi baixando, até parecer que Balken conversava consigo mesmo.
— Meu sangue remonta a cinquenta gerações, mais antigo que qualquer árvore ou pedra. E agora estou reduzido a isso — disse ele, olhando para a bandeja. — Pão de cevada. Por todos os deuses, o homem foi feito para comer trigo!
Enquanto ele falava, dei uma mordida no pão fresco e escuro. Tinha um sabor maravilhoso.
— O que eu estava pensando? — exclamou Balken de repente, levantando-se. — Não posso lidar com isso. — E saiu rapidamente, abandonando o pão intocado na mesa.
— Este é o Balken — disse Monet, com um ar descontraído, quase despreocupado. — Ele é um bom sujeito, mas é raro vê-lo tão bêbado assim.
— Ele é sereniano? — perguntei.
Leif riu suavemente, como quem ouve uma piada já conhecida.
— Não há ninguém mais sereniano que Balken.
— Não deveria provocá-lo assim — comentou Alastor, dirigindo-se a Monet com um sotaque ríspido que tornava difícil discernir se estava repreendendo o colega mais velho ou apenas expressando uma advertência. No entanto, o semblante de Alastor, de tez morena e cealdama, mostrava claramente uma censura silenciosa. Como estrangeiro, reconheci em Alastor uma solidariedade compartilhada com Balken, pela luta para se adaptar à língua e à cultura da República.
— Ele tem enfrentado tempos difíceis — admitiu Leif, com um suspiro. — Lembra-se quando teve que dispensar o criado? — perguntou, voltando-se para Monet.
Monet, ainda mastigando, fez um gesto exagerado, como se tocasse um violino imaginário, e revirou os olhos, demonstrando uma completa indiferença.
— Desta vez, ele teve que vender os anéis — acrescentei, suavemente.
Alastor, Leif e Monet voltaram-se para mim, curiosos, como se esperassem por mais.
— Havia linhas brancas nos dedos dele — expliquei, levantando minha mão para ilustrar.
Monet me olhou com atenção, uma nova luz em seus olhos.
— Ora, ora! Parece que o nosso novo colega é cheio de sagacidade — comentou com um sorriso astuto, antes de se virar para Alastor e Leif. — Rapazes, sinto que é o momento certo para uma aposta. Aposto dois iyanes que o jovem Vanitas entra no Arcano antes de terminar o terceiro período.
— Três períodos? — repeti, surpreso. — Disseram-me que eu só precisava provar que dominava os princípios básicos da simpatia.
Monet me deu um sorriso que parecia carregar toda a experiência do mundo.
— Eles dizem isso a todos. "Princípios da Simpatia" é apenas uma das muitas disciplinas que terá de conquistar antes de ser elevado do status de A'lun. — Virou-se para Alastor e Leif, com um olhar expectante. — E então? Dois iyanes?
— Estou dentro — disse Alastor, encolhendo os ombros em minha direção, com um olhar que parecia pedir desculpas. — Nada pessoal. Eu gosto de correr riscos.
— E o que você pretende estudar? — perguntou Monet, depois que os dois apertaram as mãos selando a aposta.
A pergunta me pegou de surpresa.
— Tudo, acho eu.
— Você me lembra de mim mesmo há trinta anos — disse Monet, soltando uma risadinha. — Mas por onde vai começar?
— Pelo Sombraim — respondi, determinado. — Quero aprender tudo o que puder sobre eles.
Monet franziu a testa, mas logo explodiu em gargalhadas.
— Ah, isso é perfeito, de fato. Leif, aqui, estuda sobre fadas e fradinhos-da-mão-furada. Alastor, ali, acredita em toda sorte de bobagens, como espíritos celestiais cealdamos e coisas do gênero — disse, estufando o peito de maneira quase teatral. — Quanto a mim, sou aficionado por diabretes e criaturas trapaceiras.
Senti meu rosto corar de vergonha.
— Pelo corpo de Deus, Monet! — interrompeu Leif, indignado. — O que deu em você?
— Acabei de apostar dois iyanes num garoto que quer estudar histórias de ninar — resmungou Monet, apontando para mim com o garfo.
— Ele quis dizer folclore, coisas desse tipo — corrigiu Alastor, voltando-se para mim. — Você pretende trabalhar no Arquivo?
— O folclore faz parte disso — repliquei rapidamente, tentando manter as aparências. — Quero ver se as histórias populares das diferentes culturas confirmam a teoria de Preccam sobre a septagia narrativa.
Leif voltou-se novamente para Monet.
— Viu? Por que está tão irritado hoje? Quando foi a última vez que dormiu?
— Não me fale nesse tom — resmungou Monet. — Dormi algumas horas na noite passada.
— E que noite foi essa? — insistiu Leif.
Monet pensou por um momento, olhando para sua bandeja.
— Foi na noite do dia-da-pera?
Alastor balançou a cabeça, murmurando algo em kiaru.
Leif fez uma expressão horrorizada.
— Monet, ontem foi dia-da-sega. Você não dorme há dois dias?
— É possível que não — admitiu Monet, com incerteza. — Sempre perco a noção do tempo durante as provas. Não há aulas, e isso bagunça meu calendário. Além disso, fiquei preso em um projeto na Ficiaria. — Ele esfregou o rosto com as mãos, depois olhou para mim. — Eles têm razão. Minha cabeça anda um pouco confusa. A septagia de Preccam, o folclore e tudo mais... é um campo de estudo fascinante, embora um tanto livresco. Não quis ofendê-lo.
— Não estou ofendido — respondi com tranquilidade, e apontei para a bandeja de Balken. — Empurre isso para cá, sim? Se o nosso jovem nobre não pretende voltar, vou comer o pão dele.