Marceline, a primeira arcanista que cruzou meu caminho, era uma figura peculiar e fascinante para um jovem como eu. Ela dominava todas as disciplinas: herbologia, astrologia, psicologia, anatomia, alquimia, geologia, química...
Tinha um corpo esbelto e notável que destoava de sua idade, e seus olhos cintilavam enquanto se moviam rapidamente de uma coisa para outra. Seus cabelos cinza-escuros fluíam pela parte de trás da cabeça, mas ― e este é o detalhe que mais me recordo dela ― não tinha sobrancelhas.
Ou melhor, tinha, mas estavam sempre em constante estado de renovação devido às frequentes queimaduras ocorridas durante suas experimentações alquímicas. Essa peculiaridade conferia-lhe uma expressão simultaneamente surpresa e inquisitiva.
Sua voz tinha um tom suave, frequentemente acompanhado de risadas, e ela jamais usava sua sabedoria para menosprezar os outros. Podia soltar palavrões como um marinheiro embriagado, mas apenas aos seus burrinhos, chamados Alfa e Beta. Marcy os presenteava com cenouras e torrões de açúcar quando acreditava que ninguém estava observando. A química era sua grande paixão, e meu pai afirmava que nunca havia conhecido alguém tão hábil no manejo de um alambique.
No segundo dia na trupe, eu já estava transformando em hábito andar em sua carroça. Fazia perguntas e Marcy respondia. Depois ela me pedia canções e eu as dedilhava num alaúde que pegara emprestado na carroça de meu pai.
De tempos em tempos, ela até mesmo se aventurava a cantar. Possuía uma voz clara e descontraída, um tenor que frequentemente saía do tom, buscando notas em lugares inusitados. Não hesitava em parar e rir de si mesma quando isso acontecia. Marcy era uma pessoa incrível, completamente desprovida de arrogância.
Pouco tempo depois de Marceline se juntar à nossa trupe, perguntei a ela como era ser uma arcanista. Ela me encarou, pensativa:
― Você já teve algum contato com arcanistas antes?
― Uma vez. Contratamos um na estrada para consertar um eixo rachado ― respondi. Parei para refletir e acrescentei: ― Ele estava a caminho do interior, em uma caravana de pescadores.
Marcy fez um gesto de desprezo.
― Não, não, jovem. Estou falando de arcanistas. Não de um mero mago que atrai o frio e vagueia pelas rotas das caravanas tentando evitar que a carne fresca apodreça.
― Qual é a diferença? ― perguntei, percebendo que ela esperava essa pergunta de mim.
― Bem, talvez seja necessário um pouco de explicação...
― E tempo é algo que eu tenho de sobra.
Marceline me avaliou com um olhar. Era um olhar que dizia: "Sua expressão não condiz com sua juventude." Torci para que ela não prolongasse esse assunto. É cansativo quando as pessoas nos tratam como crianças, mesmo quando, por acaso, somos.
Ela suspirou.
― O simples fato de alguém conhecer um ou dois truques não o torna um arcanista. Pode saber realocar um osso deslocado ou ler cânico antigo. Talvez até conheça algumas simpatias. Mas...
― Simpatias? ― interrompi, tão educadamente quanto possível.
― Provavelmente você chamaria isso de magia ― respondeu Marcy, com relutância. ― Mas, na verdade, não é. ― Deu de ombros. ― No entanto, mesmo saber praticar simpatias não faz de alguém um arcanista. O verdadeiro arcanista é aquele que concluiu seus estudos no Arcano, na Academia.
A menção ao Arcano fez uma série de novas perguntas brotarem em minha mente. Talvez não tantas, talvez você pense, mas somando-as às outras perguntas que carregava, por pouco não explodi. Apenas com uma enorme força de vontade consegui ficar em silêncio, esperando que Marcy continuasse por conta própria.
Ela percebeu minha reação.
― Parece que você já ouviu falar no Arcano, não é? ― disse, com um olhar que me pareceu divertido. ― Então, me conte o que ouviu.
Esse pequeno estímulo era a desculpa de que eu precisava.
― Ouvi um garoto no Vale do Tempero dizer que, se o braço de alguém for arrancado, eles sabem costurá-lo de volta na Academia. É verdade? Algumas histórias dizem que o Grande Valoran foi para lá para aprender os nomes de todas as coisas. Eles têm uma biblioteca com mil livros. São realmente tantos?
Ela respondeu à última pergunta, pois as outras passaram rápido demais para serem respondidas:
― São mais de mil. Na verdade, dez vezes dez mil. Mais do que isso. Mais livros do que você jamais conseguiria ler. ― A voz de Marceline adquiriu um tom vagamente saudosista.
Mais livros do que eu poderia ler? Por algum motivo, eu duvidava disso.
Marcy continuou:
― As pessoas que você vê viajando com as caravanas, esses feiticeiros que impedem a comida de estragar, rabdomantes, adivinhos, charlatães, eles são tão pouco arcanistas quanto todos os artistas itinerantes são Therion. Podem conhecer um pouco de alquimia, de simpatia, de medicina. Mas não são arcanistas ― completou, abanando a cabeça. ― Muitos fingem ser. Usam mantos e se dão ares de grandeza para se aproveitar dos ignorantes e dos crédulos, mas há apenas um modo de você reconhecer um verdadeiro arcanista.
