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Chapter 27 - Capítulo 25: A Loba e os Corvos

Parte Única

A luz das velas tremeluzia suavemente, lançando sombras dançantes nas paredes da ampla sala onde a marquesa estava sentada em uma poltrona de veludo profundo. Seus trajes habituais de autoridade foram substituídos por algo mais simples, embora ainda elegantemente refinado, refletindo um raro momento de descanso.

Liam, então muito mais jovem, estava deitado no colo da marquesa, seus cabelos castanhos claro espalhados sobre o tecido escuro de seu vestido. Seus olhos, sempre tão curiosos e brilhantes, estavam agora semicerrados, a exaustão do dia começando a dominar suas pequenas pálpebras. Mesmo assim, ele parecia lutar contra o sono, determinado a aproveitar cada segundo da companhia da marquesa.

Ela observava o jovem, uma leve curva de sorriso nos lábios, enquanto seus dedos deslizam pelos cabelos dele, num movimento suave e ritmado. Havia algo de tranquilizador naquele gesto, algo que trazia conforto tanto a ela quanto a ele. O silêncio entre os dois era preenchido apenas pelo crepitar distante do fogo na lareira, criando um ambiente de paz e segurança.

Depois de um momento, a marquesa inclinou-se um pouco mais, sua voz baixa e suave quebrando o silêncio de forma quase imperceptível. "Liam." ela chamou gentilmente, sua voz cheia de ternura que poucos tinham o privilégio de ouvir.

"Você quer ouvir uma história antes de dormir?"

Liam abriu os olhos lentamente, como se o próprio som da voz dela fosse suficiente para afastar temporariamente o sono. Ele olhou para cima, encontrando o olhar da marquesa, e deu um pequeno sorriso sonolento.

"Sim, mãe." ele respondeu com uma voz sonhadora e suave.

"Me conta aquela história de novo!"

A marquesa assentiu, satisfeita com a resposta, e ajustou Liam em seu colo, certificando-se de que ele estivesse confortável. Ela olhou para as sombras que dançavam nas paredes, como se buscasse nas memórias as palavras certas, a forma perfeita para contar.

"Era uma vez..." ela começou, sua voz adotando um tom quase hipnótico.

"Uma enorme floresta, e lá existia uma alcateia..." a marquesa continuou, sua voz adotando um tom mais suave, enquanto seus dedos continuavam a deslizar pelos cabelos de Liam.

"E nessa alcateia havia uma lobinha, pequena e curiosa, que sempre buscava aventuras e mistérios na imensidão da floresta. Mas, em uma noite chuvosa, por mais que tentasse, a pequena lobinha não conseguia dormir."

***

A lobinha, próxima a fogueira, olhava para o céu escuro e tempestuoso, mas algo chamava sua atenção mais do que a chuva e o vento: a lua. Mesmo encoberta pelas nuvens pesadas, a lua cheia parecia brilhar com uma luz própria, atraindo o olhar da pequena lobinha com uma força quase hipnótica. Ela se sentou, suas patas molhadas afundando suavemente na lama, e ficou ali, admirando o brilho prateado que surgia entre as nuvens.

A chuva continuava a cair, pesada e persistente, mas a lobinha mal notava. Seus olhos estavam fixos na lua, e ela sentia um desejo crescente, uma curiosidade incontrolável que a impulsionava a explorar o desconhecido. "Por que a lua brilha tão forte?" ela sussurrou para si mesma, os olhos grandes e atentos.

"O que será que existe depois dela? Talvez… talvez do outro lado da floresta possa ter alguém que saiba."

Mas antes que a lobinha pudesse tomar qualquer decisão, uma figura imponente emergiu das sombras da floresta, movendo-se silenciosamente pelo terreno enlameado. Era sua mãe, uma loba majestosa com pelos claros e olhos penetrantes, que carregavam a sabedoria de muitas luas. Ela se aproximou da lobinha com um olhar firme, mas cheio de carinho.

"O que está fazendo aqui fora, minha pequena?" a mãe perguntou, sua voz suave, mas carregada de preocupação. Ela se abaixou até a altura da lobinha, seus olhos fixando-se nos da filha.

A lobinha hesitou por um momento, mas logo respondeu, a excitação transparecendo em sua voz. "Eu estava olhando para a lua, mamãe. É tão bonita… E eu estava pensando… e se eu fosse até o outro lado da floresta? Talvez lá eu possa descobrir se tem algo atrás dela, e como eu chego lá!"

A mãe lobo inclinou a cabeça, seus olhos endurecendo levemente ao ouvir as palavras da filha. Ela respirou fundo, deixando a chuva escorrer pelos pelos e pingar suavemente no chão. "Minha querida..." ela começou, com a paciência de alguém que já enfrentou muitas noites difíceis.

"O outro lado da floresta não é um lugar para nós. Lá, há perigos que nem mesmo os lobos mais fortes conseguem enfrentar. E a luz da lua, por mais bela que seja, não vale o risco de atravessar para aquele lado."

A lobinha franziu o cenho, seu espírito jovem e curioso recusando-se a aceitar a explicação sem resistência. "Mas, mamãe, eu sou forte! E se eu for cuidadosa? Talvez eu possa descobrir algo que ninguém mais viu…"

A mãe suspirou, um som que se misturava com a chuva incessante, antes de se aproximar ainda mais da lobinha, tocando suavemente o focinho dela com o seu. "Eu sei que você é corajosa, minha pequena. Mas há lugares neste mundo que simplesmente não podemos ir, por mais que desejemos. Não se trata apenas de força, mas de entender nossos limites e respeitar os perigos que existem se formos para lá."

A lobinha, ainda relutante, abaixou as orelhas, seus olhos fixos no chão. "Mas… e se um dia eu precisar ir para lá? E se houver algo muito importante no outro lado?"

A mãe olhou para a filha com ternura, lambendo suavemente a testa dela para confortá-la. "Se esse dia chegar, você não estará sozinha. Mas por agora, vamos voltar para casa, onde é seguro e quente. Ainda há muito para você aprender antes de pensar em enfrentar o que está do outro lado da nossa floresta."

Com um último olhar para a lua, a lobinha assentiu lentamente. A mãe a guiou de volta à segurança de sua toca, onde as sombras da floresta não podiam alcançá-las. Juntas, elas desapareceram na escuridão, enquanto a tempestade continuava a rugir lá fora.

***

A marquesa continuou a história com um tom mais sombrio, seus olhos fixos no rosto jovem de Liam, que parecia se perder em cada palavra.

"Mas, nem sempre era seguro lá..." disse ela, a voz suavemente grave, como se cada palavra fosse carregada de memórias antigas.

"A nossa floresta, mesmo com todos os seus perigos conhecidos, ainda oferecia uma segurança que o outro lado não podia. No entanto..."

***

A lobinha estava aninhada em sua cama de feno, envolta na cálida proteção do lar. Seus sonhos eram tranquilos, cheios de imagens de brincadeiras na lama e a segurança dos braços de seus pais.

De repente, um uivo cortou a noite como uma lâmina. Um som agudo e cheio de desespero, ecoando nas profundezas da floresta. O som era diferente de qualquer outro uivo que a lobinha já havia ouvido, algo que fazia seu peito apertar de medo. Seu corpo se mexeu, e seus olhos se abriram em um estalo. Ela se ergueu, sentindo um frio arrepiar seus pelos.

Seus pais estavam imediatamente em alerta. Seu pai, um lobo imponente de pelagem escura, se levantou de onde estava deitado, seus olhos faiscando na escuridão. Sua mãe, estava ao seu lado, o rosto marcado pela preocupação.

"O que foi isso, papai?" a lobinha perguntou, sua voz trêmula.

"O que eu temia... Eles chegaram à nossa floresta." A voz de seu pai era grave, mas carregada de uma urgência que ela raramente ouvia. Ele olhou para sua esposa com determinação.

"Preciso que você e nossa pequena se escondam na floresta densa, agora."

"Mas papai...!" A lobinha saltou da cama, correndo até ele, agarrando-se em sua pelagem.

"Não vá, por favor!"

O pai abaixou-se, colocando uma pata reconfortante na cabeça da filha, sentindo o coração pesado pela súplica em seus olhos. "Eu preciso ir. Vou proteger você e sua mãe, como sempre faço. Agora, vão."

A mãe da lobinha estava ao seu lado em um instante, puxando-a suavemente para que soltasse o pai. "Ele vai voltar para nós." disse ela, sua voz carregada de uma calma que tentava esconder seu próprio medo.

"Mas precisamos ser rápidas agora."

A lobinha relutou, seus olhos ainda fixos em seu pai, mas finalmente cedeu ao olhar insistente de sua mãe. "Certo..." murmurou, sua voz fraca, enquanto seguia sua mãe.

O pai deu um último olhar para ambas, cheio de amor e de uma determinação feroz, antes de se virar e correr para fora. A escuridão o engoliu assim que ele saiu.