Marcy tirou uma corrente fina pela cabeça e me entregou. Foi a primeira vez que vi um guildre do Arcano. Não parecia muito impressionante: apenas um pedaço achatado de chumbo em que estava gravada uma inscrição desconhecida.
― Esse é um gilthe de verdade. Ou guildre, se você preferir ― explicou Marcy com certa satisfação. ― É a única maneira segura de se ter certeza de quem é e de quem não é arcanista. Seu pai pediu para ver o meu antes de me deixar integrar sua trupe. Isso mostra que ele é um homem inteligente ― disse. Observou-me com falso desinteresse e indagou: ― Incomoda, não é?
Trinquei os dentes e fiz que sim. Minha mão ficara dormente no instante em que eu o tocara. Estava curioso para estudar as inscrições na frente e no verso, mas, no intervalo de tempo de duas respirações, meu braço ficara dormente até o ombro, como se eu tivesse dormido em cima dele a noite inteira. Perguntei-me se meu corpo todo ficaria dormente caso o segurasse por tempo suficiente.
Não pude descobrir, porque a carroça deu um solavanco e minha mão dormente quase deixou o guildre de Marcy cair nas tábuas do piso. Ela o segurou e o repôs no pescoço, rindo.
― Como você aguenta? ― perguntei, tentando friccionar a mão para recuperar um pouco da sensação.
― Ele só provoca essa sensação em outras pessoas ― explicou-me. ― Para o dono, é apenas quentinho. É assim que se descobre a diferença entre um arcanista e alguém com o dom de encontrar água ou prever o tempo.
― O Stap tem um dom parecido ― disse eu. ― Ele rola dados e acerta o sete.
― Isso é meio diferente ― riu Marcy. ― Não é nada tão inexplicável quanto um dom. ― Afundou um pouco mais na cadeira e continuou: ― É provável que seja melhor assim. Duzentos anos atrás, a pessoa estava praticamente morta se alguém descobrisse que ela possuía dons. Os ardons os chamavam de sinais do demônio e queimavam na fogueira quem os possuísse.
O humor de Marcy pareceu abater-se.
― Tivemos que tirar o Stap da cadeia uma ou duas vezes ― contei, procurando tornar mais leve o tom da conversa. ― Mas ninguém tentou realmente pôr fogo nele.
Marcy deu um sorriso cansado.
― Desconfio que o Stap tenha um par de dados viciados ou uma habilidade igualmente engenhosa, que provavelmente também se estende às cartas. Agradeço o seu aviso oportuno, mas um dom é algo totalmente diferente. Não suporto ser tratada com condescendência.
― O Stap seria incapaz de trapacear, nem se fosse para salvar sua vida ― retruquei, num tom um pouco mais ríspido do que pretendia. — E qualquer pessoa da trupe é capaz de distinguir um dado bom de um viciado. O Stap joga e dá sete. Não importa de quem sejam os dados que usa, ele tira sete. Quando aposta numa pessoa, ela acerta o sete. Até quando ele esbarra numa mesa em que há dados soltos, sete.
― Hmmm ― resmungou Marceline, com uma expressão pensativa. ― Mil desculpas. Isso parece mesmo um dom. Estou curiosa para vê-lo.
Concordei.
― Leve os seus próprios dados. Faz anos que não o deixamos jogar ― disse. Ocorreu-me uma ideia: ― Pode ser que não funcione mais.
Marcy deu de ombros.
― Os dons não desaparecem com toda essa facilidade. Quando eu era garota, em Rochet, conheci um rapaz que tinha um dom. Era incomumente bom com as plantas ― disse. Seu sorriso desapareceu enquanto ela contemplava alguma coisa que eu não podia ver. ― Os tomates dele ficavam maduros quando as mudas de todo mundo ainda estavam brotando. Suas abóboras eram maiores e mais doces, as uvas mal tinham que ser engarrafadas para se transformar em vinho... ― E sua voz se extinguiu, o olhar perdido na distância.
― Ele foi queimado? ― perguntei, com a curiosidade mórbida dos jovens.
― O quê? Não, é claro que não. Não sou tão velha assim ― disse, franzindo o sobrolho para mim, com falso ar de severidade. ― Houve uma seca e ele foi expulso da cidade. Sua pobre mãe ficou arrasada.
Fez-se um momento de silêncio. Duas carroças à nossa frente, ouvi Netero e Shae ensaiarem as falas de O cabalista e o rouxinol.
Marcy também parecia estar escutando, com um ar despreocupado. Quando Netero se perdeu a meio caminho do monólogo de Finn no jardim, virei-me para a arcanista.
― Também ensinam arte dramática ou música na Academia?
Marceline balançou a cabeça, parecendo se divertir com a questão.
― Ensinam muitas coisas lá, mas não isso.
Olhei para ela e vi que me observava. Seus olhos dançavam.
― Você pode me ensinar algumas dessas coisas? ― pedi.
Ela sorriu, e foi simples assim.