Lobinha e sua mãe saíram para fora, suas patas movendo-se rapidamente pelo terreno acidentado. A floresta densa estava à frente, seus troncos grossos e copas entrelaçadas oferecendo alguma esperança de esconderijo. O coração da lobinha batia descompassado, o medo crescendo a cada passo que davam na escuridão da floresta.

De repente, um som diferente ecoou pelo ar. Um grasnar estridente, como o de um corvo, mas carregado de algo insano, descontrolado. As duas pararam bruscamente, e a lobinha sentiu o ar se tornar denso, pesado. De entre as sombras, um corvo de penas negras surgiu, mas havia algo errado com ele. Seus olhos eram vermelhos como brasas, e ele se movia de forma errática, como se fosse uma marionete puxada por cordas invisíveis.

"O que...?" a lobinha começou a perguntar, mas sua mãe já estava em movimento.

"Corra!" gritou a mãe, empurrando a lobinha para trás.

Mas antes que pudessem se mover, o corvo desceu sobre elas como um relâmpago, suas garras afiadas e bico agressivo indo diretamente na direção da mãe. Ela tentou afastá-lo, mas o pássaro estava tomado por uma fúria incontrolável, golpeando com uma força desumana.

Mas antes que o corvo pudesse acertar, uma sombra escura surgiu do meio das árvores, rápida e silenciosa. Com um rosnado gutural, o pai da lobinha investiu contra o pássaro, colidindo com ele com toda a força de seu corpo. O corvo soltou um grito agudo, sendo jogado para longe da mãe, mas rapidamente se recuperou, flutuando no ar com suas asas abertas, as penas negras como a noite. Seus olhos vermelhos brilharam de ódio ao se fixarem no lobo.

"O que você está fazendo aqui?!" A mãe da lobinha gritou, a voz cheia de medo e alívio ao mesmo tempo.

"Protegendo vocês!" O pai rosnou de volta, sem tirar os olhos do corvo.

"Corram agora! Vou segurar essa coisa!"

Mas a lobinha não conseguia se mover, paralisada pelo medo e pelo choque. Seus olhos estavam fixos na figura de seu pai, que parecia gigantesco diante do corvo, um protetor decidido a tudo. A tensão no ar era palpável, e cada músculo do lobo estava retesado, pronto para o confronto.

O corvo lançou um grito estridente e se lançou novamente contra o lobo, suas garras e bico preparados para rasgar a carne. O lobo reagiu com precisão, desviando-se de lado e atacando com suas mandíbulas. Ele conseguiu agarrar uma das asas do corvo entre os dentes e mordeu com força, arrancando penas e carne. O corvo soltou um grasnado de dor, mas não recuou.

Em vez disso, o pássaro começou a bater as asas furiosamente, as garras arranhando o rosto e o flanco do lobo em uma chuva de golpes rápidos e mortais. O lobo rosnou, ignorando a dor enquanto mantinha sua mandíbula fechada na asa do corvo, tentando imobilizá-lo. Mas o pássaro era forte, muito mais forte do que parecia, e suas garras encontraram o pescoço do lobo, causando um corte profundo.

A mãe da lobinha assistia à cena, com o corpo tenso, pronta para agir, mas sabendo que precisava proteger sua filha. "Por favor, corra..." ela sussurrou para a lobinha, quase inaudível, o desespero em sua voz evidente.

O pai da lobinha finalmente soltou o corvo, recuando por um segundo, mas apenas para lançar outro ataque. Ele saltou, suas patas dianteiras golpeando o pássaro, tentando derrubá-lo no chão. O corvo, em resposta, bateu as asas com força, o impulso levando-o para cima, fora do alcance do lobo, mas o suficiente para desferir um golpe devastador com seu bico, cravando-o profundamente no flanco do lobo.

O pai da lobinha soltou um uivo de dor, mas ainda assim, não recuou. Ele saltou novamente, tentando pegar o corvo em pleno ar, mas o movimento foi mais lento, o ferimento roubando-lhe a agilidade. O corvo, percebendo a fraqueza, aproveitou para desferir outro golpe, suas garras rasgando o flanco aberto do lobo.

O lobo cambaleou, suas patas escorregando na terra, mas seus olhos nunca se desviaram do pássaro. "Corram!" Ele rugiu com todas as suas forças, a voz reverberando na floresta.

A mãe da lobinha empurrou a filha, finalmente rompendo a paralisia que a prendia. "Precisamos ir, agora!" disse ela com urgência, puxando a lobinha, que ainda relutava em se afastar.

"Mas o papai..." a lobinha começou, sua voz fraca, lágrimas escorrendo pelo rosto.

"Ele quer que a gente viva!" a mãe respondeu, com a voz firme apesar do pânico.

"Vamos, rápido!"